Messias, Maria Gabriela e Maria Eugénia Rola.
Messias, Maria Gabriela e Maria Eugénia Rola. Leonardo Negrão

Hospital dos Candeeiros, uma loja que resiste às transformações de Lisboa

Nos Anjos, bairro em constante mudança, um negócio de família surgido nos anos 60 continua a dar brilho — e história — à capital.
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Num bairro de Lisboa onde antigos comércios fecham as portas para dar lugar a restaurantes focados em brunches, cafés de especialidade e hamburguerias artesanais, há uma antiga loja que resiste. O bairro em questão é Anjos, na freguesia de Arroios, considerado por diversas revistas especializadas mundo afora como o mais “cool” da capital portuguesa — e no qual o Hospital dos Candeeiros, um negócio de família aberto nos anos 60, ainda encontra terreno para prosperar.

"O nosso pai [Maximiano Rola] era fotógrafo e abriu uma loja de fotografia ao lado, que depois passou para o meu tio. Era um homem de muitas paixões, além de fotógrafo, era ciclista e motociclista, rodou o mundo. E tinha uma paixão por candeeiros também: por volta de 1973, passou a dedicar-se a isso junto com a minha mãe [Maria Gabriela]. Nós, bebés, já vínhamos para cá", conta Messias Rola, que hoje é o responsável pela loja ao lado da irmã, Maria Eugénia.

No princípio focado apenas em comercializar candeeiros, Maximiano, ainda nos anos 70, começou a receber cada vez mais pedidos para os reparar. Foi aí que surgiu o nome que hoje se consolida como um dos mais icónicos dos Anjos.

"Ele tinha uma exposição enorme de candeeiros até lá ao fundo, era uma loja vocacionada para a venda de candeeiros novos e ele vendia bastante. Entretanto começaram a pedir para ele fazer arranjos também e ele, na brincadeira, dizia que era o Hospital dos Candeeiros. Quando foi registar o nome da marca, foi o que ficou", explica Messias, que herdou do pai os dotes de arranjo e é especialista na parte elétrica dos candeeiros, enquanto Maria Eugénia é a responsável pelo desenho de novas peças.

Messias Rola é especialista no reparo dos candeeiros.
Messias Rola é especialista no reparo dos candeeiros. Foto: Leonardo Negrão

No interior da loja, candeeiros de todas as épocas misturam-se: há peças de cristal vindas de palacetes, abajures feitos à mão por Maria Gabriela e luminárias modernas desenhadas por Maria Eugénia. “Nós fazemos de tudo. Reparamos, desenhamos e restauramos. Já fizemos trabalhos para o Ministério da Administração Interna, para o Ministério dos Negócios Estrangeiros e até para o Palácio da Ajuda”, conta.

Tradição e modernização

Desde os anos 70, conta Messias, o negócio familiar atravessou décadas de transformações no bairro e na própria cidade de Lisboa. “Antigamente havia muitas oficinas, carpintarias, fábricas pequenas aqui por perto. Agora é raro. Foi tudo fechando aos poucos”, lamenta.

As rendas estão altíssimas, é muito difícil um comércio pequeno conseguir sobreviver. Mas, felizmente, temos clientes fiéis e muita procura de quem nos descobre pela primeira vez. Claro que preocupa ver as lojas a fechar, mas ainda temos feito muita coisa”, ressalta.

Para Messias, a principal vantagem de estar na região dos Anjos é justamente o hub cultural em que a zona se transformou. “O bairro está com muito movimento. Tem novos cafés, padarias e restaurantes, e isso acaba por nos ajudar. As pessoas passam, olham a montra, entram, ficam curiosas. Dá uma nova dinâmica e visibilidade também”, diz Messias, sem um tom de ressentimento e mais como quem reconhece que, para continuar de pé, é preciso aceitar o novo contexto da cidade.

Maria Eugénia Rola é a responsável pelo desenho de nova peças.
Maria Eugénia Rola é a responsável pelo desenho de nova peças.Foto: Leonardo Negrão

Enquanto Lisboa muda à volta, Messias e Maria Eugénia seguem fiéis ao negócio que os acompanha desde a infância. Para eles, o segredo da longevidade está em manter o que sempre distinguiu o Hospital dos Candeeiros: o caráter artesanal e a ligação emocional com cada peça.

Salvamos imensos candeeiros de irem para o lixo, centenas, privilegiando sempre materiais portugueses, de qualidade, e dando trabalho a muita gente. No fundo, vamos fazendo o nosso papel nessa economia circular, para não deixar as coisas morrerem.

Messias, Maria Gabriela e Maria Eugénia Rola.
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