Manuel Pinho e Ricardo Salgado condenados.
Manuel Pinho e Ricardo Salgado condenados.Rodrigo Cabrita

Manuel Pinho condenado a 10 anos de prisão e Ricardo Salgado a seis anos e três meses. Defesas vão recorrer

Magistrada afirmou que “Manuel Pinho atuou sempre na persecução dos interesses de Ricardo Salgado e não dos interesses públicos”, dando como provado um "pacto corruptivo" entre os dois.  
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O ex-ministro da Economia, Manuel Pinho, foi condenado esta quinta-feira a 10 anos de prisão efetiva pelos crime de corrupção, fraude fiscal e branqueamento, no âmbito do julgamento do caso EDP. Já o antigo presidente do Banco Espírito Santo (BES), Ricardo Salgado, foi condenado a seis anos e três meses de prisão pelos crimes de corrupção e branqueamento. O coletivo de juízes presidido pela magistrada Ana Paula Rosa, do Juízo Central Criminal de Lisboa, condenou ainda  Alexandra Pinho, mulher do ex-ministro, a uma pena de quatro anos e oito meses, suspensa na execução.  

As defesas de Manuel Pinho e Ricardo Salgado já anunciaram que vão recorrer da decisão do tribunal. 

A juíza considerou que "foi celebrado um pacto corruptivo” entre Ricardo Salgado e Manuel Pinho, dando como provado que o ex-ministro e a mulher, Alexandra Pinho, receberam ilegalmente quase cinco milhões de euros (4 milhões e 943 mil euros), segundo a SIC Notícias.

“Quando foi escolhido para ocupar o cargo de ministro, Ricardo Salgado prometeu-lhe [a Manuel Pinho] para beneficiar indevidamente, de forma direta e indireta, os interesses do BES e GES", de "estar sempre disponivel para receber 15 mil euros por mês", disse a juíza, de acordo com o canal de notícias.

Numa leitura resumida do acórdão de cerca de 700 páginas, a juíza-presidente referiu que foram dados como provados 1.030 factos, indicando que “Manuel Pinho atuou sempre na persecução dos interesses de Ricardo Salgado e não dos interesses públicos”.  "Mercadejou com um cargo público violando a lei (…) e mercadejou com o cargo, pondo em causa a confianca do cidadão no Governo", afirmou a juíza, realçando que Ricardo Salgado e Manuel Pinho “sabiam que lesavam a imagem da República" com as suas condutas.

Ana Paula Rosa considerou também “inverosímeis, incoerentes e ilógicas” as declarações de Manuel Pinho em tribunal para explicar as situações que lhe eram imputadas pela acusação do Ministério Público (MP).

“Estas justificações aparecem-nos completamente ilógicas, apenas enquadráveis numa realidade virtual, sem correspondência com a realidade da vida. Analisando as declarações e a prova produzida, o arguido procurou normalizar e branquear as verbas recebidas”, frisou, resumindo que "a atuação do arguido nos cargos e a criação de estruturas financeiras provam a existência de pacto corruptivo entre Manuel Pinho e Ricardo Salgado”.

À saída do tribunal, Manuel Pinho começou por agradecer a todas as pessoas que o apoiaram. "Tenho muita sorte nos apoios que recebi, melhor, nos apoios que recebemos, porque a minha mulher foi envolvida na situação", afirmou. "Foi condenada por ser casada comigo", disse o ex-ministro.

"Nós vamos recorrer porque a sentença não tem nada a ver com o que passou no tribunal", assegurou.

Para o ex-ministro, "a decisão do tribunal tem uma razão, foi evitar um terramoto na justiça".

"Não tem a ver tanto com o meu julgamento, tem a ver com a necessidade de evitar um terramoto na justiça, porque estou a ser investigado há 12 anos, estou em prisão domiciliária há dois anos e meio, há outras pessoas que também estão a ser investigadas há 12 anos, e se não saísse daqui uma condenação...", declarou Manuel Pinho.

"Inauguramos aqui uma nova situação, que é o seguinte: os juízes tomarem uma decisão ignorando o que as testemunhas disseram", afirmou, referindo que foram chamadas 120 testemunhas e que "não houve uma que apoiasse a tese da acusação". Considerou que o tribunal tomou uma decisão "com base em convicções". "Tinham a necessidade de arranjar uma condenação e ignoraram o que as testemunhas disseram", acrescentou. "É uma decisão virtual", classificou.

"Tenho total consciência de que não cometi nenhum crime", frisou Manuel Pinho.

O ex-governante considerou que este foi "julgamento baseado na imaginação", em que foi "ignorada a prova testemunhal". 

Ricardo Sá Fernandes, advogado de Manuel Pinho, afirmou depois que "já interpôs recurso". "Uma pena de 10 anos de prisão efetiva é uma pena muito pesada e , obviamente, que merece da nossa parte uma contestação muito severa", declarou.

Para o advogado, "o tribunal reportou-se a uma realidade virtual", indicando que a decisão teve como base "presunções", que "resultam do preconceito com que abordou este assunto".

"Esta sentença tem coisas positivas, é que ela é tão má, está tão mal construída que eu julgo que facilita o nosso trabalho no recurso para a relação", considerou Sá Fernandes. 

Considerando que "o jogo da justiça é um jogo de totoloto", o advogado afirmou: "estou confiante que podemos dar a volta a este resultado". 

Disse ter a convicção de que Manuel Pinho "deverá ser absolvido". "Este é um mau resultado, mas é ao intervalo e, às vezes, os resultados intervalo revertem-se na segunda parte", afirmou. 

"Eu sei que ele não foi corrupto. Sei que a prova produzida em audiência de julgamento não alicerça a decisão do tribunal, que reporta-se a uma realidade virtual, assente em presunções", reiterou.

Sá Fernandes falou numa "decisão exemplarmente má", porque "está mal fundada".

Francisco Proença de Carvalho, advogado de Ricardo Salgado, também fez saber que "obviamente" vai recorrer da decisão que condena o ex-presidente do BES a seis anos e três meses de prisão. 

O advogado afirmou que a decisão do tribunal é “duplamente injusta” e que a condenação "não respeita os direitos humanos”, fazendo referência ao diagnóstico de Alzheimer de Ricardo Salgado. "A pessoa de há 10 anos já não existe", disse aos jornalitas. 

Decisão é "injusta porque desconsidera tudo o que se passou ao longo de meses neste tribunal, desconsidera a prova", considerou. Francisco Proença de Carvalo disse ainda que é uma decisão "injusta porque, no fundo, está a punir alguém que já não existe".

"Alguém que tem esta doença e que vai fazer 80 anos daqui a três semanas, que não tem a mais pequena autonomia, que tem os seus poderes cognitivos completamente afetados, obviamente não pode cumprir pena. A lei diz expressamente que a pena tem de ser suspensa. Não quero acreditar que seja só por se chamar Ricardo Espirito Santo Silva Salgado que essa pessoa terá um direito diferente dos restantes cidadãos", sublinhou o advogado, assegurando que a "defesa irá até às últimas possibilidades de recurso".

A leitura do acórdão pelo coletivo de juízes presidido pela magistrada Ana Paula Rosa, no Juízo Central Criminal de Lisboa, coloca um ponto final no julgamento que começou em outubro de 2023 e pelo qual passaram cerca de uma centena de testemunhas, entre as quais os antigos primeiros-ministros Pedro Passos Coelho, José Sócrates e Durão Barroso.

Nas alegações finais, o Ministério Público (MP) pediu uma pena não inferior a nove anos de prisão para Manuel Pinho. Já para Ricardo Salgado foram pedidos pelo MP seis a sete anos de pena de prisão efetiva, enquanto para a mulher do ex-governante, Alexandra Pinho, foi defendida a aplicação de uma pena de quatro anos, suspensa na execução.

Já as defesas dos três arguidos reclamaram a absolvição dos seus clientes neste processo, cuja acusação foi conhecida em dezembro de 2022.

O antigo governante foi acusado pelo MP de estar ao serviço dos interesses do Grupo Espírito Santo (GES) e de Ricardo Salgado enquanto ocupou o cargo de ministro da Economia, entre 2005 e 2009, na sequência de um alegado pacto corruptivo que teria sido dissimulado através de uma demissão de Manuel Pinho e a aceitação da desvinculação por Salgado, estabelecendo-se então um conjunto de contrapartidas.

Entre estas contrapartidas estaria o pagamento de 15 mil euros mensais, de uma verba de 500 mil euros e outros benefícios que se estenderiam também à mulher do ex-governante, Alexandra Pinho.

O MP argumentou que Manuel Pinho tomou decisões não em nome do interesse público, mas segundo os interesses do GES, indicando a promoção de projetos PIN (projetos de interesse nacional) aos quais o BES estava ligado, a reversão de uma decisão da Autoridade da Concorrência na compra da Autoestradas do Atlântico pela Brisa e o papel na candidatura da Comporta para a organização da Ryder Cup.

Manuel Pinho, em prisão domiciliária desde dezembro de 2021, está a ser julgado no caso EDP por corrupção passiva para ato ilícito, corrupção passiva, branqueamento e fraude fiscal.

A sua mulher, Alexandra Pinho, responde por branqueamento e fraude fiscal - em coautoria material com o marido -, enquanto o ex-banqueiro Ricardo Salgado responde por corrupção ativa para ato ilícito, corrupção ativa e branqueamento.

Na origem deste caso está a investigação à EDP e aos Custos para Manutenção do Equilíbrio Contratual (CMEC), envolvendo, entre outros, os ex-gestores da empresa elétrica António Mexia e João Manso Neto, num inquérito aberto em 2012 e cujos factos continuam a ser investigados noutro processo.

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