Em Portugal, a obesidade afeta 28,7% dos adultos e mais de metade da população apresenta excesso de peso (67,6%). Mas a obesidade infantil também já atinge “proporções preocupantes: em 2022, a prevalência de excesso de peso foi de 31,9 % nas crianças entre os 6 e os 8 anos, das quais 13,5% viviam com obesidade. Entre 2000 e 2021, a mortalidade associada ao excesso de peso cresceu 14% e a perda de anos de vida saudáveis aumentou 28%. Atualmente, o excesso de peso representa 7,5% da mortalidade nacional e é o segundo fator de risco que mais contribui para a carga da doença em Portugal, de acordo com os dados mais recentes do estudo Global Burden of Disease, de 2021.O retrato é preocupante e integra a introdução do despachado n.º 13066/2025 de 6 de novembro, assinado pela secretária de Estado da Saúde, Ana Povo, que cumpre assim uma das promessas feitas às associações de doentes, em abril, como justificação para a criação do Programa Nacional de Prevenção e Gestão de Obesidade (PNPGO). O objetivo, lê-se no documento, é “traçar uma abordagem sistémica à prevenção e gestão da obesidade, constituindo a estrutura de apoio à implementação, acompanhamento e monitorização de respostas integradas de cuidados de saúde na área da obesidade”.Este novo despacho - que surge numa altura em que sociedades cientificas e associações de doentes lançaram a campanha "Quanto pesa o medo?", com o intuito de levar os doentes a pedirem ajuda médica mais cedo - vem criar um novo modelo de cuidados integrados no Serviço Nacional de Saúde (SNS), definindo, pela primeira vez, o que chama de “Percurso de Cuidados Integrados para a Pessoa com Obesidade no SNS”, o que este incorpora e como deve ser aplicado. No despacho é mesmo referido que o programa tem como objetivo contribuir para a definição de metas até 2030, nomeadamente: “Redução da prevalência da doença através por meio de resposta integrada, multidisciplinar e transversal a todos os níveis de cuidados de saúde para o tratamento da obesidade, garantindo a identificação e a intervenção precoces, melhorando a resposta dos serviços de saúde e garantindo a equidade no acesso ao tratamento; aumentando a eficácia terapêutica, através da padronização dos cuidados e da intervenção por Equipas Multidisciplinares da Obesidade (EMO); fomentando a integração de cuidados entre os cuidados de saúde primários, hospitalares e comunitários, através das EMO, permitindo a monitorização e avaliação contínua dos resultados terapêuticos e utilizando indicadores de desempenho de forma a compreender o impacto deste percurso”.Mas não só. O PNPGO estipula que o Infarmed avance com um estudo de avaliação para a comparticipação de medicamentos aos doentes obesos, tendo o Infarmed um prazo de 30 dias a partir da publicação do despacho para iniciar este estudo. No entanto, e segundo foi explicado ao DN, uma avaliação preliminar do Infermed indica que, atualmente já existem cinco medicamentos que estão disponíveis no mercado português para o tratamento da obesidade, todos eles sujeitos a receita médica e não comparticipados pelo SNS, nomeadamente Mounjaro (Tirzepatida), Wegovy (Semaglutido), Saxenda (Liraglutido), Mysimba (Bupropiom + Naltrexona) e Orlistato 120 mg..Obesidade atinge quase 30% dos adultos em Portugal. Associações querem acabar com o medo de pedir ajuda. Esta avaliação é tanto mais importante porque, em Portugal, “existem mais de 1,6 milhões de pessoas com obesidade”, sendo que “a comparticipação no escalão A (90%) destes medicamentos significaria um encargo anual para o Estado superior a 2 mil milhões de euros, superior a toda a despesa de medicamentos em ambulatório”. Mas restringindo a comparticipação para “a população com obesidade grau II e III, a despesa no mesmo escalão seria superior a 600 milhões de euros por ano. Em comparação, o gasto farmacológico pelo SNS, para doentes com obesidade, com doenças cérebro-cardiovasculares em Portugal por ano ronda os 115 milhões de euros”.É precisamente esta situação, há muito reivindicada pelos doentes, que irá ser avaliada, mas, segundo explicaram ao DN, “ não há nenhum país europeu a comparticipar atualmente todos estes medicamentos”.O despacho refere ainda que “a Direção Executiva do Serviço Nacional de Saúde, I. P. (DE-SNS, I. P.), em articulação com a DGS, assegura a implementação progressiva do PCIPO nas ULS, promovendo a melhoria do acesso e a qualidade dos cuidados de saúde, bem como a integração dos cuidados entre os diferentes níveis de prestação”.Do ponto de vista técnico, caberá à Direção-Geral da Saúde (DGS) a “definição e atualização dos requisitos técnicos, organizativos e de qualidade dos Centros de Tratamento da Obesidade, assegurando a validação das candidaturas e o cumprimento dos critérios estabelecidos em documento normativo próprio”. Do lado da gestão, a DE-SNS em articulação com a Administração Central do Sistema de Saúde (ACSS) devem promover “a uniformização de Centros de Responsabilidade Integrados (CRI) com atividade na área da obesidade”, assentes num “modelo de contratualização baseado em resultados em saúde”. Metas a atingir e resultados têm de ser monitorizados para garantir resultadosO mesmo despacho estabelece que “cada ULS assegura a criação e consolidação” das Equipas Multidisciplinares da Obesidade, as quais devem ter como “responsabilidade a prevenção, diagnóstico, tratamento não cirúrgico e cirúrgico e referenciação de pessoas com obesidade, assegurando a articulação entre os diferentes níveis de cuidados e promovendo uma abordagem multidisciplinar centrada na pessoa e suportada na evidência científica”Estas equipas têm “autonomia organizacional e são constituídas por profissionais de diferentes níveis de cuidados, com formação específica na área da obesidade, e incluem, no mínimo, cinco elementos, com representação obrigatória dos quatro núcleos em que se organizam, podendo partilhar os recursos humanos entre os seguintes núcleos: Cuidados de Saúde Primários: medicina geral e familiar; Cuidados Hospitalares: medicina interna e/ou endocrinologia ou pediatria; Cuidados Hospitalares Cirúrgicos: cirurgia geral, medicina interna e/ou endocrinologia”. A nível do Núcleo Cuidados Transversais as mesmas equipas devem incluir profissionais de “enfermagem, nutrição, saúde mental, atividade física (fisioterapia e/ou medicina física e reabilitação) e serviço social, entre outras e devem ser responsáveis pela intervenção em pessoas com obesidade (pré-clínica, clínica ou sarcopénica), pessoas com pré-obesidade e risco cardiometabólico aumentado, pessoas com motivação para a mudança”.Do ponto de vista do doente, estas equipas deverão definir um plano individual de cuidados e estratégias terapêuticas personalizadas, de acordo com as necessidades individuais, bem como definir objetivos terapêuticos e de seguimento regular para monitorização de progressos.Por outro lado, o programa, e para garantir “a qualidade, a segurança, a eficácia e a continuidade do percurso de cuidados da atividade das EMO”, tanto a DE-SNS como a ACSS e os Serviços Partilhados do Ministério da Saúde (SPMS) “devem assegurar as necessárias adaptações aos sistemas de informação e devem desenvolver e implementar, de acordo com orientações da DGS, um sistema de monitorização que inclua indicadores de desempenho”. Doentes satisfeitos com programa, mas querem garantias de que será aplicado .Para a Adexo-associação De Doentes Obesos E Ex-obesos De Portugal, que esteve desde o início nas negociações deste documento, juntamente com outras entidades científicas, o despacho publicado nesta quinta-feira “é um primeiro passo” para melhor acesso aos cuidados e ao tratamento aos doentes, mas só será válido se “passar do papel à prática”.Carlos Oliveira, presidente da Adexo, diz ao DN que este despacho tem a vantagem de criar um percurso de cuidados integrados para os doentes, “que está definido como deve ser aplicado e funcionar”, mas “o importante é que seja operacionalizado, se não for, de nada serve. É mais um projeto que fica no papel”. Aliás, a nossa preocupação base, como associação de doentes, “é exatamente esta é que depois da aprovação´, o documento fique esquecido na DGS e nos outros organismos da Saúde”.O primeiro passo mesmo “é o Infarmed cumprir os timings definidos”, refere Carlos Oliveira, “já que tem 30 dias para fazer a avaliação da comparticipação para os medicamentos e definir regras de aplicação”, depois “é este programa começar a ser aplicado nos cuidados de saúde primários.