O bastonário da Ordem dos Médicos, Carlos Cortes, mostra grande preocupação pelos óbitos associados ao calor excessivo e entende não se estar a fazer o devido no âmbito da prevenção. “O plano de verão devia ter sido criado em janeiro e não existe, bem como o plano de contingência, que deveria ter sido conhecido em abril. São essenciais para a prevenção dos óbitos associados ao calor excessivo e, todos os anos, isso nunca é feito”, afirma. .Carlos Cortes adianta que é da responsabilidade da Direção Geral de Saúde (DGS) a elaboração dos planos “necessários para que as Unidades Locais de Saúde (ULS) possam elaborar os seus próprios planos de atuação. “Uma ULS de Castelo Branco tem de ter um plano diferente de uma da zona do Algarve. Cada ULS tem de adaptar a estratégia do Governo à sua realidade”, sublinha..Para o responsável, “faltam medidas de prevenção e campanhas de informação à população”. “A sensação de sede perde-se com a idade e as pessoas mais velhas têm de se obrigar a beber em alturas de maior calor”, adianta, a título de exemplo, uma das informações que deveria ser divulgada em alturas de maior calor. “Deve haver campanhas, temos de trabalhar na prevenção e, nesta altura do ano, é absolutamente essencial”..O bastonário da Ordem dos Médicos destaca o aumento das ondas de calor “de ano para ano, com um período de verão cada vez mais alargado”. “Os grupos mais vulneráveis, como as crianças, os idosos e as pessoas com patologias crónicas que podem descompensar, devem implementar algumas medidas e falta literacia nesse âmbito. Falta informação e um conjunto de medidas para os grupos mais fragilizados. Deve haver uma resposta na questão da literacia em saúde e a Ordem dos Médicos não tem visto isso neste verão. As campanhas deviam ter sido mais intensificadas”, alerta. .Neste verão, diz, os hospitais vão debater-se com mais utentes com patologias em consequência do calor. “Os hospitais devem estar mais bem preparados e trabalhar em rede, nomeadamente no Litoral e no Sul, onde há mais concentração de pessoas, mas não devemos esquecer as zonas rurais mais isoladas onde há mais pessoas idosas”, explica. .Carlos Cortes adianta ainda que Portugal está a mudar, pois “o facto de estar cada vez mais calor altera o ecossistema onde vivemos, havendo doenças que eram próprias de África que começam a estar presentes no Sul da Europa. As doenças que temos não são as mesmas porque vírus e bactérias que têm um ambiente mais quente e desenvolvem-se de forma diferente, em comparação com a forma como o fazem num clima temperado”, justifica..Luís Cadinha, médico de Saúde Pública, alerta para a presença de mosquitos portadores de doenças como Zika ou Dengue, que “até há pouco tempo tinham chegado apenas a uma ponta do Algarve e se têm alastrado a toda a zona e já foram detetados em Lisboa”. “O que acontece com a mudança do perfil meteorológico no nosso país é que fez com que regressassem mosquitos portadores de algumas doenças. Embora o mosquito apenas transmita doenças quando infetado, temos uma população nova em Portugal. Esta mudança de temperatura faz do nosso país um habitat mais propício aos mosquitos”, explica. .Luís Cadinha alerta ainda para as doenças transmitidas pelas carraças, cuja presença também se alargou. “As carraças mantêm-se ativas mais tempo e já não é só no verão - e essas sim são portadores de doenças que nos afetam. Começam mais cedo e param de estar ativas mais tarde. Antigamente estavam ativas entre maio e setembro e agora já começam em março e permanecem até novembro”, alerta..O médico de Saúde Pública aponta uma maior ocorrência de fenómenos de calor desde o início do verão, comparativamente com anos anteriores. “Têm ocorrido mais e com maior frequência”, refere. Segundo Luís Cadinha, entre os anos de 2000 e de 2005, “em cinco anos foram registados dois ou três eventos e só no ano passado tivemos três”..Portugal está no top 20 dos países mais afetados pelo excesso de mortalidade devido às ondas de calor, de acordo com um estudo publicado na revista ‘PLOs Medicine’, publicado em maio, com uma média de mais de 600 mortes por ano, entre 1990 e 2019..Carlos Cadinha diz estar a ser feito “o que é possível”, mas carecem medidas de fundo. Estas, diz, devem passar por grandes mudanças na política de habitação. “O código de habitação devia incluir medidas de proteção térmica. É necessário considerar a proteção do calor e do frio como essenciais na construção e isso poderia deixar-nos preparados para sermos mais resistentes às alterações climáticas”, conclui..Questionada pelo Diário de Notícias para obtenção do número de óbitos associados ao calor, a DGS refere que “a codificação das causas de morte de 2023 ainda se encontra a decorrer, estando a conclusão da mesma prevista até ao final do ano, para posterior validação conjunta com o INE, a quem compete a divulgação pública das mesmas, como habitualmente”. “No ano 2022, em Portugal, a causa de morte foi codificada como ‘devido a exposição a calor natural excessivo’ em 10 óbitos, dos quais 2 óbitos prematuros (< 70 anos)”, refere.