Antes de se apaixonar pelo tema dos tsunamis, entre eles o causado pelo terremoto de 1755 em Lisboa, o austríaco Martin Wronna apaixonou-se por Portugal. “A minha primeira vinda foi em 2004, coincidiu com o Europeu de Futebol, mas não foi por causa dele. Um amigo meu tinha feito Erasmus em Paris, onde conheceu um português, o Duarte, que o desafiou a visitar Portugal. Assim, viemos três austríacos, e graças ao Duarte entrámos num grupo de amigos, como se fossemos parte dele há muito. E durante duas semanas mostraram-nos as maravilhas de Portugal. Aqui em redor de Lisboa: Sintra, Costa da Caparica, Ericeira e outros. Viemos num carro, um Volkswagen Polo, e fizemos quase 3000 quilómetros. Foi um filme. Na volta, disse que um dia havia de viver em Portugal e riram-se de mim, que era louco”, conta Martin, numa conversa combinada no Martinho da Arcada, pois o Tejo ali pertinho ia ser o cenário para as fotografias. Da esplanada do café famoso por ter tido Fernando Pessoa como cliente, avista-se a estátua de D. José, curiosamente filho de uma austríaca.Martin nasceu em 1983 em Wels, perto de Linz. Quando veio a Portugal em 2004 estava a trabalhar na AV Stumpfl, uma empresa da área dos audiovisuais. Cabia-lhe explicar as diferenças entre a projeção digital e a analógica aos clientes, entre os quais muitos famosos, “como Reinhold Messner e Peter Habeler, os primeiros alpinistas a subir o Evereste sem a ajuda de garrafas de oxigénio, ou Michael Martin, autor e fotógrafo alemão que atravessou todos os desertos do mundo de motocicleta”. Diz Martin que viu assim “tantas fotografias do mundo inteiro, montanhas, costas, que pensei que estava a desperdiçar a minha vida, enquanto os meus amigos faziam Erasmus e conheciam outros países. Passado um tempo, aproveitei uma bolsa para quem é trabalhador e fui estudar Geografia, na Universidade de Salzburgo. E candidatei-me assim que possível a um Erasmus em Lisboa”, conta, num português fluente. Veio para a Nova, em 2011, e escreveu “um ensaio sobre geomorfologia e tsunamis. Foi também quando aconteceu o sismo e tsunami de Tohoku, que impactou a central nuclear de Fukushima. Antes tinha havido o grande tsunami de 2004, e eu comecei a ficar muito curioso sobre o terremoto de 1755 em Lisboa e o tsunami que ocorreu aqui”, comenta, referindo-se ao “aqui” como a Praça do Comércio, que na época era conhecida como Terreiro do Paço.“Comecei a querer estudar alguma coisa sobre o sismo de 1755 que fizesse a ligação com a geomorfologia. Ainda durante a licenciatura fiz um estudo sobre o impacto desse tsunami em Cascais”, acrescenta. No desenvolvimento desse interesse de Martin teve importância Maria Ana Baptista, investigadora no Instituto Superior de Engenharia de Lisboa (ISEL) e no Instituto D. Luiz e professora convidada na Universidade de Lisboa. Acabou por ser a orientadora de doutoramento em Geofísica, pela Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa. A tese teve como título Tsunamis from Source to Coast.Aqui na Praça do Comércio, conta-me ainda Martin, como curiosidade, a sua antiga empresa, a AV Stumpfl, que é líder no sector de telas de projeção, participou com a portuguesa OCUBO num videomapping do Arco da Rua Augusta, um de vários projetos Lisbon under the stars em edifícios históricos. No Convento do Carmo, chegou a ser feito um show imersivo sobre a história de Lisboa, onde, claro, não faltou o trágico 1 de novembro de 1755, ocorrido faz este sábado 270 anos, mas também a reconstrução sob a enérgica liderança do Marquês de Pombal, uma espécie de primeiro-ministro do rei D. José, o tal que era filho de D. Maria Ana de Áustria e de D. João V. Aliás, por falar em ligações luso-austríacas, o próprio Marquês, Sebastião José de Carvalho e Melo, foi embaixador em Viena e lá casou com Leonor Ernestina de Daun.O trabalho ainda durante a licenciatura sobre o impacto do tsunami em Cascais obrigou Martin a recriar digitalmente a vila como ela era no século XVIII, incluindo toda a zona ribeirinha e os fundos marinhos. Era tudo bem diferente, com muito menos construções. “Tive de estudar mapas antigos, e encontrei uma carta náutica com dados de levantamentos datados até 1805, ler relatos de época, também fazer medições com GPS, e depois aplicar o modelo numérico baseado nas leis físicas do tsunami”, conta. “Há um relato que diz que o tsunami penetrou um quilómetro para dentro na área da Ribeira das Vinhas, o que deu uma inundação até ao atual mercado da vila, alcançando ainda partes da antiga Quinta de Santa Clara, onde hoje está a Biblioteca de Cascais. E o meu modelo reproduziu esse relato histórico. Também há uma capela onde as pessoas se refugiaram e se salvaram e o meu modelo dá a água a chegar aí com apenas meio metro, o que explica porque se salvaram”, diz Martin. “Publiquei este trabalho em inglês, na revista Geomatics, Natural Hazards and Risk. A orientação foi da professora Maria Ana Baptista e de um professor na Áustria, Joachim Götz”, sublinha Martin, enquanto vê chegar um grupo de turistas ao Martinho da Arcada, o que o leva a comentar que Lisboa está hoje diferente do tempo em que cá veio pela primeira vez.Martin conta que não foi difícil convencer a namorada austríaca a vir para Lisboa, para se instalarem. “Ela tinha feito Erasmus em Barcelona, depois visitou Lisboa e gostou muito daqui”. Entretanto, o casal austríaco, que vive em Almada, teve já duas filhas, Eva e Gabi, “portuguesas”, e Portugal continua a ser o lar que desejam, apesar da beleza da Áustria natal. Enquanto Maria chegou a ter uma salsicharia austríaca perto da Assembleia da República, Martin conseguiu de certa forma realizar o sonho de viajar muito, pois foi guia de expedições, de Cabo Verde à Islândia, passando pelos Açores, pois tratava-se de geodestinos. Uma forma de o austríaco potenciar o seu conhecimento científico.Martin continua a adorar ciência, mas para já a carreira de investigador está congelada, até porque algumas possibilidades de investigação eram em países fora da Europa e obrigavam a estar ausente numa altura em que tem duas meninas pequenas. O trabalho atual é na secção comercial da Embaixada da Áustria em Portugal..Lisboa vai vestir-se de roxo e as sirenes vão fazer-se ouvir para recordar terramoto de 1755. Foi há 270 anos