MP quer acusar ex-diretor de Fronteiras de Lisboa, inspetores chefes e quatro seguranças acusados

Depois da condenação de três inspetores do SEF pela morte do cidadão ucraniano, agora o MP quer constituir arguidos Sérgio Henriques, o diretor que lhes deu a ordem para irem "acalmar" Ihor, os dois chefes diretos dos condenados e quatro seguranças. Um processo "aos soluços" que já mereceu críticas por isso.

É o segundo ato do caso de Ihor Homeniuk. O Ministério Público (MP) quer agora proceder criminalmente contra Sérgio Henriques, que era diretor de Fronteiras de Lisboa quando a 12 de março de 2020 Ihor morreu no aeroporto da capital, o inspetor coordenador João Agostinho e o inspetor chefe João Diogo, superiores hierárquicos diretos dos três inspetores do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras condenados em maio pela morte de Ihor Homeniuk, e ainda contra quatro funcionários da empresa de segurança privada Prestibel - Manuel Correia, Paulo Marcelo, Jorge Pimenta e Rui Rebelo.

Num requerimento datado de 15 de julho e ao qual o DN teve acesso, a procuradora Maria Leonor Machado, que representou o MP no julgamento dos três inspetores acusados do homicídio qualificado de Ihor Homeniuk (e condenados por ofensas à integridade física graves, qualificadas e agravadas pelo resultado morte), pede ao tribunal que extraia certidão do acórdão para que seja instaurado processo criminal contra os sete citados. Tal deve ocorrer no âmbito de um processo que está já a correr - e que resultou da cisão, por decisão do procurador Óscar Ferreira, que fez a acusação a Duarte Laja, Luís Silva e Bruno Sousa (os três inspetores condenados) do processo principal em dois. O segundo deveria ter como objeto, de acordo com o fora dito pelo MP, falsificação de documentos na tentativa de encobrimento do crime por parte do SEF - mas é claro que não é só isso, ou não será mesmo de todo isso, que está em causa.

Em causa estão então para já os crimes de omissão de auxílio - no caso tanto dos inspetores como dos seguranças - e de ofensas à integridade física graves qualificadas quanto aos seguranças Paulo Marcelo e Manuel Correia, que admitiram, quer na fase de inquérito quer ao depor em tribunal, terem, na noite de 11 para 12 de março, manietado Ihor com fita adesiva. A qualificação deste crime, com pena máxima prevista de quatro anos, advém, segundo o requerimento do MP, do facto de as ofensas à integridade física terem sido produzidas em circunstâncias que revelam "especial censurabilidade ou perversidade".

Quanto à omissão de auxílio, crime previsto no artigo 200º do Código Penal, tem pena até um ano e trata-se da não ação de "quem, em caso de grave necessidade, nomeadamente provocada por desastre, acidente, calamidade pública ou situação de perigo comum, que ponha em perigo a vida, a integridade física ou a liberdade de outra pessoa" deixar de lhe prestar o auxílio "necessário ao afastamento do perigo, seja por ação pessoal, seja promovendo o socorro."

A pena aumenta para o dobro se quem não auxilia tiver causado a situação referida - mas não parece ser intenção do MP imputar essa forma do crime aos três superiores hierárquicos que enviaram os inspetores condenados ao encontro de Ihor para o "acalmar" e que depois, informados de que este fora algemado, não se interessaram em saber se fora entretanto desalgemado ou se estava bem, nunca tendo dado ordens para que alguém fosse desalgemá-lo. Recorde-se que, de acordo com o relatório da autópsia, o facto de Ihor ter estado algemado de mãos atrás das costas e deitado no chão mais de oito horas terá sido uma das causas da sua morte por asfixia.

A "malandrice" do MP

Durante o julgamento, quer o ex-diretor, que foi demitido do cargo a 30 de março de 2020, quando se soube publicamente do óbito de Ihor e das suspeitas que recaíam sobre os três inspetores ora condenados, quer o inspetor coordenador João Agostinho e o inspetor chefe João Diogo tentaram passar as culpas uns para os outros.

Sérgio Henriques chegou mesmo a dizer no seu depoimento perante o tribunal que "não é suposto deixar alguém algemado oito horas". E remeteu o cuidado com o desalgemamento para os seus inferiores hierárquicos: "Quem algema tem de ir lá ver o que se está a passar. Mas se comunicar superiormente que algemou, a partir do momento em que isso é comunicado a pessoa a quem comunicam tem de mandar alguém acompanhar, e quem algemou só volta lá se tiver ordem para isso."

Henriques, como Agostinho e Diogo, é um dos treze funcionários do SEF sujeitos a procedimento disciplinar pela Inspeção Geral da Administração Interna na sequência da investigação que esta entidade fiscalizadora das polícias fez do caso Ihor. Não são ainda conhecidos os resultados destes processos disciplinares.

A possibilidade de virem a existir mais acusados no caso desta morte sob custódia do SEF há muito era aventada, nomeadamente por, durante o julgamento de Duarte Laja, Luís Silva e Bruno Sousa, algumas testemunhas terem evidenciado a comissão de crimes.

Foi também debatida esta estratégia do MP, que parece ter passado por numa primeira fase usar como testemunhas, no fito de obter a condenação dos três inspetores, algumas pessoas que se evidenciara terem cometido crimes - caso dos dois seguranças que manietaram Ihor - para as acusar a seguir. O MP terá sopesado o risco de não ter testemunhas de acusação se acusasse toda a gente e decidido apostar em que as testemunhas se auto-incriminassem de modo a poder acusá-las em resultado disso, dividindo o processo em momentos diferentes. Uma estratégia que um procurador caracterizou, em declarações ao DN, como "malandrice policial".

De facto, apesar de o procurador Óscar Ferreira ter escrito, no texto da acusação exarada em setembro de 2020 contra os três inspetores, que dois dos seguranças tinham ilegitimamente manietado Ihor, optou por não lhes imputar qualquer crime. E chegou mesmo a justificar a inação dos funcionários da Prestibel com um alegado "temor reverencial" que estes sentiriam face aos inspetores do SEF, e que os teria impedido de auxiliar o detido e denunciar os factos (as agressões de que se teriam apercebido).

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