MP abre inquérito a declarações de André Ventura sobre família do Bairro da Jamaica
"Como cidadã, não posso deixar de me indignar com a mensagem injusta proferida pelo senhor deputado André Ventura, candidato ao cargo de Presidente da República Portuguesa, no âmbito de um debate televisivo, referindo o atual PR como tendo visitado "a bandidagem" do Bairro da Jamaica. A fotografia em causa (...) mostra cidadãos residentes no bairro da Jamaica que se deixaram fotografar de forma pacífica junto do PR, tendo a generalização de "bandidagem" sido feita a todos os habitantes do Bairro da Jamaica. Até quando vamos permitir que um cidadão com responsabilidades de representação democrática na Assembleia da República diga o que quer sem que isso tenha consequências sérias. O facto de ter sido eleito democraticamente e as suas posições xenófobas e racistas terem a aceitação do seu eleitorado, estas não deixam de ser crime."
Esta queixa, datada de 11 de janeiro, cinco dias após o debate televisivo a que faz referência, e partilhada pela autora no Twitter, é uma das que a Comissão para a Igualdade e Contra a Discriminação (CICDR) recebeu, denunciando as afirmações de André Ventura sobre uma família negra do Bairro da Jamaica no referido debate. A Comissão remeteu a participação para o MP, que através da Procuradoria-Geral da República confirmou ao DN ter "instaurado um inquérito, o qual se encontra em investigação no Departamento de Investigação e Ação Penal de Lisboa".
Em causa nesta averiguação criminal estão precisamente os mesmos factos que levaram à condenação de Ventura e do partido Chega numa ação cível, em maio, pelo Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa. A decisão (que está em recurso), reconhece "a ilicitude das ofensas ao direito à honra e ao direito à imagem" da família Coxi e obriga os réus a apresentarem publicamente um pedido de desculpas e absterem-se "de proferir ou divulgar, no futuro, declarações ou publicações, escritas ou orais, ofensivas ao bom nome" dos ofendidos, sob pena de pagarem 5000 euros por cada ofensa.
As ofensas ao direito à honra e ao direito à imagem aludidas ocorreram, considerou o tribunal, quando o líder e único deputado do Chega exibiu no debate uma fotografia de Marcelo com sete pessoas negras, uma das quais uma criança de três anos, afirmando: "Esta fotografia mostra tudo o que a minha direita não é. Nesta fotografia, o candidato Marcelo Rebelo de Sousa juntou-se com bandidos, um deles é um bandido verdadeiramente. (...) Porque esta fotografia que está aqui, (...) não foi tirada depois na esquadra de polícia, foi tirada só, entre aspas e vão-me desculpar a linguagem, à bandidagem. E, portanto, talvez seja aqui uma diferença entre nós: eu não tenho medo de ser politicamente incorreto, de lhes chamar os nomes que têm de ser chamados e dizer o que tem de ser dito. (...). Eu nunca vou ser presidente dos traficantes de droga, nunca vou ser presidente dos pedófilos, nunca vou ser presidente dos que vivem à conta do Estado, com esquemas de sobrevivência paralelos, enquanto os portugueses de bem pagam os seus impostos, todos os dias a levantar-se de manhã à tarde para os pagar e o que fez aqui não tem nenhuma justificação... (...) Muitos destes indivíduos vieram para Portugal para beneficiar única e exclusivamente daquilo que é o Estado Social."
Para a autora da participação citada à CICDR, estas declarações consubstanciam o crime de "Discriminação e incitamento ao ódio e à violência", previsto no artigo 240º do Código Penal, no seu número 2, alínea b: "Quem, publicamente, por qualquer meio destinado à divulgação, nomeadamente através da apologia, negação ou banalização grosseira de crimes de genocídio, guerra ou contra a humanidade, (...) difamar ou injuriar pessoa ou grupo de pessoas por causa da sua raça, cor, origem étnica ou nacional, ascendência, religião, sexo, orientação sexual, identidade de género ou deficiência física ou psíquica". O crime é punido com pena de prisão de seis meses a cinco anos.