As lembranças do tempo em que era criança e brincava nos olivais dos avós em Ourém estão bem frescas na memória de Edgar Alves. Não só via as azeitonas, mas também uvas - e conta que a avó vindimava - , batatas, tudo o que era bom numa "vida no campo". Só agora, aos 44 anos de idade e há sete como utente do Serviço Regional de Psiquiatria Forense do Hospital Júlio de Matos é que Edgar volta ao contato com o verde que tanto lhe fazia bem. "Isto foi das melhores coisas que aconteceu", revela ao DN.Diariamente, Edgar tira parte do seu dia para, entre outras atividades, trabalhar na horta que está a florescer numa área exterior desta ala hospitalar, que é dedicada ao cuidado de pessoas sentenciadas pela Justiça, mas que não podem, por razões psiquícas, cumprir pena de modo convencional."Gosto de ver-me entretido e acordo bem disposto. Ainda fico mais bem disposto depois do trabalho feito. Encarregaram-me de fazer a rega dali dos canteiros", diz Edgar, claramente orgulhoso pelo que tem ajudado a construir..Inaugurada esta segunda-feira, 16 de junho, numa cerimónia com a presença da ministra da Justiça e outras autoridades, a horta no Hospital Julio de Matos é um projeto desenvolvido e implementado pela Upfarming, uma organização portuguesa sem fins lucrativos que cria soluções agrícolas sustentáveis em ambientes urbanos, com enfoque em projetos de impacto social.A horta é composta por torres modulares em que há espaços individuais para cada planta crescer. Cada torre pode chegar a uma altura de até quase três metros e gerar de quatro a nove quilos de vegetais por colheita. Na base de cada torre há uma fonte de energia que é encarregada de manter o funcionamento deste sistema de cultivo aeropónico, cuja técnica de produção acontece sem terra, sendo as plantas alimentadas por uma solução mineral composta por água misturada com nutrientes naturais."O bom desta tecnologia é que, com pouca mão de obra, consegue uma enorme produtividade e uma enorme gratificação. Portanto, no fundo, estes utentes acompanham desde o lançar a semente, a plantar a torre e a colheita da torre, tudo acontece de forma relativamente fácil e muito satisfatória", explica ao DN a co-fundadora Margarida Villas-Boas..Este é terceiro projeto desenvolvido pela Upfarming em contextos de reabilitação de pessoas. A primeira horta vertical implementada pela associação foi no estabelecimento prisional de Torres Novas, a segunda foi no de Leiria, destinado a jovens reclusos, e já conseguiram o financiamento para, em breve, iniciar o trabalho numa prisão feminina."Temos priorizado os segmentos mais vulneráveis da população urbana. Temos-nos focado, essencialmente, em escolas públicas, em estabelecimentos prisionais, que muitas vezes são populações mais esquecidas e com mais necessidade de reabilitação", diz Margarida Villas-Boas."Acho que é visível a motivação para a participação por parte de todos os utentes. Mesmo aqueles que, por vezes, possam até nem participar, vai acabar por existir a vontade de participar porque vê o outro também a fazê-lo. Acho que está muito bom, fiquei mesmo muito contente", conta ao DN Sérgio Martins, terapeuta ocupacional da unidade e quem, bem antes, teve a visão de que o local poderia abrigar uma horta..Uma vez por semana, um técnico da Upfarming vai ao local para ver como está a correr a horta e plenear a semana seguinte. As responsabilidades dos utentes passam por todas as etapas, desde a sementeira, tratar dos canteiros, observar possíveis pragas nos vegetais, conferir se as torres estão a trabalhar."Estas torres são autónomas, temos de cuidar em ver se está a funcionar. Já tiverem de arranjar uma que não estava a regar. Temos de ver se há fungos, há pragas", diz Sérgio Alves, utente há um ano e meio."Nós ficámos entusiasmados porque aqui tínhamos poucas atividades, ficámos todos entusiasmados porque ia ser uma coisa diferente e nunca tínhamos ouvido falar em horta vertical, é uma coisa que não é comum", conta ao DN Xavier Damásio, utente há dois anos.O projeto não se desenvolve apenas com a implantação da horta vertical. No Hospital Julio de Matos, os canteiros já existentes na área externa foram reabilitados para permacultura, foram instalados compostores de alimentos, vão ser criados ninhos agoflorestais e os utentes também participam em ações de formação profissionais e de competênciais sociais. Além disso, toda a colheita vai ser destinada, tal como já feito nos dois estabelecimentos prisionais, a partilha com familiares e outras associações..De um para 50. Acelerador de restaurantes sutentáveis quer elevar número de selos Food Made Good no país.João Maria Botelho, o jovem que se senta à mesa em defesa da sustentabilidade