Desde o início do ano, a Polícia Judiciária (PJ) já deteve em território nacional 24 criminosos procurados pelas autoridades do Brasil. O número foi avançado ao DN por fonte oficial desta polícia. Só desde agosto houve seis detenções de condenados no Brasil por crimes graves que estavam em Portugal, três deles em situação irregular. A captura, no domingo, de Ygor Daniel Zago, conhecido por “Hulk” e considerado um dos principais chefes do grupo criminoso Primeiro Comando da Capital (PCC), volta a colocar esta organização violenta em palco nacional, sem que haja da parte das autoridades uma avaliação pública sobre a sua real ação no nosso país. Questionada pelo DN, fonte oficial da direção nacional da PJ salientou que esta polícia “está atenta a esse fenómeno, como, aliás, ficou demonstrado na recente operação em Cascais, e em permanente articulação com a Polícia Federal do Brasil”. Quanto à dimensão e atuação do PCC em Portugal, a mesma fonte não quis adiantar mais informação por “motivos operacionais e de salvaguarda das investigações”. Mas a detenção de “Hulk” levanta ainda outra questão, que é a de saber, afinal, quantos mais condenados e fugitivos da justiça brasileira podem estar em Portugal. Para Robson Souza, antigo tenente da Polícia Militar brasileira e mestre em Direito e Segurança pela Universidade Nova de Lisboa, “Hulk” pode ser “apenas um entre centenas, ou até mesmo milhares, de foragidos da justiça brasileira espalhados” por Portugal. Afirma que estas pessoas “podem até já ter trabalho, ter constituído família ou até já conseguiram obter a nacionalidade”. Tudo por um motivo, que já tinha revelado ao DN em 2022: não há cruzamento de dados entre a Agência para a Integração, Migrações e Asilo (AIMA) e o Banco Nacional de Medidas Penais e Prisões do Brasil, onde estão registadas todas as condenações, a maioria das quais não chegam às bases de dados da Polícia Federal, nem da Interpol. Para este conhecedor da criminalidade brasileira, que atualmente colabora com universidades nos Estados Unidos, “a notícia não surpreende”. Afinal, Robson Souza analisou esta questão na sua dissertação de mestrado, em 2021, e tinha “proposto soluções” para o problema. Mas caíram em saco roto. “Detetei a falha de segurança em 2018. Quando o Governo do PS decidiu abrir um programa de imigração sem critérios dessas questões de documento de segurança, alertei que a certidão de ‘nada consta’ da Polícia Federal não era confiável, mas o Governo não mostrou interesse sobre o assunto”, lamenta.Tal como o DN noticiou, Ygor Zago, 44 anos, vivia de forma tranquila num condomínio privado em Cascais, juntamente com a mulher (Fernanda, também detida). Dessa localização, continuava a gerir operações e a lavar milhões de euros provenientes do tráfico de droga e de um esquema de fraude de combustíveis no Brasil. Foragidos do país-natal há quase uma década, Hulk e a mulher foram detidos na residência de forma “discreta”. Ambos aguardam agora a extradição para o Brasil.O presidente do Observatório de Segurança, Criminalidade Organizada e Terrorismo (OSCOT) também não se mostra “surpreendido” pela detenção. Para Francisco Rodrigues é até “natural” que o “cerco às operações do PCC” vá sendo “apertado”. “Parece-nos que este fenómeno vai ganhar cada vez mais dimensão, porque a proximidade entre Portugal e Brasil, principalmente na questão da língua, facilita bastante o passar, de certa forma despercebido, elementos do grupo” no país. No entanto, destaca, Portugal é apenas “uma porta de entrada e não um destinatário”, um pouco à semelhança do que aconteceu com células terroristas no passado. Até porque, sendo “organizações que não querem dar nas vistas” e havendo essa “proximidade” entre ambos os lados do Atlântico, o país torna-se num local preferencial para instalar “um posto de comando” do PCC na Europa.Contudo, este fenómeno não é novo, ligado sobretudo “à falta de cultura de segurança” que existe em Portugal. “Há muitos anos que o país serve como refúgio para um certo tipo de operações. A sorte é que as três forças de segurança principais, a GNR, a PJ e a PSP, trabalham muito bem e estão sempre muito atentas a esse tipo de fenómenos. Mas nós sempre fomos muito mais de reação do que propriamente de prevenção”, reflete o presidente do OSCOT.“O crime organizado está a estruturar-se” na EuropaAna Miguel Pedro concorda. Ouvida pelo DN, a eurodeputada do CDS, relatora em vários dossiês sobre segurança, Portugal tem “algumas vulnerabilidades”, como as rotas atlânticas, bem como “o facto de ter portos de águas profundas e laços culturais e económicos que podem eventualmente ser explorados”. “Estas redes criminosas que hoje operam no espaço europeu deixaram de ter as estruturas rígidas do passado. Deixaram de ser mal visualizadas e previsíveis. O seu ADN está, de facto, a mudar. São organizações, diria, mais tecnológicas e mais fluidas, com uma capacidade extraordinária de adaptação. Este fenómeno obriga, acima de tudo, a Europa a pensar os seus instrumentos”, considera a eurodeputada. Além disso, a eurodeputada considera que “o crime organizado está a estruturar-se em solo europeu”..Ana Miguel Pedro: "Pela sua posição estratégica, Portugal tornou-se um alvo de interesse para o PCC".O combate contra esta questão passará, no seu entender, pelo que Robson Souza também defende: uma maior partilha de dados entre as autoridades internacionais. Atualmente, argumenta Ana Miguel Pedro, “a tradicional coordenação policial clássica já não basta. Precisamos de inteligência partilhada em tempo real, de equipas conjuntas”. Para isso, a Europol e a Polícia Federal Brasileira já chegaram a um acordo, o que demonstra que a União Europeia “não é apenas uma questão de segurança, é, essencialmente, uma questão institucional e também política”.Acrescentando a isto, Robson Souza classifica esta questão como sendo “uma matéria de soberania”, e aponta falhas no processo de entrada de imigrantes brasileiros em Portugal. “Eu próprio fiz inúmeros cruzamentos, aquando da minha dissertação, peguei diversas centenas de pessoas com mandado de prisão no Brasil e consegui expedir certidão de ‘nada consta’ da Polícia Federal. Ou seja, não deveria ter sido expedida essas certidões. Devia haver um alerta, um impedimento que não poderia ser gerado a certidão.” Esta falha, que levou imigrantes condenados a terem o cadastro ‘limpo’, é assim explicada: existe, no Brasil, uma base de dados do Conselho Nacional de Justiça, onde estão “todas as pessoas com mandado de prisão”. “Esse banco de dados é atualizado, porque a lei obriga os magistrados quando pedem o mandado de prisão a colocar nessa base de dados o nome e os dados da pessoa. O problema é que “essa base de dados do Banco Nacional de Medidas Penais e Prisões não é sincronizada com o sistema da declaração de ‘nada consta’ (o nosso registo criminal) da Polícia Federal”, que era o documento pedido para a entrada em Portugal, explica Robson Souza.Para controlar isto em Portugal, “seria necessário constituir uma equipa que soubesse operar o sistema e cruzar os dados, nome por nome. Assim, mal chegasse a Portugal já saberiam que não poderia entrar. É uma questão de contratar profissionais técnicos e especialistas e adquirir computadores para aceder à base de dados. Não é de todo um investimento alto”.Os foragidos à justiça brasileiraCondenado por abuso sexual:Em janeiro, a PJ deteve um homem condenado pelo crime de abuso sexual de crianças.Casal preso por tráfico de droga:Em fevereiro, foi detido um casal que tinha contra si um mandado de detenção internacional pelo crime de tráfico de droga.Condenado por crimes sexuais:Ainda em fevereiro, a PJ deteve um homem condenado pelo crime de abuso sexual de crianças.Falso médico:Nos Açores, a PJ deteve um homem que se fazia passar por médico. Membro do PCC detido:Foi em março que a PJ admitiu pela primeira vez a detenção de um membro do PCC, que organizava a logística relacionada com tráfico de droga.Condenado por abuso sexual:Também nesse mês, a PJ deteve, para extraditar, um homem de 64 anos condenado por crimes de abuso sexual de crianças.Tentativa de homicídio:Em abril, foi detido pela PJ um luso-filipino procurado pelas autoridades brasileiras pela prática de um crime de homicídio na forma tentada.Crime de extorsão sexual:Em maio, foi detida uma pessoa condenada a uma pena de dez anos de prisão, pelo crime de extorsão de natureza sexual. Procurado por assalto:Em junho, foi detido um homem com mandado de detenção por criminalidade violenta.Tentativa de homicídio:Em junho, foi detido, um homem indiciado da prática de um crime de homicídio na forma tentada.Pastor violador:Em julho, a PJ prendeu um pastor brasileiro condenado a uma pena de prisão efetiva de 18 anos pela prática do crime de violação de menores.Acusada de envenenar filhos:Em agosto, foi detida uma mulher suspeita de envenenar cinco filhos.Abuso sexual de crianças:Também em agosto, foi detido no Algarve um brasileiro suspeitas de abuso sexual de crianças. Pornografia de menores Em agosto, foi preso um procurado no Brasil por crimes de abuso sexual de crianças e de pornografia de menores.Tráfico de droga:No mesmo mês, a PJ prendeu uma mulher que tinha um mandado de detenção internacional por tráfico de droga e falsificação de documentos.Procurado por homicídio:A 21 de agosto, foi detido um suspeito de um homicídio na via pública, com recurso a arma de fogo, ocorrido no estado de Goiás.Roubo de 83 mil euros:Ainda em agosto, a PJ deteve um homem suspeito de roubar 83 mil euros à mão armada, no estado de São Paulo.Abuso sexual de crianças: Em setembro, a PJ deteve um homem francês suspeito de abusar da filha de dois anos.Violência doméstica:No mesmo mês, foi detido um homem condenado por violência doméstica, que cortou a pulseira eletrónica e fugiu.Agressor sexual:Em setembro, foi um suspeito de abuso sexual de crianças e pornografia de menores.Abuso de menores:Em outubro, foi detido mais um homem por crimes de abuso sexual de menores praticados no Brasil.Criminalidade organizada:Em outubro, foram detidas duas mulheres por associação criminosa e burla.Tráfico de droga:Já em novembro, foi detido mais um procurado no Brasil por tráfico de droga e associação criminosa..PJ detém um dos principais cabecilhas do PCC brasileiro, que vivia num condomínio de luxo em Cascais .Judiciária ainda não reconhece presença do PCC em Portugal