Ministério Público abre inquérito-crime contra João Barbosa, aliás “Numeiro”
“Muito obrigada pelo contacto com o Gabinete Cibercrime da Procuradoria-Geral da República, do qual tomámos boa nota. Resultando da mensagem que remeteu que pretende apresentar uma queixa criminal, a mesma foi enviada ao DIAP [Departamento de Investigação e Ação Penal] de Lisboa, bem como um conjunto muito significativo de outras mensagens que reportam factos da mesma natureza. Mais informamos que as participações em apreço foram objeto de instauração de inquérito com o NUIPC 3957/25.5T9LSB, da 4ª. Secção do DIAP de Lisboa.”
Foi com esta resposta, enviada por email, que o gabinete de Cibercrime da Procuradoria-Geral da República respondeu, na manhã desta quinta-feira, a quem lhe fez chegar, igualmente por email, uma queixa-crime “tipo”, partilhada por centenas de pessoas contra João Barbosa, aliás Numeiro (denominação que aquele indivíduo adotou nas redes sociais).
Em causa no inquérito está, como se lê na mencionada “queixa-crime tipo”, à qual o DN teve, como à resposta da PGR, acesso, uma publicação efetuada a 31 de maio pelas 2H08 na conta da rede social X @Numeiro, considerada pelos subscritores da participação criminal como “manifestamente atentatória da dignidade das mulheres” e “passível de constituir a prática de crime, entre outros, o crime previsto no artigo 240 nº 2 alíneas b) e d) do Código Penal”. Isto porque, prossegue a queixa, “parece indiscutível que o teor desta publicação difama e injuria publicamente outras pessoas por causa do seu sexo e incita à discriminação, ao ódio contra tais pessoas com base no mesmo critério (sexo)”.
A publicação em causa, entretanto retirada pela rede social, é reproduzida na queixa. Nela, o autor, a propósito da interrupção da gravidez e usando linguagem obscena e ofensiva, insulta as mulheres em geral, acusando-as de serem “só umas [palavrão] que querem levar na [palavrão] sem consequência”.
As alíneas do tipo criminal descrito no artigo 240º do Código Penal (“Discriminação e incitamento ao ódio e à violência”) referidas na queixa-tipo dizem respeito a “quem, publicamente, por qualquer meio destinado a divulgação (…), difamar ou injuriar pessoa ou grupo de pessoas por causa da sua raça, cor, origem étnica ou nacional, ascendência, religião, sexo, orientação sexual, identidade de género ou deficiência física ou psíquica” (alínea b), e/ou “incitar à violência ou ao ódio contra pessoa ou grupo de pessoas por causa da sua raça, cor, origem étnica ou nacional, ascendência, religião, sexo, orientação sexual, identidade de género ou deficiência física ou psíquica” (alínea d).
A pena prevista para os atos descritos nestas disposições é prisão de seis meses a cinco anos.
CIG também apresentou queixa
Também a Comissão para a Cidadania e Igualdade de Género apresentou, como noticiado esta quinta-feira, participação criminal à PGR pela publicação referida.
Em comunicação publicada no seu site esta quarta-feira, a CIG refere ter recebido “mais de uma centena de denúncias de cidadãs e cidadãos indignados” e ter apresentado queixa ao Ministério Público e “a outras entidades competentes”, “por factos que podem eventualmente configurar discurso de ódio e eventualmente incitamento ao ódio contra as mulheres, no sentido de apurar eventuais responsabilidades legais”.
Este organismo criado para zelar pela igualdade de género, e que depende do Governo, não refere o autor das declarações pelo nome, referindo-o como “um criador de conteúdos digitais” cujas declarações “desrespeitam gravemente os direitos das mulheres e espalham desinformação sobre o aborto”.
Pena efetiva para Mário Machado por crime cometido no Twitter/X
Recorde-se que o militante nazi Mário Machado, possuidor de um longo cadastro criminal, se encontra a cumprir mais uma pena de prisão efetiva, esta de dois anos e 10 meses por, igualmente no antigo Twitter, agora X, ter apelado à “prostituição forçada” de “mulheres de esquerda”. Apelo que o Tribunal da Relação de Lisboa considerou, em acórdão de 5 de dezembro de 2024, constituir crime de discriminação e incitamento ao ódio.
Em causa, no que respeita a Mário Machado, assim como a quem com ele “conversava” no Twitter — Ricardo Pais, condenado a um ano e oito meses de prisão, pena suspensa por dois anos sob condição de ser sujeito a um “plano de reinserção social” — esteve precisamente a alínea b do número 2 do artigo 240º do Código Penal.
“Quem publica nas respetivas contas da rede social Twitter comentários a dizer ‘Prostituição forçada das gajas do Bloco’ e depois ainda responde ‘Tudo, tipo arrastão’ ao comentário ‘Concordo. Incluam as do PCP, MRRP, MAS e PS’, não o faz sem seriedade, como mero exercício de humor, mas sim com intuitos de ofender na honra e consideração”, lê-se no resumo do acórdão em causa. O qual prossegue, explicando a aplicação do tipo criminal: “Comete o crime de discriminação e incitamento ao ódio e à violência previsto e punido pelo artº 240º, nº 2, al. b), do Código Penal, quem dirige tais expressões a mulheres que perfilham ideias de esquerda e não apenas a uma qualquer pessoa individual integradora desse mesmo grupo. Ao publicar os referidos comentários, o arguido não se dirigiu a todos os simpatizantes/militantes/ ativistas de esquerda (onde se incluem também pessoas do sexo masculino), mas apenas a quem, de entre eles, é do sexo feminino. Para a lei basta que o alvo seja um grupo de mulheres, no caso aquelas que, em Portugal, defendem ideologias de esquerda e /ou são militantes / ativistas dessa tendência.”
João Barbosa, ou Numeiro, de 27 anos, tem 158 600 seguidores no Twitter/X, 751 mil no Instagram e mais de três centenas de milhar no TikTok. Em dezembro de 2023, foi alvo de uma queixa da Associação Portuguesa de Apostas e Jogos Online (APAJO), a qual o acusa de promover sites de apostas ilegais.
No início da campanha para as eleições legislativas, publicou no Instagram uma fotografia em pé num descapotável ostentando um logotipo do partido Chega.
Em reação às notícias sobre a participação criminal da CIG, escreveu no X: “A partir de hoje identifico-me como mulher, já não me podem processar por discurso de ódio contra as mulheres.” Naturalmente, a comissão do crime que lhe é imputado pelas queixas entradas na PGR não depende do sexo, ou género, do autor, mas, como explica o acórdão do Tribunal da Relação citado, da natureza das declarações e dos seus alvos/vítimas.