Juíza recusa pedido da defesa que queria impedir reprodução do interrogatório de Salgado de 2015
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Juíza recusa pedido da defesa que queria impedir reprodução do interrogatório de Salgado de 2015

“As declarações constituem prova, podendo ser lidas ou reproduzidas”, referiu a juíza Helena Susano.
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O tribunal rejeitou esta quarta-feira o pedido da defesa de Ricardo Salgado no julgamento do processo BES/GES para impedir a reprodução das declarações do ex-banqueiro num interrogatório efetuado em 2015, considerando "improcedentes as nulidades e irregularidades" invocadas.

"Aquando da prestação de declarações, o arguido é informado de que, não exercendo o direito ao silêncio, as declarações podem ser usadas em julgamento, estando sujeitas à livre apreciação do tribunal. Discerne-se com mediana clareza que o exercício do contraditório não depende da presença do arguido ou que o mesmo queira prestar declarações", afirmou a presidente do coletivo de juízes, Helena Susano.

O advogado do ex-presidente do Banco Espírito Santo (BES) apresentou um requerimento no início da sessão da tarde neste segundo dia do julgamento, antes da reprodução das declarações, com vista a que não fosse reproduzido o interrogatório de Ricardo Salgado prestado perante juiz de instrução em julho de 2015.

O Ministério Público (MP) entendeu que "não há nulidade" na reprodução das declarações de Ricardo Salgado em audiência de julgamento, apesar das alegações da defesa do ex-banqueiro, sublinhando também que o requerimento feito antes da própria reprodução constitui "uma antecipação de uma nulidade ou irregularidade". Defendeu, por isso, o indeferimento do requerimento, apesar de pedir tempo para responder formalmente.

Houve também diversos mandatários de assistentes que se quiseram pronunciar sobre o requerimento, nomeadamente a defesa dos lesados do BES, que declararam não vislumbrar impedimentos à reprodução das declarações do antigo presidente do BES.

"A reprodução das declarações prestadas pelo arguido, doutor Ricardo Salgado, em sede de inquérito, consistem num meio de prova dotado de força probatória ultra-ativa, ou seja, a sua recolha é já realizada com o propósito de poder ser utilizado e valorado no processo em curso", sintetizou a advogada Ana Peixoto.

Já a advogada Inês Almeida Costa, que representa as massas insolventes das sociedades Rio Forte e ESI, vincou que "não releva o estado psíquico do arguido à data dessa prestação" de declarações. "À data, o arguido encontrava-se na posse das capacidades e teve conhecimento da hipótese de reprodução posterior", frisou.

Por sua vez, a mandatária do BES em Liquidação, Madalena Parca, lembrou que Ricardo Salgado "estava plenamente ciente" de que as declarações prestadas poderiam ser posteriormente utilizadas.

"Com todo o respeito pela condição do arguido, esta pretensão não encontra qualquer tipo de respaldo legal. Quanto à questão agora suscitada, não releva para a boa decisão da causa. O principio da imediação e do contraditório exigem que seja feito em audiência, contudo, devido às circunstâncias, é possível o desvio", referiu.

Pouco depois, deu-se início à reprodução das declarações de Ricardo Salgado perante o juiz de instrução Carlos Alexandre em julho de 2015.

A defesa do ex-banqueiro Ricardo Salgado queria impedir a reprodução no tribunal das declarações do antigo presidente do Banco Espírito Santo (BES) na fase de inquérito, em 2015, alegando que a situação feria os direitos do arguido.

"A exigência do cumprimento obrigatório do contraditório impõe-se. O arguido tem o direito de exercer pessoalmente o direito ao contraditório. É por demais evidente que o arguido tem de estar em condições para contraditar. No entanto, encontramo-nos na paradoxal circunstância de que o arguido não consegue compreender as suas próprias declarações. Assim a reprodução das declarações viola as garantias de defesa", disse o advogado Adriano Squilacce.

Num requerimento efetuado no recomeço dos trabalhos do julgamento no Juízo Central Criminal de Lisboa, o mandatário de Ricardo Salgado lembrou que as declarações foram prestadas em julho de 2015, "há cerca de nove anos, com a investigação quase no início".

"Também há nulidade quando o arguido não consegue compreender as declarações anteriormente prestadas em interrogatório. Requer-se que seja declarada a nulidade da reprodução das declarações do arguido prestadas em fase de inquérito", concluiu o mandatário.

Recorrendo a diversos exemplos de jurisprudência sobre esta matéria, Adriano Squilacce lembrou a "abundantemente demonstrada situação clínica" de Ricardo Salgado, em alusão ao diagnóstico de doença de Alzheimer, enfatizando que o próprio tribunal teve oportunidade de constatar 'in loco' no primeiro dia do julgamento, com a presença do ex-banqueiro no início da sessão.

"Caso assim não se entenda, subsidiariamente, (...) requer-se que seja declarada a irregularidade da reprodução em julgamento das declarações prestadas pelo arguido em fase de inquérito, caso assim se prossiga nesta audiência", declarou.

Defesa reitera que Salgado não tem condições para contradizer declarações de 2015

Já à saída do Juízo Central Criminal de Lisboa, a defesa de Ricardo Salgado considerou que o ex-presidente do BES "não está em condições de contradizer" as declarações prestadas em 2015 e que não será nenhum curador que resolverá a questão.

O advogado Adriano Squilacce falava aos jornalistas após, neste segundo dia de julgamento, o coletivo de juízes ter rejeitado o pedido da defesa de Ricardo Salgado para impedir a reprodução das declarações do ex-banqueiro num interrogatório efetuado pelo Ministério Público em 2015.

"O arguido não está em condições de contrariar e contradizer e de se pronunciar sequer sobre as declarações que prestou em 2015, pelo que é uma não defesa", disse o advogado, acrescentando que agora cabe recurso da decisão tomada pelo tribunal de julgamento.

Segundo o defensor de Ricardo Salgado, a questão não se prende com o facto de tais declarações feitas em 2015 serem ou não auto incriminatórias, mas sim de assegurar "as garantias de defesa" do arguido. 

O antigo presidente do BES, Ricardo Salgado, é o principal arguido do caso BES/GES e responde em tribunal por 62 crimes, alegadamente praticados entre 2009 e 2014.

Entre os crimes imputados contam-se um de associação criminosa, 12 de corrupção ativa no setor privado, 29 de burla qualificada, cinco de infidelidade, um de manipulação de mercado, sete de branqueamento de capitais e sete de falsificação de documentos.

Segundo o Ministério Público, a derrocada do GES terá causado prejuízos superiores a 11,8 mil milhões de euros.

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