Greves de médicos e enfermeiros marcam primeiros dias dos 45 anos do SNS e podem fechar serviços

Foi a 15 de setembro de 1979 que, através da publicação da Lei 56/79, no Diário da República n.º 214, Série I, nasceu o Serviço Nacional de Saúde (SNS). Portugal passava a ser detentor de um serviço público de saúde, “universal e tendencialmente gratuito”..No balanço destes 45 anos, que foram assinalados com cerimónias no domingo e ontem, o passado foi elogiado - desde logo pelos resultados obtidos nos indicadores de saúde na população, nomeadamente no que toca à mortalidade maternoinfantil, que era das piores do mundo para atingir agora níveis considerados dos melhores do mundo - e a “crise” que agora vive o SNS apontada como uma “grande preocupação”..Quem está aos comandos pede “consenso nacional para a Saúde”, mas quem está no terreno queixa-se de “negociações de fachada”, havendo greves de médicos e enfermeiros marcadas já para a próxima semana e nos mesmos dias, 24 e 25..Ministra defende "consenso nacional".Começando pela tutela, a ministra Ana Paula Martins esteve ontem de manhã na sessão comemorativa do aniversário do SNS e assinalou que “a Saúde de hoje é diferente da de há 45 anos”, sublinhando que, na altura, o país conseguiu inverter “assimetrias e desigualdades” e ultrapassar a situação de viver com “um dos piores Sistemas de Saúde do mundo”.. Admitindo que “dificilmente todos conseguiremos estar de acordo”, alerta que é preciso “materializar um acordo na Saúde para o essencial”, reiterando que qualquer “mudança estrutural na Saúde deve contar com todos os agentes”, porque “as reformas não se fazem contra as pessoas, os profissionais ou os autarcas”..Mas se há crítica que os que estão no terreno têm feito aos titulares das pastas é a de não ouvirem os profissionais. E Ana Paula Martins não é exceção. Ao fim de cinco meses, esta é uma das críticas feitas pelos sindicatos de médicos e de enfermeiros que agora avançam de novo para as greves, por não aceitarem o que chamam “negociações de fachada”. .E, pela primeira vez nestes 45 anos de SNS, duas estruturas, a Federação Nacional dos Médicos (Fnam) e o Sindicato dos Enfermeiros Portugueses (SEP), marcaram greves nacionais para os mesmos dias e com manifestações frente à porta do ministério, em Lisboa. Esta situação apenas tinha sido vista em dias de greves gerais da Administração Pública, levando a grandes constrangimentos nas unidades de saúde. O mesmo poderá acontecer na próxima semana, antevendo-se que haja serviços que “tenham de adiar consultas e cirurgias e alguns fiquem com a atividade afetada a 100%”, apesar de “os serviços mínimos estarem garantidos”, explicaram ao DN..A presidente da Fnam, Joana Bordalo e Sá, e a dirigente nacional do SEP, Guadalupe Simões, disseram ao DN que a marcação dos protestos para as mesmas datas foi coincidência, mas que tal só vem reforçar a necessidade de “mudanças” no decorrer das negociações. O objetivo é fazer com que o Orçamento do Estado para 2025 ainda integre medidas prioritárias para cada uma das classes, nomeadamente as relacionadas com a questão remuneratória..A ministra reconheceu na Assembleia da República que, para a “reforma estrutural” do SNS acontecer, “os próximos Orçamentos do Estado são essenciais”, mas, mais uma vez, estas estruturas dizem que os sinais dados são contrários. .A Fnam argumenta mesmo que “os médicos foram obrigados a ir para esta greve pela atitude deste novo ministério”, pedindo ao Governo “uma ministra que substitua a negociação de fachada por uma negociação séria, com soluções apresentadas pelos profissionais, para resolver as dificuldades com que o SNS se debate diariamente”..Do lado dos enfermeiros as críticas vão no mesmo sentido. “As propostas apresentadas pelo Ministério da Saúde são ofensivas para os enfermeiros”, e por isso mesmo fizeram do mês de agosto um mês de luta, com uma greve nacional no dia 2 e várias regionais..A dirigente do SEP referiu ao DN que os dias 24 e 25 de setembro já estavam definidos para uma paralisação, no caso de a reunião marcada para o último dia 12 com a tutela não surtir os resultados desejados. E foi isso que aconteceu: “Mais uma vez a sr.ª ministra da Saúde decidiu adiar a reunião por precisar de mais tempo para avaliar as nossas propostas. Já deveria ter percebido que a questão remuneratória e as condições de trabalho são prioridades para a enfermagem.”.Por isso, salvaguarda Guadalupe Simões, estas ações de luta podem não ficar por aqui: “Se nada acontecer após as greves decretadas para a próxima semana vamos continuar.”.As exigências apresentadas.Os enfermeiros mantêm as exigências pela “justa valorização de todas as posições remuneratórias de todas as categorias da Carreira de Enfermagem; pela compensação do risco e penosidade, designadamente através de condições especiais de aposentação; pela correção de todas as injustiças e discriminações relacionadas com a contagem de pontos, desde logo o pagamento dos devidos retroativos desde 2018”. Exigem ainda que “todos os enfermeiros detentores do título de Enfermeiro Especialista até 31 de maio de 2019 transitem para a respetiva categoria; e um plano de pagamento de dívidas em atraso relativamente ao trabalho extraordinário em dias feriados e não-goza- dos”..Mas não só. Os enfermeiros querem também “um regime remunerado de dedicação exclusiva ao SNS e a admissão de mais enfermeiros e efetivação de todos os precários”..Do lado dos médicos, a Fnam assinalou a quebra das negociações com Ana Paula Martins com uma greve nacional a 23 e 24 de julho, tendo o Sindicato Independente dos Médicos (SIM) assinado um protocolo negocial..Num comunicado divulgado ontem, a Fnam destaca que “os médicos querem ficar no SNS, mas necessitam de ser respeitados”, sustentando que tudo continuará a fazer para “defender melhores condições de trabalho e salários justos, condizentes com a sua formação e responsabilidade profissional”..Joana Bordalo e Sá sublinhou ao DN “não haver dúvidas quanto ao facto de o SNS ser um dos pilares da nossa democracia. E se os portugueses continuam a receber cuidados, maioritariamente, no serviço público é devido aos profissionais. Isto mesmo ficou patente durante a pandemia ”..Para a Fnam, a situação agravou-se nos últimos meses. A presidente regista ser “incompreensível que nos últimos meses mais 40 mil portugueses tenham ficado sem médico de família. Temos agora quase 1,7 milhões de utentes sem médico de família”.. Por outro lado, “a lista de espera cirúrgica também aumentou mais 0,3% e os cuidados para doentes paliativos continuam a ser insuficientes”. Tudo isto “porque faltam profissionais de saúde, incluindo médicos”, remata. Por isso mesmo, homenageia “todos os médicos e profissionais que ainda resistem no SNS”..São precisas mudanças para que os médicos deixem de sair do serviço público e uma das preocupações atuais é “o atraso nos concursos de colocação de médicos e a criação das Unidades de Saúde Familiar Modelo C que podem roubar ainda mais recursos ao SNS”..Do lado dos mais jovens profissionais de Saúde, a plataforma que reúne todas as associações que os representa veio ontem pedir “um SNS mais flexível e próspero” de forma a garantir o planeamento de recursos humanos”. .Flash mob com médicos e utentes.Médicos e utentes participaram ontem numa flash mob junto à Culturgest, em Lisboa, onde decorria a cerimónia que assinalava os 45 anos do SNS, promovido pela Federação Nacional dos Médicos (Fnam) para homenagear os profissionais de saúde e os beneficiários que “têm resistido à degradação do SNS” ao longo dos anos. “Grávidas preocupadas, mulheres indignadas”, “A saúde é um direito, sem ela nada feito”, “Nascer com dignidade, proteger a maternidade” e “O povo merece o SNS” foram algumas das frases de ordem entoadas.

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