Em 1880, o lisboeta Teatro da Trindade estreava a ode sinfónica Camões e os Lusíadas. A peça musical em quatro atos celebrava os 300 anos sobre a morte do poeta, em 1580, e trazia a assinatura do compositor português Augusto Machado. Nascido na capital em 1845, aquele que seria diretor e professor de canto na Escola de Música do Conservatório Nacional, estudou em Paris e privou com ilustres da grande música gaulesa, como Adolphe-Léopold Danhauser. Em França, Augusto Machado estreou em palco, no ano de 1883, a ópera Lauriana. Da Ópera de Marselha a obra musical viajou, em março de 1884, em direção ao Teatro São Carlos, na meridional Lisboa para, depois, atravessar a linha do equador e contar com apresentação no Rio de Janeiro..Lauriana é uma peça de homenagem ao rei D. Luís I. Um trabalho que nos idos de oitocentos convocava a presença do monarca ao camarote real na estreia lusa da ópera. Contudo, D. Luís I estava de luto pela morte da princesa Maria Ana, sua irmã. Um período de nojo do monarca que não compactuava com a presença régia em atos públicos. Quiseram as maravilhas tecnológicas do século XIX ligar os cinco quilómetros a mediar entre os aposentos reais do Palácio da Ajuda e o palco do Teatro São Carlos..Naquela noite de março de 1884, D. Luís I escutou à distância e em direto, a partir da sala de espetáculos, no coração da capital, as vozes poderosas dos intérpretes da ópera Lauriana. Horas antes, uma equipa da Edison Gower-Bell Telephone Company of Europe, atarefara-se a instalar, na Ajuda e frente ao palco do São Carlos, uma parafernália de equipamentos de apoio ao sistema que materializava a primeira linha telefónica europeia de distribuição de conteúdos operáticos e teatrais. D. Luís I entregou os seus ouvidos reais à melodia difundida através do Teatrofone, aportuguesamento do termo gaulês Théâtrophone..Um 'poster' que anunciava o Teatrofone. FOTO: D.R. / Arquivo.Desde a década de 1870 que Portugal experimentava os prodígios das ligações telefónicas. Em 1878, o rei assistira a uma experiência telefónica entre o Observatório Astronómico da Tapada da Ajuda e o Observatório Meteorológico da Escola Politécnica. Apenas dois anos antes, Alexandre Graham-Bell patenteara o telefone. Em 1882, aquando da inauguração oficial da rede telefónica na capital, a Edison Gower-Bell Telephone Company promovera a difusão de um concerto na sua sede na Rua do Alecrim e escutado na Rua do Carmo. Na época, a modesta lista telefónica, com 22 assinantes, incluía ilustres como o dr. Sousa Martins..A transmissão da ópera Lauriana exponenciava, contudo, a experiência acústica nestes primórdios do telefone. O ouvinte escutava a música através de dois canais sonoros separados, o que permitia o efeito estereofónico. Frente ao palco, fonte da transmissão musical, instalavam-se dezenas de transmissores telefónicos..Em 1885, Lisboa rendeu-se ao teatrofone. Ganhava com esta afeição a temporada musical no Teatro São Carlos, com as assinaturas do serviço a permitirem o acesso a 90 apresentações..Uma caricatura de Rafael Bordalo Pinheiro mostrando o rei D. Luís I a ouvir ópera utilizando a linha telefónica e, a cima, uma graviura anunciado a ópera 'Laureana'. FOTO: D.R. / Arquivo.A nova experiência musical propiciada pelo teatrofone nascera em 1881 pelas mãos do engenheiro francês Clément Ader, precursor da aviação, empresário e comercializador em França do sistema telefónico inventado por Graham-Bell para ali instalar, em 1879, os primeiros telefones. Ader, um espírito inventivo, olhou para o potencial do sistema telefónico e viu-lhe mais do que a comunicação entre dois sujeitos, encarou-o como um meio de disseminação pública de arte e informação..Em 1881, a capital francesa acolheu a Exposição Internacional de Eletricidade. Para além do primeiro congresso de eletricistas, a mostra fez pompa das lâmpadas incandescentes e espantou com um modelo de carro elétrico. O momento permitiu à Société Générale des Telephones brilhar com a invenção de Ader e alardear o sistema de difusão de som. Uma apresentação que contou com uma figura de peso, a do presidente francês Jules Grévy. Ainda em 1881, o teatrofone trocou os salões da Exposição de Eletricidade pela opulência da Ópera de Paris. Ouvintes a três quilómetros daquela sala de espetáculos escutaram, em direto, a ópera do compositor francês Charles Gounod, Le Tribut de Zamora..A partir de 1890, o bem-sucedido sistema teatrofone passou a ser comercializado pela Compagnie du Théâtrophone, com a instalação de aparelhos públicos em hotéis, cafés e clubes. O sistema operava com a introdução de moedas..O teatrofone dobrou a fronteira do século XIX com o século XX. O escritor Marcel Proust não escondia a sua afeição àquele engenho, que lhe entregava aos ouvidos as óperas do germânico Richard Wagner..O sistema de difusão de som criado por Clément Ader sucumbiria às novas tecnologias do século XX, nomeadamente à radiodifusão e ao fonógrafo. Ainda no nosso país, o teatrofone deixara afeições e referências literárias. Em 1901, escrevia Eça de Queirós na sua novela A Cidade e as Serras: “Amanhã, Zé Fernandes, tu vens antes de almoço, com as tuas malas dentro de um fiacre, para te instalares no 202, no teu quarto. No hotel são embaraços, privações. Aqui tens o telefone, o teatrofone, livros...” O mesmo Eça a quem se diz ter nutrido inspiração em Augusto Machado para criar a personagem do pianista Cruges, em Os Maias.