Os juízes sem beca que ajudam a elaborar sentenças para menores
Ser juíza social, para mim, é muito gratificante. Foi uma experiência que abracei em 2014 e até hoje continuo a acompanhar processos com muito gosto." As palavras são de Madalena Natividade, já no seu quarto mandato como juíza social no Tribunal de Família e Menores de Lisboa. "Para ter a função de juiz social temos de ser pessoas muito assertivas e temos de saber que quando estamos aqui estamos a decidir sobre a vida das crianças. Temos de ter muito cuidado, muita sensibilidade, muito discernimento nas decisões que vamos tomar."
Previstos na lei desde 1978, os juízes sociais só começaram a ter expressão em Portugal a partir de 2001, com a entrada em vigor da Lei Tutelar Educativa e da Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Risco. São cidadãos que se candidatam ao cargo e depois são escolhidos pelas câmaras municipais para mandatos renováveis de dois anos em que participam em julgamentos nos tribunais de família e menores, num coletivo misto composto por um juiz de direito e dois juízes sociais. Tomam decisões relativas a processos tutelares educativos e de proteção de menores.
Madalena Natividade é assistente social na Sociedade Anti-Alcoólica Portuguesa e, desde o ano passado, faz parte também da equipa de Intervenção Social e Comunitária da Junta de Freguesia da Ajuda. É juíza social desde 2014 e a ideia de se candidatar ao cargo surgiu através do Sindicato Nacional dos Assistentes Sociais. Foi um desafio que encarou como "uma nova área, uma nova oportunidade", mas não sem algum receio. "Fiquei mais expectante em relação à legislação que tínhamos de aplicar", recorda.
De acordo com dados do Ministério da Justiça, facultados ao DN, atualmente existem em Portugal 1145 juízes sociais efetivos. Mais complicado é fazer as contas a quantos processos já tiveram a intervenção destes elementos da sociedade civil, porém, é possível "referir que nas áreas em que é suscetível a intervenção dos juízes sociais, e no período compreendido entre 1 de setembro de 2018 e 31 de agosto de 2019, deram entrada 8166 processos de promoção e proteção e 1719 processos tutelares educativos", enumerou fonte do Ministério da Justiça.
g>A lei de 1978 que regulamenta o recrutamento dos juízes sociais estabelece que estes devem ter mais de 25 anos, saber ler e escrever, não ter antecedentes criminais e morar ou trabalhar no concelho no qual se estão a candidatar. Ou seja, é uma função que está a aberta a toda a sociedade civil. No entanto, a grande maioria dos juízes sociais acabam por vir de classes profissionais como professores, psicólogos, assistentes sociais e outras ligadas de alguma forma à infância e juventude.
Madalena Natividade acredita que as pessoas da sua área são uma mais-valia na hora de tomar decisões, quando comparadas, por exemplo com quem vem de áreas como a economia ou as engenharias. "Eu, como assistente social, já tenho uma base, já tenho uma formação, já acompanhei algumas situações que tinham a ver com problemas das crianças ou com crianças problemáticas, e o facto de ser assistente social claro que enriquece este meu papel de juiz social", explica.
Falando da sua experiência pessoal, Madalena Natividade diz que a relação com os juízes de direito com quem já se cruzou "é muito boa". "Articulamos muito bem, há uma partilha, um debate. Numa sessão de debate, a decisão dos juízes sociais normalmente prevalece porque são dois e, mesmo que o juiz não esteja de acordo, a parte favorável é a dos dois juízes sociais. Mas isso não quer dizer que não se converse e não tentemos chegar a um acordo, sempre em prol do bem-estar da criança. Mas a articulação com o juiz é muito boa."
Nos seis anos em que é juíza social, já passaram pelas mãos de Madalena Natividade cerca de 20 processos, mas há um caso que a marcou especialmente. "Foi já passado um tempo de estar a exercer a função. Era um casal em que tanto o pai como a mãe não tinham capacidades para tomar conta dos filhos. Tinham cinco filhos. O mais velho já tinha 12 anos - e se retirássemos a criança para adoção já é uma idade avançada para se poder adotar. Os outros eram mais novos. Foi um processo muito complicado porque, apesar de querermos que os pais estruturassem a vida para poderem ficar com os filhos, eles nunca conseguiram. O processo deles demorou, muito à vontade, quatro anos. E no final retirámos as crianças aos pais", recorda.
Mesmo assim, Madalena garante que quando o seu atual mandato terminar, em 2022, vai renová-lo por, pelo menos, mais dois anos.
Catarina Escudeiro é juíza de direito, atualmente no Tribunal de Família e Menores de Setúbal, e colabora com juízes sociais desde 2011. No início da carreira olhava para estas figuras com desconfiança, pois achava que eram intervenções "que não tinham grande interesse", devido à falta de conhecimentos jurídicos. Hoje, reconhece que, apesar de terem limitações, "acaba por correr bem, porque o objetivo é mesmo trazer a sociedade para o tribunal", e isso "é uma mais-valia."
"Não é suposto saberem e terem noções jurídicas, mas trazerem, até das próprias vivências que têm e das profissões que exercem, informação importante e uma visão mais prática das coisas", diz Catarina Escudeiro.rong>
Essa
experiência profissional dos juízes sociais já provou ser uma mais-valia para esta juíza. Como, por exemplo, num caso de proteção em que estava prevista a institucionalização de um menor e cujo desfecho acabou por ser diferente graças ao contributo dos dois juízes sociais que compunham o coletivo. "Acho que eram na altura um psicólogo e uma educadora de infância. Ajudaram-me bastante na forma como estabelecemos as obrigações para o jovem. Deram-me uma noção mais concreta, que eu não tinha, do funcionamento de algumas instituições do Estado, como o Instituto Português da Juventude, e ajudou-nos a tomar uma decisão com medidas concretas a que o jovem aderisse e cumprisse."
Nestes quase dez anos, Catarina Escudeiro cruzou-se com muitos psicólogos, professores, educadores de infância e assistentes sociais. Do que se recorda, só um técnico de máquinas fugiu ao padrão. No que diz respeito ao género, "normalmente há um número equiparado de homens e mulheres, mas tenho trabalhado mais com mulheres".
Nunca foi votada de vencido e garante que "na esmagadora maioria dos casos acaba por haver uma convergência de opiniões". Quanto aos temas que sensibilizam mais os juízes sociais, Catarina Escudeiro aponta sobretudo a decisão que se torna mais difícil também para os juízes de direito: aprovar a retirada definitiva de uma criança à família.