Um grupo de peritos nas áreas do urbanismo e sustentabilidade traçou um diagnóstico dos problemas climáticos de Lisboa, fez um levantamento de todos os estudos existentes e delineou um plano para arrefecer a Capital. O plano propõe uma transformação estruturada até 2050, com metas parciais para 2030 e 2040. “Estamos em constantes ondas de calor e estes dias têm sido terríveis, com um mês de julho de semanas muito quentes. Até ao final do século, Lisboa vai subir três graus. Será uma zona mais próxima da realidade climática de um país do Norte de África”, explica ao DN o arquiteto Diogo Lopes Teixeira, membro do grupo de trabalho que colaborou com a Câmara Municipal de Lisboa (CML). Os dados técnicos recolhidos pelos especialistas demonstram um cenário de urgência: Lisboa apresenta atualmente cerca de 10.022 hectares de área urbana, dos quais 4.000 hectares são classificados como espaço verde. No entanto, esta média esconde assimetrias profundas: áreas como a zona Oriental, Olivais ou Benfica têm rácios muito distintos em termos de cobertura vegetal, o que se reflete em desigualdades térmicas, ambientais e sociais. As ilhas de calor urbano, causadas pela compactação morfológica e uso intensivo de materiais urbanos impermeáveis, são um dos fenómenos mais críticos e representam uma ameaça direta à saúde pública, sobretudo entre a população idosa, que representa mais de 20% dos residentes na Capital.Segundo o grupo de trabalho, de acordo com as projeções climáticas regionais, Lisboa poderá registar até 50 dias por ano com temperaturas superiores a 35°C até meados do século, caso se mantenham os atuais níveis de emissões. “Tal fenómeno, associado à elevada taxa de impermeabilização do solo urbano e à escassez de espaços verdes funcionais em determinadas zonas, está a criar um ambiente urbano desconfortável, especialmente para os grupos socialmente mais vulneráveis e faixas etárias mais sensíveis”, sublinham. Esta e outras conclusões saíram do workshop multidisciplinar ReThink Lisbon: Climate & Regeneration Proposal 2030, que decorreu em julho, no âmbito da 9.ª edição do festival de arquitetura Archi Summit, no Hub do Beato.A partir do diagnóstico feito pelos especialistas, foram definidas estratégias que permitem arrefecer a cidade, como a criação de infraestruturas ecológicas, inspiradas no conceito de “cidade-esponja”, que inclui soluções para retenção de águas pluviais, arrefecimento urbano e promoção da biodiversidade. A abordagem implica também a revisão dos regulamentos urbanísticos, incentivos à inovação verde e novos critérios para construção e reabilitação urbana. Diogo Lopes Teixeira destaca as falhas térmicas nas construções em Portugal. “As casas não estão preparadas, nem para o calor, nem para o frio. Não há corte térmico. Sabemos que existem fundos europeus e os municípios devem investir no edificado”, explica. E acrescenta que o calor excessivo, dentro e fora de casa, “está diretamente ligado ao aumento de doenças respiratórias e à mortalidade, sobretudo entre populações vulneráveis”. A solução, conta, passa por medidas integradas e permanentes que “não dependam de ciclos eleitorais”. “É um ponto fundamental que está na raiz do problema”, afirma.Entre as propostas enviadas à CML, estão intervenções à escala dos bairros, com envolvimento direto da população porque “é a população quem vai manter os seus espaços”. “Pequenas ações, como remover alcatrão e substituí-lo por materiais permeáveis, plantar mais árvores, redesenhar praças ou jardins, podem baixar significativamente a temperatura do espaço envolvente”, exemplifica Diogo Lopes Teixeira.Apesar de reconhecer avanços, o especialista afirma que as estratégias existem, mas “ainda não estão a ser implementadas de forma efetiva. Um dos principais obstáculos identificados é a incapacidade de articular os planos existentes com a prática quotidiana das instituições urbanas. Apesar de Lisboa dispor de um conjunto vasto de diagnósticos climáticos e urbanos - produzidos ao longo das últimas duas décadas -, há, segundo o grupo de trabalho, um desfasamento entre o discurso e a execução. Em muitos casos, defendem os especialistas, as políticas públicas falham por ausência de operadores claros: não está definido quem faz, quando faz, com que recursos e com que indicadores de avaliação”.Apesar dos problemas identificados, o grupo de peritos acredita que Lisboa possui todas as condições para enfrentar os desafios da crise climática urbana: “Conhecimento técnico acumulado, instituições atentas, vontade cívica e experiências inspiradoras já em curso.”O documento com as sugestões do grupo de trabalho, formado por 12 especialistas, já foi enviado à CML e, no final deste mês, vão reunir-se com o município.