"O trânsito está muito difícil, principalmente nos últimos três anos. Mudou muito, depois da pandemia. Por isso é possível ver cartazes, nas janelas, ao redor da vila, com os vizinhos a queixarem-se”, explica Federico Bodnar, argentino radicado em Portugal há quatro anos e condutor de tuk-tuks. .Federico é, também, morador junto da vila de Sintra. E sente os incómodos de uma localidade a transbordar de turistas que, no ano passado, recebeu, segundo a câmara municipal, mais de meio milhão de visitantes. “Viver aqui também é complicado. Quando cheguei, na altura da covid, era muito sossegado. Podíamos caminhar tranquilamente pela vila. Agora, preciso de ir ao supermercado e, até nessas pequenas deslocações, apanho trânsito. Vou à praia, há trânsito. Há trânsito em todo o lado”.. Mesmo para o negócio, apesar de se poder pensar o contrário, a massificação do turismo não agrada aos próprios operadores. “É mais complicado trabalhar, porque um tour que podia ser feito numa hora acaba por demorar duas. Perde-se dinheiro e tempo e os próprios turistas, a meio do caminho, começam a ficar aborrecidos. Haver tantos turistas é pior para todos: para os residentes, para nós que trabalhamos no turismo e para os próprios turistas. Seria necessário haver um equilíbrio entre o turismo e o crescimento económico e isso não tem de ir contra a vida das pessoas, que habitam aqui”, desabafa o condutor de tuk tuks, parado junto ao centro da vila. .No centro da vila não é permitido circular. Os tuk tuks, autocarros e automóveis têm de ficar na Volta do Duche, à chegada à vila. “Deixamos os turistas aqui, eles andam um bocadinho a pé, vão ver o centro da vila e depois podem voltar”, explica o condutor argentino. .Miguel Leão é outro operador turístico a queixar-se da massificação do turismo em Sintra. Conduz uma carrinha de nove lugares que faz tours, tanto em Lisboa, como noutros locais, como é o caso de Sintra..Encontramo-lo, durante uma pausa para café, em São Pedro de Sintra. “Portugal não tem capacidade para receber tanta gente ao mesmo tempo”, observa o guia turístico. “Os nossos dirigentes não devem sair de Portugal, porque parecem não saber como é que as coisas são feitas noutros sítios do mundo. Por exemplo, Potsdam, à beira de Berlim, é uma espécie de Sintra alemã. Nós chegamos lá e somos obrigados a ir de um lado para o outro de comboio, autocarro ou a pé. Além do trânsito acumulado, os turistas estão a danificar o património”, insurge-se..E dá um exemplo: “Há aqui, em São Pedro, um sobreiro. Os condutores de tuk tuk trazem os turistas para verem o que é um sobreiro. Muitas vezes eles arrancam pedaços ao sobreiro. É uma árvore histórica e que, provavelmente, vai acabar por morrer”..O guia turístico dá outro exemplo de dificuldades no terreno. “Portugal recebe milhões de pessoas. Essas pessoas precisam de ir à casa de banho. Não há casas de banho públicas! Aqui em Sintra, quem quiser ir à casa de banho tem de ir a um café”. .Para Miguel Leão é necessário “haver um condicionamento de trânsito e criar zonas tampão. Além de que são demasiadas pessoas para um sítio tão pequeno. Dou-lhe outro exemplo: em Fernando de Noronha, no Brasil, há um número limitado de visitantes que podem entrar. Seria uma boa metodologia fazer o mesmo aqui”..A câmara municipal de Sintra (CMS) parece estar atenta ao problema. “Não obstante a eventual inexistência de terrenos disponíveis para o efeito, o município, ainda assim, construiu o parque de estacionamento periférico da estação da Portela de Sintra, que contempla 550 lugares, que se encontra consolidado”..O município, liderado por Basílio Horta, promete mais dois parques de estacionamento dissuasores: “Encontra-se em fase de implementação o novo parque de estacionamento Ramalhão 1 - no final do IC19 e junto da principal entrada de Sintra - que irá acolher veículos e autocaravanas, e o parque de estacionamento Ramalhão 2, na mesma localização, que irá permitir o estacionamento de 500 viaturas. Este conjunto de parques contará com um sistema de shuttles de forma a garantir a fluidez e acesso dos visitantes ao centro histórico de Sintra”, responde a autarquia ao DN..O problema já atormenta os residentes há vários anos. “Chegaram a um ponto de exaustão que resolveram reclamar e colocar cartazes nas janelas e nas montras, para pedir uma intervenção no trânsito”, complementa Miguel Leão. .Orlando é dono de um pequeno café, no largo da feira, em São Pedro de Sintra. “Além de ter o estabelecimento também sou residente. Posso dizer-lhe que há muitos residentes, como é o meu caso, que há um ou dois anos que não vão ao centro da vila, porque o trânsito está impossível. O caminho que, sem trânsito, fazemos facilmente em dez minutos, com trânsito chegamos a estar parados uma hora. Isto quando, antigamente, tínhamos o hábito, ao fim de semana, de ir passear um bocadinho, ir comer um travesseiro à Piriquita [pastelaria tradicional, na vila]”, lamenta..O negócio, em São Pedro de Sintra, outrora animado por várias lojas de velharias e antiguidades - agora fechadas - também já teve melhores dias. “Antes, vinha muita gente, à hora do almoço. Agora não. Não podem vir, porque o tempo não lhes chega, por causa de ficarem parados no trânsito. Turistas, temos os que chegam nos tuk tuks”..Para Orlando, o ideal será, mesmo, a construção de parques de estacionamento dissuassores, com serviço de transporte coletivo até à vila. “Hoje em dia temos autocarros, tuk tuks, táxis, carros privados, TVDE, tudo pode andar aqui na estrada. Depois, chegam à vila e não há onde estacionar. A vila está pensada só para os turistas, mas que venham de transportes públicos. Acho que isso aliviaria muito o problema”. .Este comerciante e morador nota, também, “falta de coordenação. Noto que a PSP e a GNR não estão coordenadas com a câmara municipal e o acesso está muito condicionado, além de estarem alterados os sentidos de trânsito. Os condutores, em certos locais, nem sequer respeitam os sinais e avançam, até porque vê-se pouca polícia. Isso também não ajuda”. .No largo de São Pedro de Sintra, prestes a arrancar para mais um tour no seu tuk tuk está Raquel Vicente. “É difícil trabalhar nesta zona e, nós próprios, gostaríamos que fosse diferente”, começa por explicar a condutora de tuk tuks. “Gostávamos que houvesse menos veículos [tuk tuks] e que as pessoas que fazem este trabalho fossem melhor escolhidas”. .Devido ao excesso de trânsito, os condutores de tuk tuks optam por fazer passeios alternativos. “Só vamos à vila, ou ao palácio da Pena, se os visitantes quiserem muito ver. De resto, optamos por percursos diferentes, tentamos vender algo que não seja tão visto”, revela Raquel Vicente. Mais uma vez, esta condutora dá conta de que “os próprios turistas, apesar de estarem mais relaxados e em passeios, por vezes queixam-se do tempo que estamos parados no trânsito”, conclui.