Há utentes que têm de percorrer 1h17m para poderem realizar análises clínicas, sobretudo os que vivem em zonas do interior ou periféricas, como Trás-os-Montes e Alentejo, mas também no litoral, como Algarve, e onde o princípio da equidade, dar a todos os utentes do Serviço nacional de Saúde (SNS), os mesmos cuidados “está a ser posto em causa”. A denúncia é feita pela Associação Nacional dos Laboratórios de Análises Clínicas (ANL), que sustenta a sua argumentação nos dados divulgados recentemente pelo próprio regulador do setor da Saúde. Ou seja, revela a Entidade Reguladora da Saúde (ERS), de 2023 para 2024, a distância a percorrer para um utente do SNS poder ter acesso a um centro de análises clínicas aumentou dez minutos (de 1h07m para 1h17m). Mas não só. Os mesmos dados revelam também que no espaço de um ano há 227 centros de análises que deixaram de ter convenção com o SNS e mais concelhos do país sem este tipo de cuidado. O diretor-geral da ANL, Nuno Marques, destaca ao DN que “estes dados da ERS vêm confirmar os alertas que temos vindo a fazer sobre haver um risco real de os utentes do SNS poderem perder acesso a meios complementares de diagnóstico, nomeadamente análises clínicas”. Na base da situação está o facto de o Estado “não atualizar os preços que paga aos convencionados há 13, 14 ou 15 anos. Um preço, e é preciso ser dito, que ainda por cima é definido unilateralmente”. Neste momento, relata, há “situações em que o preço pago pelo Estado não cobre sequer o custo do próprio ato”. Nuno Marques confirma ao DN que o atual Ministério da Saúde deveria fazer uma atualização das tabelas pagas aos convencionados até ao final deste ano, mas “até agora não temos qualquer informação que tal vai acontecer”. Por isto mesmo, num mês, a ANL lançou dois comunicados, o último nesta quinta-feira, dia 11, com o intuito de alertar governantes e população para esta “situação, que é grave”, reforça Nuno Marques. “Alguém tem de agir”, senão, “a breve trecho o próprio Estado estará em maus lençóis”, assume. Porquê? “Porque a rede de convencionados que levou 40 anos a construir estará completamente desfeita”, explica ao DN, deixando-se para trás princípios como o da “equidade e da igualdade na cobertura de cuidados todos os utentes do SNS”. O que, sublinha, “neste momento, já é visível”. De acordo com o balanço feito pela ERS, de 2023 para 2024, o número de estabelecimentos convencionados na área das análises clínicas reduziu 23%, passando estes de 990 para 763. Em 2025, se houve centros a deixarem as convenções com o SNS só será apurado pela ERS no final do ano, mas a ANL acredita que este número reduzir novamente. “Acreditamos que seja pior”, pois “há mais centros a desistirem da convenção com o SNS ou a fecharem para integrar grandes laboratórios”, afirma Nuno Marques. Em termos de cobertura territorial, os dados da ERS confirmam que, em 2024, já havia 73 concelhos sem um único prestador de cuidados convencionados, quando, em 2023, eram 57 - “num só ano perdeu-se mais 6% de cobertura territorial”, destaca ainda, lembrando que os postos de colheita de sangue da rede dos convencionados asseguram anualmente mais de “100 milhões de exames, cerca de 14 milhões de utentes, dos quais 55% exclusivamente beneficiários do SNS”. Nuno Marques ressalva ainda que não podemos esquecer que “as análises clínicas têm um papel fundamental na resposta assistencial, entre 70% e 80% das decisões clínicas dependem diretamente de resultados laboratoriais e 95% dos percursos assistenciais implicam exames de patologia clínica ou anatomia patológica”. Daí, que defenda ser “importante um modelo de colaboração estreita entre o SNS e o setor convencionado, cuja complementaridade tem permitido assegurar o diagnóstico atempado e equidade territorial”. Segundo explica, tem sido esta atividade em conjunto que faz agora a ANL sentir que tem o “dever de evitar que danos irreversíveis ocorram nesta área. O Estado não pode achar que não altera os preços durante mais de uma década e que isso não provoca danos na rede que foi construída e na sustentabilidade dos pequenos laboratórios”. O problema toma outra dimensão quando “nos mesmos locais onde desaparecem pequenos laboratórios aparecem, ao mesmo tempo, processos de internalização” - ou seja, “grandes laboratórios que aglomeram os centros que iam passando de geração em geração, estando a levar, como diz a ERS, a uma concentração do mercado”. Nuno Marques explica ao DN que “os prestadores maiores têm a sua atividade em economias de grande escala e conseguem aguentar melhor a não atualização de preços. Os prestadores mais pequenos têm de fazer face a despesas com, pelo menos, dez funcionários e não têm tanta eficiência, digamos assim para gerir o impacto da não atualização de preços na sua atividade”. Aliás, diz, em poucos anos, “Portugal poderá estar como a Espanha, dependente de dois a três grandes grupos”. Para o representante do setor “não podemos pôr em causa o acesso dos utentes do SNS a estes cuidados. Não podemos apenas pensar nas zonas do litoral ou nas grandes cidades em que o acesso pode estar facilitado pelo número de postos existentes. Temos é de pensar que os mais de 3400 pontos da rede de convencionados estão em risco. Não somos só nós que o dizemos, a ERS confirma isso também. E o estarem em causa é o deixarem de ter convenção com o SNS e alguém deixar de ter cuidados. É preciso agir, é preciso uma estratégia para que não se perca a relação entre SNS e o setor convencionado”, argumenta Nuno Marques. .Aplicação SNS 24 no telemóvel já permite triar sintomas respiratórios. "Acreditamos que os constrangimentos da linha estão superados”