Uma notícia de 23 de julho deste ano colocou muitos imigrantes em alerta: três estrangeiros foram detidos pela Guarda Nacional Republicana (GNR) numa operação de fiscalização em Beja, no Alentejo. Os cidadãos estavam em Portugal sem ter feito a declaração de entrada, obrigatória quando a chegada ao país acontece por via terrestre. A ação foi uma das várias realizadas desde o início de junho, mês em que o Governo acabou com as manifestações de interesse, mecanismo que permitia a regularização de estrangeiros sem visto de entrada em Portugal. Segundo dados obtidos pelo DN junto de fonte oficial da GNR, quase 7 mil cidadãos estrangeiros foram fiscalizados na via terrestre, do início de junho até 16 de agosto, mais precisamente 6995. A média é de 92 cidadãos abordados por dia nas ações de fiscalização. Destes, 15 estavam sem situação irregular ou ilegal, de acordo com a mesma fonte oficial. Em junho e julho foram sete identificações em cada mês e, até 16 de agosto, um imigrante foi encontrado na mesma situação. Os números equivalem a 0,21% do total de cidadãos abordados, ou seja, menos de 1% dos abordados. Entende-se por situação ilegal ou irregular aqueles que estão no país sem regularização há mais de 90 dias - ou 180 dias, caso tenham solicitado a prorrogação de permanência junto à Agência de Integração, Migrações e Asilo (AIMA), algo difícil perante a falta de disponibilização de vagas para esse serviço e outros. As ações da GNR foram realizadas em todo o território nacional, com destaque para o sul do país, no Alentejo, onde há uma grande concentração de trabalhadores estrangeiros na produção agrícola, especialmente vindos da Ásia e Médio Oriente. Não é possível fazer uma comparação fiel com o período homólogo: as ações de fiscalização da altura não estavam ligadas à alteração na Lei dos Estrangeiros. A GNR já havia confirmado ao DN que a intensificação das ações terrestres deriva das recentes alterações à lei, em que o Governo anunciou medidas para pôr um fim à chamada imigração irregular. Antes da extinção, a 29 de outubro de 2023, este tipo de ações era executada pelo Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), o que também torna impossível a comparação, uma vez que atualmente a fiscalização está a cargo da GNR e da PSP..506 cidadãos sem declaração de entrada.Número maior é o de estrangeiros que não efetuaram a declaração de entrada no país e foram apanhados pelos agentes durante as abordagens. A GNR identificou 506 cidadãos nesta situação no mesmo período. No mês de junho, o número de registos foi mais alto, com 253 casos, seguido de 190 em julho e 63 nos primeiros 16 dias de agosto. Assim como no caso citado anteriormente, não é possível fazer uma comparação exata com o mesmo período do ano passado, uma vez que as operações de fiscalização não eram iguais nem realizadas pelos mesmos serviços. Estes mais de 500 cidadãos entraram no país por uma fronteira não controlada: a terrestre ou em voo doméstico, onde, por norma, não há controlo de passageiros. Quando a chegada acontece num local onde exista controlo de autoridades, a declaração é dispensada. A mesma dispensa ocorre quando o cidadão se instala numa unidade hoteleira do país. Neste caso, a responsabilidade de declaração é de quem é proprietário do estabelecimento e não do hóspede estrangeiro. Caso o cidadão não se hospede na rede hoteleira, a declaração é obrigatória e deve ser realizada na GNR ou numa unidade da Polícia de Segurança Pública (PSP). O incumprimento da lei tem como consequência uma coima, que varia entre 60 euros e 160 euros. Já a PSP identificou 20 cidadãos em “situações” diversas, entre os 766 estrangeiros que fiscalizou em julho e agosto deste ano, de acordo com dados obtidos pelo DN junto de fonte oficial desta força de segurança. A PSP também tem o planeamento finalizado para a criação da Unidade de Estrangeiros e Fronteiras (UEF), que contará com 1600 polícias. Além da atuação nos aeroportos e na execução dos processos de retorno, a UEF terá unidades espalhadas pelo território. “A dimensão estrutural contará com unidades regionais de controlo de estrangeiros em diferentes pontos espalhados pelo país”, segundo documento ao qual o DN teve acesso. Para que a UEF possa iniciar as atividades são necessárias alterações legislativas, regulamentações e portarias e ainda não há previsão para que isto aconteça. .Mudança de procedimentos .Estas ações fazem parte do Plano para as Migrações, apresentado pelo Governo a 3 de junho, cerca de três meses após o executivo de Luís Montenegro iniciar funções. Até 90 dias no país, o cidadão é um turista e possui esse prazo máximo para ficar no território. Ao contrário do que ocorria até 3 de junho deste ano, este período não poderá ser usado para obter um título de residência em Portugal, como muitos faziam. A manifestação de interesse foi o principal mecanismo de regularização de estrangeiros nos últimos anos. A estimativa é de que um milhão de pessoas tenha utilizado o procedimento, de acordo com o relatório Gestão das Migrações em Portugal, criado pela Associação Para Memória Futura SEF (APMFSEF) e lançado em julho deste ano. A mesma associação elogiou o fim das manifestações de interesse. “A revogação recente pelo PSD acaba com uma política migratória de ‘venham agora que depois logo se vê’, que agravou o tráfico humano, a exploração laboral e fragilidade económica e que gerou uma pressão inimaginável em estruturas de recursos frágeis, como são as da Administração Pública portuguesa”, aponta o relatório. Desde a mudança, sem contar os casos excecionais previstos na lei, não é mais possível obter uma regularização sem visto prévio. O mesmo plano, com 41 medidas, prevê a fiscalização em território nacional de forma especializada. “Criar uma equipa multi-forças de fiscalização para combater abusos (tráfico de seres humanos, imigração ilegal, exploração laboral e violação de direitos humanos)” é um dos objetivos. A GNR confirmou ao DN que vai continuar com as operações que visam fiscalizar cidadãos estrangeiros para prevenir a imigração irregular, uma das principais metas do atual Governo nesta matéria, mas também por questões de segurança do país. “A Guarda Nacional Republicana (GNR) continuará a intensificar a sua ação no âmbito do controlo de estrangeiros, nomeadamente nas fronteiras e na fiscalização territorial na sua área de jurisdição, para combater e prevenir fenómenos associados à imigração ilegal e contribuir para a segurança interna”, afirma a GNR ao DN. A mesma força também sublinha que pode efetuar prisões em flagrante: “A Guarda Nacional Republicana pode proceder à detenção de cidadãos estrangeiros em flagrante delito nas fronteiras, caso os mesmos entrem indocumentados em território nacional ou não tenham cumprido eventual notificação de abandono voluntário de território nacional, no prazo determinado, e não tenham regularizada a sua situação. Nestes casos, o detido permanece à guarda da entidade policial até ser presente a primeiro interrogatório judicial.” Com o fim do SEF, que era responsável por executar o acompanhamento dos abandonos voluntários, a função passou para a AIMA. No entanto, o atual Governo determinou que a UEF - da PSP - assumirá o serviço, quando estiver em funcionamento. amanda.lima@dn.pt