Embora os impactos dos microplásticos na saúde humana ainda estejam a ser estudados, já há indícios que associam a inalação destas partículas a maiores riscos de desenvolver problemas como doenças respiratórias, cardiovasculares ou determinados tipos de cancro. Em Portugal, uma equipa de investigadores da Faculdade de Ciências da Universidade do Porto conduziu, ao longo de 18 meses, o primeiro estudo de monitorização a longo prazo da presença de microplásticos transportados pelo ar. As conclusões, agora reveladas, expõem a presença de níveis preocupantes dessas partículas na atmosfera e apontam para a necessidade urgente de avaliar com mais rigor os seus impactos ambientais e na saúde.O estudo, que tem como autora principal a ucraniana Yuliya Logvina, aluna de doutoramento da FCUP, decorreu entre setembro de 2022 e março de 2024, utilizando um coletor atmosférico instalado nos jardins da faculdade, e é pioneiro ao fornecer uma análise detalhada da distribuição sazonal de microplásticos e fibras transportadas pelo ar. Apesar de já se saber que estas partículas estão presentes na atmosfera, poucos estudos analisam a sua distribuição e variação ao longo do tempo. “É muito difícil estudar e analisar os microplásticos do ar em comparação com os da água ou do solo, porque é mais complicado isolar a amostra e é muito importante haver, por isso, uma monitorização contínua para saber as quantidades que são transportadas”, conta Yuliya.A pesquisa revelou que os níveis de microplásticos no ar da cidade do Porto são preocupantes, até quando comparados com outros estudos existentes e amostras recolhidas noutros países. Os investigadores registaram picos de até 164 microplásticos por metro quadrado por dia, nas partículas de dimensões entre 1,2 e 12 micrómetros, menores do que um fio de cabelo e que fazem parte da família das partículas finas PM2,5 e PM10, especialmente preocupantes por serem respiráveis e pela sua capacidade de penetração nos pulmões. Para partículas maiores, entre 25 e 12 micrómetros, o maior pico registado foi de 534 microplásticos por metro quadrado por dia.. “Estes números mostram que a contaminação do ar por microplásticos, por um lado, é permanente (estão sempre presentes nas amostras recolhidas) e, por outro lado, pode ser influenciada por fatores conhecidos, como os meteorológicos, mas também desconhecidos, levantando preocupações sobre a exposição da população a essas partículas inaláveis”, descreve a investigadora.O estudo indica que os fatores climáticos, como a direção e velocidade do vento, têm um impacto significativo na dispersão dos microplásticos - por exemplo, ventos provenientes do norte estiveram associados a um aumento na concentração dessas partículas no ar. Além disso, a precipitação tende a reduzir temporariamente a quantidade de microplásticos suspensos na atmosfera, enquanto os dias secos e com maior turbulência atmosférica favorecem a dispersão das partículas.Mas também foi observado um pico, em abril de 2023, não relacionado com qualquer evento meteorológico, o que acrescenta preocupação, pois sugere que “fatores ainda desconhecidos podem estar a influenciar a dispersão dessas partículas”, refere Yuliya Logvina.Os microplásticos encontrados pertencem a uma variedade de polímeros sintéticos como polietileno, polipropileno, poliéster e outros. As fibras representam uma proporção menor, “mas são também preocupantes dado a possível quebra em fragmentos menores e o seu potencial impacto na saúde respiratória também”, esclarece a autora principal do estudo.As fontes prováveis destas partículas encontradas no ar, diz, são diversas e “incluem o desgaste de materiais sintéticos, como roupas de poliéster e tapetes, a fragmentação de plásticos maiores devido à exposição ambiental, emissões de tráfego (desgaste de pneus e tintas), atividades industriais e depósitos de resíduos urbanos”.Os resultados reforçam a urgência de políticas públicas eficazes para combater este tipo de poluição e reduzir a exposição da população. Embora ainda não existam limites regulamentares para microplásticos na atmosfera, sabe-se que partículas pertencentes à fração respirável (PM10 e PM2,5) podem ter impactos na saúde humana e que a exposição prolongada pode estar relacionada com algumas doenças. “Quando as taxas exatas de inalação forem estabelecidas e os efeitos dos microplásticos na saúde forem melhor compreendidos, poderá, entre outros, ser possível correlacionar o aumento de doenças como o cancro e a asma, por exemplo, com os níveis destas partículas no ar”, aponta Yuliya.. Este trabalho conduzido na FCUP representa um avanço significativo na compreensão da presença de microplásticos no ar, especialmente num país onde, até agora, havia pouca investigação sobre o tema - apenas um estudo anterior, de 2020, na Universidade de Aveiro. Os investigadores alertam para a necessidade de monitorização contínua para entender melhor a dinâmica das partículas e os seus efeitos a longo prazo na saúde humana.“Este estudo é apenas o começo. Para proteger a Saúde Pública e o meio ambiente, é essencial continuar a investigar, expandindo o estudo para outras regiões e incluindo outras variáveis”, conclui Logvina, que espera que este seja um passo crucial na “criação de um mapeamento dos níveis de microplásticos no ar em Portugal”.