"Ninguém é ilegal". Centenas em protesto por regresso da Manifestação de Interesse

Cerca de 300 pessoas reuniram-se à porta da Assembleia da República na tarde de sexta-feira, para exigir o regresso da Manifestação de Interesse. O documento, extinto no Plano de Ação para as Migrações anunciado pelo Governo no passado mês de junho, permitia que os imigrantes viessem para Portugal sem necessidade de um visto de trabalho ou de estudo e era utilizado pela maioria das pessoas que planeavam a mudança para Portugal..Organizado por dezenas de associações de apoio ao imigrante na região de Lisboa, como a Casa do Brasil, Solidariedade Imigrante, Renovar a Mouraria e Olho Vivo, a manifestação foi realizada de forma pacífica e contou não só com a participação de imigrantes dos mais diferentes países, como também com portugueses solidários com a sua luta. .“Vinha a passar por aqui e resolvi ficar. Acho que é uma luta de todos. Nunca estive ilegal em nenhum país, mas imagino que deva ser muito difícil”, declarou Catarina Santos, 51 anos, que carregava um cartaz onde se lia: “Direitos Humanos”..Ao longo da tarde, foram ouvidas palavras de ordem como “Ninguém é ilegal”, “nem menos, nem mais, direitos iguais” e “sem mais espera”, grito que fazia referência aos mais de 400 mil processos que se encontram em atraso por parte da AIMA..Além do pedido da regresso da Manifestação de Interesse, a demora na regularização de imigrantes, incluindo os que já deram entrada no processo de residência há um ano ou mais, era um dos temas mais abordados pelos manifestantes. Por volta das 16:00, alguns deputados juntaram-se ao protesto. Fabian Figueiredo (BE), foi um dos que compareceu e inclusive juntou-se aos cânticos no megafone. A sua companheira de partido Mariana Mortágua também marcou presença na concentração, assim como António Filipe (PCP) e Paulo Muacho (Livre)..“A melhor forma de não ter imigração clandestina dependente de máfias, sujeita à exploração laboral, é através de documentos e de uma capacidade de regularizar os imigrantes. Portugal tem que criar essas condições, é um país que depende destes imigrantes”, declarou Mariana Mortágua..No final, a concentração foi reforçada pela chegada de trabalhadores da função pública. Em comum entre os dois protestos, a insatisfação com o Governo..Insatistação de imigrantes.Firosa Ussemane, 60 anos, Moçambique, há 3 anos em Portugal.Foto: Gerardo Santos.Natural de Moçambique, Firosa Ussemane mudou-se para Portugal há pouco mais de três anos. Após dois anos a beneficiar da Manifestação de Interesse, vive agora o drama que tantos outros imigrantes sofrem: a demora na chegada da autorização de residência..“Estou há mais de um ano à espera da minha documentação. Tento ir à AIMA, Loja do Cidadão, tudo, e é uma demora absurda. Tenho a minha família em Moçambique e não posso voltar para visitá-los sem que esteja 100% regularizada. Tive Manifestação de Interesse, mas a minha residência não sai e enquanto não sair, tenho que ficar aqui”, diz a moçambicana, que afirma sentir também um distrato no mercado de trabalho por ser imigrante..“No trabalho também não é fácil, as pessoas aproveitam-se muito dos imigrantes, pagam abaixo do salário mínimo. Ainda assim, há trabalho, o que não há é documentação: isso é muito difícil, o Governo não devia ter uma relação assim tão difícil com os imigrantes”, disse Firosa, que trabalha como empregada doméstica..Niraj Kumar Tiwari, 30 anos , Nepal, há 4 meses em Portugal.Foto: Gerardo Santos.Niraj chegou a Portugal há cerca de quatro meses e, por uma infeliz coincidência, logo após chegar, o nepalês viu o fim da Manifestação de Interesse significar também a impossibilidade de trazer a família para perto dele. Mais que isso, não conseguiu também ele próprio regularizar a sua situação e, agora, vê-se como “invisível” para as autoridades. Junto de mais 15 amigos nepaleses que trabalham com ele, veio do Alentejo de propósito para a manifestação de sexta-feira..“Fiz tudo certo, AIMA, Loja do Cidadão, Finanças, mas não me dão uma resposta sobre o que posso fazer. Estou a tentar trazer a minha família, já tínhamos planeado isto há tempos, mas a mudança foi muito repentina”, diz o nepalês..Para Niraj, a posição governamental e falta de respostas não é justa: “Desde que vim para cá, tenho trabalhado e ajudado também a construir para a economia deste país. Não é digno que tenhamos de viver com esta sensação de incerteza”, disse o imigrante..Saido Dafe, 39 anos, Guiné-Bissau, há 1 anos em Portugal.Foto: Gerardo Santos.Saido Dafe, natural da Guiné-Bissau, escolheu Portugal para viver há cerca de um ano: “Mesmo quando ainda era mais novo, sempre tive o sonho de vir para Portugal. Mas antes a vida levou-me a passar um tempo no Brasil”, relembrou Saido, que chegou à Europa já com passaporte daquele país da América do Sul..Trabalhador da construção civil, Saido encontrou em Portugal uma dificuldade maior do que esperava no que diz respeito à regularização de documentos. “Ainda não consegui a residência, a AIMA não responde. Qual o principal problema disso? Fica mais difícil para conseguir trabalho. Sem documentação, as empresas também não abrem as portas, o que é algo que dá para entender”, disse..Para Saido, a experiência no país tem sido frustrante, mas ir embora não é uma opção: “Como disse, queria estar aqui. O que peço ao Governo é que acelere o processo de regularização para que tenhamos melhores condições, um trabalho estável e nos ajudarmos uns aos outros”, finalizou..Patrícia Meret, 46 anos, Brasil, há 12 anos em Portugal.Foto: Gerardo Santos.Entre as associações que organizaram a concentração na Assembleia da República estava a Casa do Brasil. Patrícia Peret, advogada, está em Portugal há doze anos e é uma das dirigentes da associação, que ajuda imigrantes com a documentação e resolução de burocracias em Portugal..“Não haveria maneira da Casa do Brasil não estar presente. É uma associação que existe há mais de 30 anos e que sempre lutou pela regularização dos imigrantes em Portugal”, disse a advogada..Segundo Patrícia, o fim da Manifestação de Interesse representa um retrocesso na política de migração portuguesa. Para a brasileira, o Plano de Ação para as Migrações, anunciado em junho, foi um balde de água fria para quem havia acabado de chegar a Portugal..“As últimas medidas do Governo afetaram muito as pessoas: a esmagadora maioria do imigrantes usava o mecanismo da Manifestação de Interesse para regularizar-se no país. É muito importante que as pessoas se organizem em situações dessas”, frisou..Fatima Zahra, 46 anos, Marrocos, há 24 anos em Portugal.Foto: Gerardo Santos.Há 24 anos em Portugal, a marroquina Fatima Zahra, que trabalha na bilheteira da Rede Expressos, era um dos rostos mais emocionados na linha de frente da manifestação. Desde 2021, Fatima tenta trazer o irmão, que tem um problema psiquiátrico, para Portugal. Na altura, a marroquina tinha regularizado o visto do irmão, mas a pandemia e o encerramento das fronteiras não permitiu que ele chegasse, de facto, ao país. Para piorar, a mãe de Fatima, também a viver em Portugal, ainda não recebeu o Cartão de Residência, solicitado há mais de um ano. Resultado: não consegue visitar o filho..“Até hoje não recebemos o reembolso de quando foram fechadas as fronteiras, é difícil eu me deslocar para lá, a minha mãe aqui presa e o meu irmão sozinho. Já tentei de todas as formas resolver o problema, mas, sem a Manifestação de Interesse, não consigo trazê-lo de forma legal”, diz Fatima, que lança um apelo: “muitos portugueses também emigram. Sejam solidários com quem vem para cá”..nuno.tibirica@dn.pt

"Ninguém é ilegal". Centenas em protesto por regresso da Manifestação de Interesse

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