Pandemia tornou migrantes mais vulneráveis. Portugal é destacado por medidas de apoio
No pico da pandemia, em meados de dezembro de 2020, havia 111 mil medidas em todo o mundo de combate à covid-19, desde as restrições às viagens à obrigação de realizar testes antes das partidas ou fazer quarentena à chegada. Sofreram os viajantes e os migrantes, também as empresas, problemas com que tiveram de lidar as nações em três momentos distintos: bloqueio da mobilidade; reabertura por fases e resposta a novos surtos e mutações do vírus. Portugal é um dos países destacados por um estudo da Organização Internacional para as Migrações (OIM) por ter introduzido medidas para os imigrantes sem papéis, embora sublinhe que foi mais por questões económicas.
"O ano de 2020 marcou uma quebra repentina na mobilidade através das fronteiras internacionais. A pandemia de covid-19 dizimou o turismo e as viagens de negócios; acabou com a maior parte da migração de trabalho sazonal e temporário; paralisou temporariamente os esforços de acolhimento de refugiados; e atrasou o processamento de vistos de todos os tipos", diz o relatório "Covid-19 e a Mobilidade Global em 2020", que resulta da colaboração da OIM e do Instituto de Política de Migração (IPM).
Analisaram a manta de retalhos que configuraram as medidas implementadas em todo o mundo, a começar pelo encerramento quase total das fronteiras entre janeiro e março de 2020. Estratégias cujos efeitos no combate à disseminação do SARS-CoV-2 ainda estão por avaliar passado mais de um ano, sublinha o estudo. Mas que deixaram marcas profundas a quem necessita de se deslocar por motivos profissionais e de sobrevivência.
Em 2021, os governos enfrentaram "o desafio de desenvolver estratégias de mitigação que vão além do encerramento de fronteiras e proibições de viagens", diz o estudo, que alerta: vão ter de evitar respostas unilaterais e trabalhar com outros governos e organizações internacionais para desenvolver políticas de saúde e de fronteira bem planeadas e promulgadas.
A Europa foi particularmente fustigada durante a primeira fase da pandemia. "O continente europeu foi responsável por quase metade dos casos e mais de 60% das mortes em todo o mundo. Espanha e Itália foram particularmente afetadas, com o maior número de casos e de óbitos, respetivamente."
Para conter a propagação do vírus, os países da UE implementaram controlos mais rígidos. "Embora as limitações iniciais não envolvessem uma suspensão da viagem, o encerramento subsequente das fronteiras prejudicou significativamente a liberdade de movimento na UE."
As entradas na UE foram em grande parte proibidas após 17 de março de 2020, restringindo-se às viagens essenciais (por exemplo, equipas médicas e retorno de nacionais). Os pedidos de asilo caíram 40% nos primeiros seis meses de 2020; as entradas irregulares caíram 20% e o número de refugiados diminuiu quase quatro vezes.
Mas, segundo Benton, Batalova, Davidoff-Gore e Schmidt, os autores do estudo, a pandemia também destacou "o importante papel dos migrantes no cumprimento de funções básicas nas sociedades da UE, representando 13% da força de trabalho essencial do espaço comunitário (por exemplo, nos cuidados de saúde e na agricultura)".
Ao mesmo tempo, os imigrantes tendem a ter menos proteção social e direitos do que os naturais da UE, o que se agrava no caso dos irregulares. Por exemplo, recorde-se as más condições de vida dos trabalhadores agrícolas em Odemira.
Mas Portugal é destacado por ter aprovado medidas temporárias para que os estrangeiros sem autorização de residência tivessem os mesmos direitos que os cidadãos com residência - na saúde, na proteção social e na educação. Até porque os processos se atrasaram ainda mais com a pandemia devido ao encerramento dos serviços.
"No geral, a pandemia exacerbou essas vulnerabilidades. Embora alguns países, incluindo Alemanha, Itália e Portugal, tivessem introduzido isenções e medidas de regularização para trabalhadores migrantes, foram principalmente para enfrentar os desafios económicos, mais do que para proteção dos direitos dos trabalhadores. Outros países, como a França, têm procurado aproveitar a sua força de trabalho nacional para preencher a escassez de mão-de-obra."
O encerramento de corredores de migração típicos usados por trabalhadores, por exemplo, ao longo dos Balcãs, também mudou a dinâmica da mobilidade na Europa e em países da Europa Central e do Sudeste que viram centenas de milhares de cidadãos regressar da Europa Ocidental. A região tornou-se o anfitriã de milhares de viajantes e migrantes presos.
A partir de abril, os registos de asilo começaram a ser retomados gradualmente, com medidas de segurança adaptadas, como entrevistas remotas e distanciamento social nos centros. Aumentaram acentuadamente a partir de junho de 2020, mas, segundo o relatório, ainda em quantidade significativamente mais baixa do que pré-pandemia.
Portugal recebeu 1002 pedidos de proteção nacional em 2020, 54,1% dos foram apresentados em 2019 (1849), segundo o SEF. E acolheu 330 refugiados ao abrigo dos diversos programas internacionais, nomeadamente o de Reinstalação do Alto-Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados.
"A pandemia foi um obstáculo para o exercício do direito ao asilo, as pessoas tiveram muitas dificuldades de circulação. E, por outro lado, representou mais custos para as organizações, porque tivemos de alojar menos pessoas em cada espaço, além de toda a higienização", explica Tito Campos e Matos, vice-presidente do Conselho Português para os Refugiados.
"Aumentou o abismo entre quem se pode deslocar e quem não pode. A covid-19 reduziu profundamente as perspetivas de mobilidade de alguns grupos, embora fazendo pouca diferença para aqueles cuja nacionalidade, recursos e status permitiu atravessar as fronteiras para trabalhar, por razões familiares ou turismo (...). Aqueles que se deslocam por necessidade (como os migrantes trabalhadores e refugiados) tiveram de absorver custos elevados de quarentena e autoisolamento", refere o estudo. E contribuiu para o aumento das vulnerabilidades socioeconómicas de quem depende da mobilidade para sobreviver - o desemprego atingiu trabalhadores migrantes -, também frustrou a capacidade de muitas pessoas imigrarem para escapar a conflitos, colapsos económicos, desastres ambientais e outras crises. E levou "a que os imigrantes dependessem ainda mais de intermediários para conseguir um trabalho e de traficantes".
Na primeira fase da pandemia (março a maio de 2020), os governantes emitiram ou prorrogaram 43 300 medidas relacionadas com viagens, com pelo menos 70 proibições, segundo o relatório. O número de passageiros internacionais caiu 92% em abril e maio, comparativamente ao mesmo período de 2019. E a Frontex (agência que patrulha as fronteiras da UE) registou a maior baixa de todos os tempos de migrantes irregulares.
O período seguinte, entre junho e setembro, é marcado pela reabertura por fases. A Nova Zelândia e a Austrália mantiveram o encerramento das fronteiras, outros como as Caraíbas abriram para o turismo logo em julho. Etapa que outras nações só alcançaram em agosto ou setembro. Grande parte da Ásia manteve as restrições.
Portugal cortou praticamente todos os voos na primeira fase, retomando em junho e julho. Reabriram as fronteiras terrestres com a Espanha a 1 de julho, mas todo este processo teve avanços e recuos. O país perdeu 41 milhões de passageiros em 2020, uma quebra de 69,6 % comparativamente a 2019.
Os meses de outubro a dezembro foram marcados pela necessidade de dar resposta a novos surtos e mutações do vírus. Os países procuraram operacionalizar medidas na saúde em lugar de restrições de viagem. Alguns, como Chile, México e Emirados Árabes Unidos abriram as fronteiras até para turistas. Os certificados de saúde passaram à medida de viagem mais comum, substituindo gradualmente a quarentena e os testes.
Em dezembro, os governos implementaram restrições das rotas provenientes do Reino Unido e, em menor medida, da África do Sul. Foi a resposta às variantes Alpha (detetada pela primeira vez no Reino Unido) e Beta (África do Sul). É o caso de Portugal, que criou limitações a quem viajava de países onde surgiam novas variantes, o que também aconteceu com o Brasil. Só desde 1 de setembro são permitidas viagens não essenciais provenientes do território brasileiro, o que também acontece em relação aos EUA. Aos passageiros do Reino Unido deixou de ser exigida quarentena.
Os autores do estudo não estão convencidos da eficácia da tentativa de cada país se transformar numa bolha. "Embora existam algumas exceções, nomeadamente a Austrália e a Nova Zelândia, outros países foram amplamente malsucedidos com o encerramento das fronteiras para prevenir a propagação viral, e os que tiveram sucesso introduziram ao mesmo tempo uma série abrangente de medidas domésticas, tornando-se difícil atribuir uma causalidade." Acrescenta que o surgimento de variantes mais resistentes do SARS-CoV-2 obrigaram a novas respostas, mas, "quando os países introduziram as restrições, as novas variantes já se tinham espalhado".
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