Começa esta quinta-feira um novo ano letivo e há 957 horários a concurso, num total de 17624 horas por atribuir. O prazo para concorrer a esses horários só termina amanhã. Ou seja, o ano 2024-2025 vai começar com 117493 alunos sem aulas a uma ou mais disciplinas. As contas foram divulgadas no blogue DeAr Lindo (dedicado ao setor da Educação), que atualiza, diariamente, o número de horários em Oferta de Escola. Muitos desses pedidos correspondem a horários que estiveram disponíveis no concurso nacional (Reservas de Recrutamento) e não tiveram candidatos interessados. A falta de professores tem sido o tema mais falado nas últimas semanas pelos vários intervenientes: Governo, sindicatos e diretores escolares, mas não é a única preocupação da comunidade escolar. A falta de obras de requalificação em centenas de escolas e o acesso aos recursos digitais também deixam apreensivos os diretores escolares. .A escalada de aposentações vem somar-se ao problema – classificado como “grave” pelo Ministério da Educação (ME) – da escassez de docentes. Até ao final do mês, aposentam-se 458 docentes. Outubro também vai registar um número elevado de reformas, com 398 aposentados. Este ano, já são mais de três mil (3151) os docentes reformados pela Caixa Geral de Aposentações, aos quais se somam os da Segurança Social, cujos números não são públicos. As previsões apontam para cerca de 4000 reformados até ao final de 2024..O Diário de Notícias ouviu os principais sindicatos de professores, a Confederação Nacional das Associações de Pais (CONFAP) e o representante dos diretores escolares, e fez três perguntas, para perceber que expectativas têm para o ano letivo 2024-2025:.1- Quais são as perspetivas para o novo ano letivo?2- A recuperação do tempo de serviço dos professores "garante" paz nas escolas?3- As escolas estão preparadas para o uso da tecnologia em provas?.Foram enviadas as mesmas questões ao ME, mas algumas ficaram por responder. O ME optou por enviar um esclarecimento onde admitiu que o ano letivo vai “arrancar com milhares de alunos sem aulas” e apontou o dedo ao Partido Socialista, a quem culpa pelo agravamento do problema. “À semelhança dos últimos anos, o novo ano letivo vai arrancar com milhares de alunos sem aulas, sendo esta uma falha grave da escola pública, que se agravou nos últimos ano da Governação do Partido Socialista, mas que este Governo quer resolver até ao final da legislatura. Não é aceitável que em 2024 milhares de alunos não tenham aulas a pelo menos uma disciplina”, esclarece. Na mesma nota, o ME reitera ter como meta “reduzir em 90% o número de 20 mil alunos que em dezembro do ano passado não tinham aulas a pelo menos uma disciplina desde o início do ano letivo”. “Para que isso aconteça, o MECI já aprovou o Plano + Aulas + Sucesso composto por 15 medidas que vão permitir atrair mais docentes. Além disso, vai ainda ser lançado um concurso extraordinário de colocação de professores e vai ser atribuído um subsídio de deslocação”, conclui..Filinto Lima, presidente da Associação Nacional de Diretores de Agrupamentos e Escolas Públicas.Crédito: André Rolo / Global Imagens.Quais são as perspetivas para o novo ano letivo?. A nuvem muito cinzenta (escassez de professores) ensombrará o arranque ano letivo, tal como no final do anterior. Este fenómeno será prolongado por alguns meses, malgrado a operacionalização das 15 medidas, a que corresponde ao objetivo muito ambicioso que tenciona diminuir em 90% o número de alunos que no ano anterior não tiveram professores a pelo menos uma disciplina. Ao mesmo tempo é necessário realizar obras de requalificação em centenas de escolas já sinalizadas, diminuir o imenso trabalho burocrático existente nas escolas, apoiar efetivamente todos os professores na deslocação e na estadia, rever o estatuto do aluno e ética escolar..A recuperação do tempo de serviço dos professores "garante" paz nas escolas?.O acordo histórico entre o ME e alguns sindicatos relativamente à recuperação dos 6 anos 6 meses e 23 dias nos próximos anos, trouxe a paz e a estabilidade às escolas públicas portuguesas. Contudo, é necessário arrepiar caminho, pois durante muitos anos os sucessivos governos desprezaram a Educação, não lhe atribuindo o valor devido. Neste momento é necessário continuar a valorizar e dignificar a carreira docente com maior assertividade e medidas concretas..As escolas estão preparadas para o uso da tecnologia em provas?.Neste momento, nem todos os alunos dispõem de kits digitais, facultados pelo ministério da Educação. Para que as provas finais de 9.º ano possam ser realizadas em formato digital é fundamental que todos os alunos disponham, desde o arranque do ano letivo, do importante instrumento de trabalho: o computador..Ao mesmo tempo, é necessário construir corretamente o edifício digital começando pelos alicerces, dotando as escolas de uma rede WiFi fiável..Mariana Carvalho, presidente da CONFAP.Crédito: Maria João Gala / Global Imagens.Quais são as perspetivas para o novo ano letivo?.Claro que não descurando a realidade, a nossa expectativa é positiva e é de esperança. Sabemos das problemáticas e não é com ingenuidade que utilizamos a palavra esperança. Temos previsibilidade de conseguir alterar a falta de professores..Estamos preocupados com as infraestruturas e não exclusivamente com a falta de obras. De facto, algumas escolas precisam urgentemente de obras, mas há muitas outras coisas que importa termos nas escolas, tanto para os nossos filhos, como para os professores. Por exemplo, há escolas em que chove nos recreios, porque não têm coberturas e os alunos não podem estar ao ar livre e há também escolas sem as infraestruturas para a prática desportiva..A recuperação do tempo de serviço dos professores "garante" paz nas escolas?.Não conseguimos ainda dizer se é suficiente. Sendo satisfeita a recuperação do tempo de serviço, a esperança é que ajude, mas por si só essa medida não basta. Existe uma série de medidas que foram implementadas pelo ME que acredito que possam gerar maior estabilidade nas escolas..As escolas estão preparadas para o uso da tecnologia em provas?Neste momento há escolas que estão preparadas e outras não. Queremos salientar que o que nos preocupa não é o dia e o momento da prova, é o que antecede esse dia. Não existe preparação ao longo do ano letivo, com rede de computadores e acesso à internet. No dia da prova está tudo preparado, mas é importante que os alunos e os professores se possam preparar-se ao longo do ano. Há alunos que levam o PC um dia por mês para a escola. É assim que se vão familiarizam com as ferramentas digitais?.Francisco Gonçalves, secretário-geral adjunto, da FENPROF.Quais são as perspetivas para o novo ano letivo?.O grande problema que se coloca é o da falta de professores. Resulta das opções políticas das duas últimas décadas: a desvalorização da profissão e da carreira iniciada pelo governo do PS de 2005-2009; o despedimento de mais de vinte mil professores contratados no governo PSD/CDS de 2011-2015; a não resolução dos problemas essenciais da profissão e da carreira (recuperação do tempo de serviço congelado à cabeça) no governo do PS, especialmente a partir de 2018. Do ponto de vista estrutural é necessária uma valorização efetiva da profissão e da carreira, de modo a torná-la mais atrativa: eliminando a precariedade, recuperando integralmente o tempo de serviço, tornando os horários justos e as condições de trabalho adequadas à profissão..A recuperação do tempo de serviço dos professores "garante" paz nas escolas?.A recuperação do tempo de serviço é um passo positivo dado por este governo nesse sentido mas não garante por si só a paz nas escolas, mais ainda se houver um agravamento dos horários e condições de trabalho dos professores. A dimensão do serviço extraordinário nos horários de trabalho, as matérias a introduzir pelo MECI na revisão do Estatuto da Carreira Docente e eventuais alterações à Gestão e Administração Escolar, aos Concursos e a criação do Estatuto do Diretor Escolar serão, a este título, determinantes..As escolas estão preparadas para o uso da tecnologia em provas?.Não existe, de todo, um parque tecnológico que permita a aplicação de provas em condições de igualdade a todos os alunos do país. Nas escolas não existem, também, técnicos habilitados que garantam a manutenção dos equipamentos tecnológicos. Aliás, os agrupamentos insistem no recurso ilegítimo (e ilegal) aos professores de informática..Pedro Barreiros, secretário-geral da Federação Nacional de Educação (FNE).Quais são as perspetivas para o novo ano letivo?.A FNE espera um início do ano letivo a imagem dos anos anteriores, ou seja, com muitos problemas, insuficiências e fragilidades, que decorrem do facto de, ao longo dos últimos anos ter havido falta de vontade, investimento, planificação e definição de estratégias para se tomarem medidas capazes de, a tempo e horas, permitir a negociação de políticas concretas com soluções para os problemas identificados. É determinante reconhecer e valorizar os profissionais da Educação, para o que se torna indispensável, entre outros, melhorar o estatuto remuneratório e as condições de trabalho de educadores, professores, formadores, técnicos especializados, técnicos superiores, assistentes técnicos e assistentes operacionais, bem como a oferta de Ensino Português no Estrangeiro..A recuperação do tempo de serviço dos professores "garante" paz nas escolas?.A histórica assinatura deste acordo de recuperação do tempo de serviço aos docentes, por si só, garante algum regresso de paz e tranquilidade às escolas, mas é apenas um entre muitos problemas que ainda faltam resolver no âmbito letivo. Até porque relembramos que a FNE não esquece o facto de o acordo ter deixado em aberto a possibilidade de se encontrarem medidas compensatórias para os docentes que não usufruíram de qualquer recuperação do tempo de serviço congelado. A paz nas escolas chegaria com a resolução de todos os problemas e para isso é necessário trilhar um caminho de concertação e negociação..As escolas estão preparadas para o uso da tecnologia em provas?.Não estão porque sabemos que há falta de equipamentos, assim como problemas com internet e de apoio técnico a que se juntam os prejuízos para alunos e professores ao nível do aumento do stresse e ansiedade, da desigualdade de oportunidades e da perda de tempo letivo na realização de provas em digital. Defendemos que a transição digital deve estar ao serviço das aprendizagens e das metodologias de aprendizagem, devendo-se sim, dotar as escolas de todos os recursos necessários para aceder aos meios tecnológicos, quer em termos de equipamentos, quer de condições de acesso à rede..André Pestana,coordenador do Sindicato de Todos os Profissionais da Educação (S.T.O.P).Quais são as perspetivas para o novo ano letivo?.As perspetivas, infelizmente, não são animadoras, porque, além de continuarmos com as habituais injustiças, este Ministério parece pretender a criação de novas injustiças. A título de exemplo, pretende que a avaliação docente conte para o concurso/colocação do próprio docente, uma carreira especial e à parte para os diretores escolares e também aumentou o limite máximo de horas extraordinárias o que poderá, numa classe docente já exausta e muito envelhecida, levar (irreversivelmente) ao esgotamento total de muitos docentes. Isto irá prejudicar, significativamente, a qualidade e o direito ao ensino dos nossos alunos..A recuperação do tempo de serviço dos professores "garante" paz nas escolas?.Dificilmente haverá paz nas escolas, enquanto não houver a mínima justiça/dignidade para todos os que lá trabalham. E se é verdade que a recuperação do tempo de serviço foi uma conquista importante para milhares de docentes graças à luta iniciada pelo S.TO.P., em 2022/2023, além de milhares de Profissionais da Educação (P.E.) terem sido esquecidos nessa recuperação, continuamos com graves problemas que afetam todos os P.E., como: ausência de uma gestão escolar democrática, avaliação injusta e com quotas, impedimento ao acesso à CGA, municipalização da Educação, entre outros..As escolas estão preparadas para o uso da tecnologia em provas?.A aplicação da tecnologia em provas tem revelado claramente que ainda continuamos com assimetrias regionais ou entre escolas. Perante o excesso de horas que as nossas crianças e jovens já passam diariamente à frente de ecrãs, não faz sentido que a Escola contribua ainda mais para esse aumento, seja utilizando a tecnologia em provas, seja recorrendo aos manuais digitais.