Na totalidade do ano passado, arderam 137.651 hectares de terreno rural em Portugal continental, o que contrasta com os 248.338 hectares que, entre 1 janeiro e 25 de agosto deste ano, já foram consumidos pelas chamas, de acordo com os dados agregados pelo Sistema de Gestão Integrada de Fogos Rurais (SGIFR). Estes 110.687 hectares que já arderam a mais face ao total de 2024 já implicaram medidas extraordinárias do Governo e críticas conexas dos partidos da oposição, que, por sua vez, avançaram com várias propostas para combater este fenómeno iterado anualmente e com Portugal a ter enfrentado, nos últimos 12 dias, o maior incêndios de sempre em termos de área ardida. É com estes dados presentes que o país avançou assim para a época de incêndios com 76 meios aéreos. Ainda assim, já no próximo ano haverá mais apoio aéreo, de acordo com os helicópteros que foram comprados em 2023 e com os Canadair adquiridos no ano passado, mas nada garante que os incêndios abrandem. Até porque há outras condicionantes, que implicarão “mudar mentalidades”, sublinha fonte próxima da Proteção Civil.No relatório relativo a 2024, elaborado pelo SGIFR, que é coordenado pela Agência para a Gestão Integrada de Fogos Rurais (AGIF), surge a nota de que o “crescimento” da utilização de meios aéreos no combate a incêndios “levanta hipóteses de melhoria de eficácia e eficiência”. “Depois dos grandes incêndios de Pedrógão [em 2017], houve uma resolução do Conselho de Ministro [n.º 157-A/2017] que definiu que a Força Aérea passaria a fazer a gestão dos meios aéreos”, explica fonte deste ramo das Forças Armadas, garantindo que é esse o limite do seu papel no combate aos fogos, cabendo a ativação dos meios à Proteção Civil..O documento do Governo, que na altura era chefiado por António Costa, dita que à Força Aérea seriam “confiados o comando e a gestão centralizados dos meios aéreos de combate a incêndios florestais, por meios próprios do Estado ou outros que sejam sazonalmente necessários”.Seguindo esta indicação, o Dispositivo Especial de Combate a Incêndios Rurais 2025 (DECIR), aprovado em abril, prevê o recurso a 76 meios aéreos de combate ao fogo (mais quatro face ao ano anterior) no período que é designado como “nível de empenhamento Charlie e Delta”, que começa a 1 de junho e é prolongado até 30 de setembro. No entanto, explica a fonte da FA, só foi possível contratualizar 73 meios, “por falta de empresas disponíveis para assinar contratos”.O despacho do Governo determina que serão alocados à FA, no período compreendido entre 2025 e 2029, cerca de 129 milhões de euros para fazer a gestão dos meios aéreos do combate a incêndios.Por comparação aos meios atuais, em 2017, quando deflagrou o segundo maior incêndio registado - na Lousã - Portugal contava com apenas 28 meios aéreos no total.Portanto, até ao final desta semana, segundo o DECIR, haverá no combate aos incêndios 43 helicópteros bombardeiros ligeiros e cinco pesados, que serão articulados com 20 aviões bombardeiros médios e dois pesados.Na tarefa de reconhecimento, avaliação e coordenação haverá ainda quatro helicópteros (dois na região de Coimbra, um no Alentejo e outro no Douro) e dois aviões (um em Viseu e outro no Alentejo).Basicamente, a Força Aérea contrata empresas e “as empresas têm os seus funcionários”. E isto é feito com recurso a concursos públicos. Assim, os três meios que não puderam ser contratados através deste método, sabe o DN, não responderam ao apelo do Estado porque não há pilotos disponíveis no setor privado para cumprir com os critérios concursais. Ainda assim, na luta contra as chamas, há agora três helicópteros AS350B3 Écureuil (B3), do Estado, e dois AW119 Koala, da Força Aérea. Todas as outras aeronaves do dispositivo foram contratadas.Os dois Koala, da Força Aérea, não fazem combate direto aos incêndios, mas “são úteis no sentido de projeção das forças para o terreno. E quando há mais de três meios aéreos no ar, numa zona de fogo, eles são como uma torre de controle aérea”, acrescenta a fonte da FA.Estes helicópteros têm a missão de levar “uma pessoa da Proteção Civil, entendida nos fogos, e depois são definidos quais são os meios aéreos e a ordem dos meios aéreos para atacar o fogo”.Com esta ideia, a FA defende que a maior crítica feita ao recurso dos Koala - por não terem o “balde” acoplado, de transporte de água - é uma “notícia falsa”, até porque “qualquer helicóptero no mundo pode levar um balde acoplado” e a missão destes é outra.Mais meios no arA partir de 2026, Portugal vai poder contar com mais dois helicópteros no combate a incêndios. Estes entrarão em ação na sequência dos nove Black Hawk que foram comprados - seis em 2023 e três no ano passado - ao abrigo do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), que contribuiu com 81% dos 43 milhões de euros que foram investidos nas seis aeronaves iniciais.De qualquer modo, no próximo ano ainda só haverá dois Black Hawk a lutar contra os incêndios rurais em Portugal, porque é preciso formar as tripulações, que é algo que demora dois anos. Como os dois primeiros Black Hawk chegaram no final de 2023, só em 2026 é que teremos os primeiros na linha da frente dos incêndios. Neste momento, Portugal só tem quatro destes helicópteros. Portanto, é expectável que o investimento de 2023 só dê frutos, na sua dimensão final, daqui a alguns anos.No que diz respeito aos aviões Canadair que Portugal comprou há um ano com recurso a fundos comunitários - num investimento de 100 milhões de euros -, o primeiro deverá chegar em 2029 e o segundo em 2030.A juntar à lista de vaticínios, com a certeza de que não serão utilizados ainda este ano, no início deste mês o ministro da Defesa Nacional, Nuno Melo, confirma a aquisição de dois kits de combate a incêndios, que serão aplicados a dois aviões C-130, num investimento total de 16 milhões de euros.De acordo com a explicação da FA, os C-130 não combatem os incêndios diretamente, mas têm a tarefa de largar uma “calda retardante” numa área, que acaba por funcionar como uma barreira que impede a propagação dos fogos.E não é a primeira vez que Portugal recorre a estes aviões para lutar contra o fogo. No entanto, os C-130 da Força Aérea “deixaram de a fazer porque deixaram de ser solicitados”, porque “é sempre a Autoridade Nacional de Proteção Civil, e neste caso o Ministério da Administração Interna [MAI], que tem que definir a necessidade”.“A Força Aérea só pode intervir se for solicitada. Se não for solicitada, nós não intervimos. É mesmo uma questão de separação de poderes e separação de responsabilidades”, esclarece a fonte deste ramo militar, acrescentando que “o que aconteceu no passado é que os equipamentos ficaram obsoletos porque não foram empregados”.Em relação ao dispositivo aéreo montado este ano para responder aos fogos rurais, por comparação com a quantidade de área ardida, a fonte próxima da FA diz que os incêndios “são imensos” para a “dimensão do nosso país”, mas com uma salvaguarda: “se o país estiver todo a arder os meios nunca vão ser suficientes.”E esta ideia vem acompanhada de outra, que é uma mistura entre uma análise e um receio: “o foco que estão a dar, em termos de visibilidade, aos incêndios, está a fazer com que haja mais incendiários motivados.”“Há componentes humanas por mudar”Entre as várias recomendações da AGIF - criada em 2018 no seguimento dos incêndios que deflagraram no ano anterior - que surgem no relatório que esta agência produziu sobre os meios aéreos deste ano no combate ao fogo, aparece a necessidade de criar “um sistema rigoroso para o processamento das lições aprendidas” ou “melhorar e aumentar a capacidade de coordenação e supervisão aérea”, no entanto, de acordo com o que explicou ao DN fonte próxima da Proteção Civil, há outras dimensões que precisam de ser contempladas quando se fala no combate aos incêndios, como o clima, que aparece nesta equação como “uma camada de base da nossa cultura estrutural que mudou”.Ainda que “o regime de precipitação, a temperatura, a humidade do ar e a nossa paisagem” não tenham mudado assim tanto, “há componentes humanas por mudar”.De acordo com o relatório do SGIFR, em 2024, o incendiarismo, isto é, fogo posto, foi responsável por 84% da área ardida em Portugal (pouco mais de 84 mil hectares). No entanto, este número só representa 43% do total de ignições com causa conhecida..Fogo que começou em Arganil apresenta a maior área ardida de sempre em Portugal.Incêndios. Na Lousã, a esperança dos bombeiros é que a "noite seja boa conselheira".Incêndios de Arganil e Lousã. Um retrato do dia em que “parece que o Diabo andou por ali”