A Procuradoria-Geral da República (PGR) voltou a falhar o prazo legal para entregar o relatório sobre a execução da Lei de Política Criminal (LPC). Nos termos da Lei-Quadro da Política Criminal (Lei n.º 17/2006), o Procurador-Geral da República deve enviar à Assembleia da República, até 15 de outubro, o relatório relativo ao biénio cuja vigência cessou. A lei de política criminal aprovada pela Lei n.º 51/2023, vigorou entre 1 de setembro de 2023 e 31 de agosto de 2025, pelo que o relatório de execução deveria ter sido entregue até 15 de outubro de 2025.Esta situação que devia ser uma exceção tornou-se a norma, pois apesar de a lei que obriga a esta prestação de contas por parte da PGR vigorar há quase 20 anos, nunca foi cumprida. O biénio anterior, 2020-2022, teve igualmente um processo marcado por atrasos: de acordo com a presidente da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, a deputada social-democrata Paula Cardoso, o relatório relativo a esse ciclo só deu entrada no Parlamento em 21 de setembro de 2023, apesar de o prazo legal ter terminado em 15 de outubro de 2022. Esse documento, ainda que entregue tardiamente, permitiu identificar vários constrangimentos na execução das prioridades definidas, destacando-se a falta de recursos humanos e técnicos nos órgãos de polícia criminal, a elevada complexidade dos fenómenos criminais abrangidos e dificuldades significativas na recolha de dados estatísticos fiáveis. O relatório assinalava também que, em muitos casos, não existiam sistemas informáticos capazes de gerar automaticamente a informação necessária, obrigando a consultas manuais extensas de processos.Questionada pelo DN face ao novo atraso, a PGR afirma que o relatório “se encontra em elaboração” e explica que o processo implica recolha detalhada de dados sobre todos os fenómenos abrangidos pela lei. Sublinha que a informação necessária vai muito além dos tipos de crime: envolve também as características das vítimas e os contextos específicos em que os factos ocorreram. Como refere, “é necessário recolher dados por referência, nomeadamente, as vítimas específicas de crime (vítimas especialmente vulneráveis, como crianças, idosos ou pessoas com deficiência) e sectores de atividade (crimes praticados em ambiente escolar ou em ambiente de saúde).”A Procuradoria identifica ainda limitações técnicas como causa central do atraso. “Atendendo a que não é possível retirar do sistema Citius de forma automática e sistematizada os dados para elaborar o relatório, este trabalho implica, muitas vezes, a necessidade de consulta direta de centenas ou milhares de inquéritos para garantir a fiabilidade dos dados.” Segundo a resposta enviada, estas dificuldades têm sido “reportadas ao instituto que o gere, o IGFEJ (Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça)”, acrescentando que, apesar de haver abertura para “introduzir novos mapas estatísticos”, as melhorias “ainda não estão implementadas”.A PGR acrescenta que o Procurador-Geral da República, cargo ocupado desde setembro de 2024 por Amadeu Guerra, “está sempre disponível para aceitar os convites para audições que lhe sejam endereçados pelo Parlamento” - uma disposição que está prevista na Lei-quadro: “a Assembleia da República pode ouvir o Procurador-Geral da República para obter esclarecimentos acerca do relatório por ele apresentado”.O ex-ministro da Justiça ao tempo da aprovação da Lei-quadro, Alberto Costa, já tinha antecipado este novo incumprimento. “Até 15 de Outubro, deve a Assembleia da República receber do Procurador-Geral da República, nos termos da Lei Quadro, um relatório sobre a execução das leis sobre política criminal. E está também nela expressamente contemplada a audição do Procurador-Geral da República pela Assembleia “para obter esclarecimentos acerca do relatório por ele apresentado”, mencionando-se especificamente na Lei Quadro que este abrange “a matéria de inquéritos e de ações de prevenção da competência do MP”. É uma matéria de que não é concebível a Assembleia da República alhear-se, havendo todas as razões para aguardar com grande interesse essa audição. Contrariamente à expectativa criada por várias declarações - nomeadamente do Presidente da Assembleia - o Procurador-Geral da República nomeado em Setembro do ano passado acabou por não ser ouvido até ao presente, a qualquer título, pelo Parlamento. Sucede que dispomos de um quadro legal que o prevê para a rentrée, sem precisar, entretanto, de qualquer alteração. É só necessário que cada um faça o que deve… e não se limite apenas a mostrar-se disponível para cumprir aquilo que a lei torna exigível”, escreveu na sua coluna no DN, a 21 de agosto passado.O DN pediu reações aos três partidos com maior representatividade parlamentar, PSD, Chega e PS. Apenas o PSD respondeu, através do deputado Paulo Marcelo, coordenador para a Justiça desta bancada, que enquadra o incumprimento num problema estrutural do calendário imposto pela Lei-Quadro. O deputado sublinha que entre o fim da vigência da LPP (31 de agosto) e a data-limite para entrega do relatório (15 de outubro) existe um intervalo demasiado curto. “Medeia apenas um mês e meio, prazo que se tem mostrado, na prática, inexequível. A prova disso é que nunca esse prazo foi cumprido por nenhum PGR desde a entrada em vigor da Lei-quadro, por ser manifestamente impossível num mês e meio a PGR recolher todos os dados estatísticos da execução da lei de política criminal cessante em matéria de inquéritos e de ações de prevenção da competência do MP, indicando as dificuldades experimentadas e os modos de as superar”, refere.Paulo Marcelo destaca ainda uma exigência adicional: “Esse relatório tem também, obrigatoriamente, por força do artigo 6.º da Lei 19/2008, de 21 de abril, de conter uma parte específica relativa a crimes associados a corrupção, da qual constarão todas as matérias descritas nas alíneas a) a m) desse mesmo artigo. Por tudo isto, é compreensível que o PGR ainda não tenha entregue ao Governo e à AR esse relatório”, afirma. Determinam estas alíneas que este relatório inclua “mapas estatísticos dos processos distribuídos, arquivados, objeto de acusação, pronúncia ou não pronúncia, bem como condenações e absolvições e respetiva pendência em cada uma das fases, incluindo os factos resultantes da aplicação das Leis n.ºs 5/2002, de 11 de Janeiro, e 11/2004, de 27 de Março, devendo também ser produzido, nestes últimos casos, mapa estatístico das comunicações à Procuradoria-Geral da República discriminado segundo a norma específica e as entidades que estiveram na sua origem” e “propostas relativas a meios materiais e humanos do Ministério Público e dos órgãos de polícia criminal e medidas legislativas, resultantes da análise da prática judiciária”.