A data é conhecida há mais de dois anos e foi preparada e publicada em lei ainda pelo Governo de António Costa : 29 de outubro de 2025 seria o último dia de trabalho dos antigos inspetores do extinto Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) - atualmente integrados na Polícia Judiciária (PJ) - que estão em comissão de serviço nos aeroportos a apoiarem a PSP. Este é o plano aprovado em Conselho de Ministros no dia 06 de abril de 2023, no final do turbulento processo que decretou o fim do SEF. No entanto, o Governo de Luís Montenegro não conseguiu garantir à PSP as condições necessárias - essencialmente recursos humanos - para cumprir as metas definidas. Medidas que permitiriam alguma libertação de agentes para garantir a 100% as novas competências, como uma reorganização do dispositivo, já proposta desde 2014, ou a contratação de mais civis para substituírem polícias em funções administrativas, têm sido sucessivamente adiadas. A isto junta-se uma crise sem precedentes no recrutamento, com vagas a ficarem por preencher, em relação à qual o Governo também não encontrou solução.São estas as razões de fundo para que os inspetores da PJ tenham de ficar neste serviço, que não está no seu quadro funcional, pelo menos, mais seis meses..SEF acabou há um ano. O vazio permanece.O DN sabe que a direção nacional da PSP pediu à direção nacional da PJ que os seus inspetores não deixem ainda os seus postos e continuem a trabalhar no controlo das fronteiras aéreas até abril de 2026. Até à hora de fecho desta edição, nem o Ministério da Administração Interna nem a PSP, nem a PJ, responderam às questões colocadas pelo DN. José Luís Carneiro, ministro da Administração Interna na altura, que defendeu este novo modelo, também não quis comentar o assunto.O DN também sabe que os inspetores da PJ chegaram a receber um documento da direção nacional para se apresentarem nos novos postos de trabalho na segunda quinzena de novembro. Alguns deles já estão prontos para esta saída, com arrendamento de casas em outras cidades, por exemplo, e a cessação de contratos de arrendamento onde estão a morar. Ao mesmo tempo, a maior parte destes profissionais, cerca de 90, “não se importam em lá ficar por mais tempo”, explica uma fonte ao DN.Segundo, o decreto-lei número 40/2023, que aprovou o regime de transição de trabalhadores do SEF, “a afetação funcional transitória tem lugar durante o período de um ano (até 2024), renovável por igual período (2025)”.Na primeira fase, quando se completou um ano, ambas as forças de segurança cumpriram o que tinha sido acordado com o Governo, com 50% dos ex-SEF a deixarem as fronteiras. Na GNR, esta transição foi mesmo a 100%.Tal como o DN noticiou a 13 de agosto de 2024, os militares foram todos substituídos antes do prazo. Dos 81 inspetores que cessam funções transitórias até final de outubro, a esmagadora maioria, 73, estava ao serviço da GNR no controlo marítimo portuário. .Cooperação. GNR reforça a PSP na fronteira do aeroporto de Lisboa.Uma fonte da GNR referiu ao DN, na altura, que foi realizado um “acordo entre os dirigentes máximos e as respetivas tutelas” para a transição dentro do prazo. No entanto, a situação dos portos e dos aeroportos não é comparável. Foram mais de 300 inspetores do antigo SEF a ficar em 2023 e em 2024 saíram metade. Atualmente são cerca de 120.Não é de hoje, nem mesmo da época em que se debatia a extinção do SEF, que existe o problema de longas filas no controlo e um aumento constante de passageiros a cada ano, com exceção da época da pandemia. Porém, a pouco mais de dez dias da data final de transição, outro fator veio dificultar o processo: a entrada em vigor do novo sistema europeu de controlo automatizado de fronteiras externas, o Entry/Exit System (EES), com recolha de dados biométricos de todos os viajantes de fora do Espaço Schengen. Os últimos dias têm sido caóticos no Aeroporto de Lisboa, com horas de espera e relatos de passageiros a passar mal, com filas sem fim até mesmo nas partidas. Bruxelas chegou mesmo a sugerir ontem que Portugal volte ao recurso ao antigo sistema de controlo de fronteiras, com verificação e carimbos nos passaportes. “Não estou a par de nada que tenha acontecido em Portugal, mas [o novo sistema] inclui a possibilidade de voltar ao sistema [antigo] sempre que ocorrer algo que possa prejudicar o novo sistema”, disse o porta-voz da Comissão Europeia para a área dos Assuntos Internos, Markus Lammert..Dia crítico no aeroporto de Lisboa com passageiros a esperar mais de 90 minutos.Assim como o prazo de 29 de outubro, também a entrada em funcionamento do EES a 12 de outubro era conhecida há meses. Rui Paiva, presidente do Sindicato do Pessoal de Investigação Criminal da Polícia Judiciária (SPIC-PJ), que representa também antigos inspetores do SEF agora na PJ, afirma ao DN que foi “convocado ontem no fim da tarde para uma reunião no Ministério da Justiça na sexta-feira, sendo o tema a afetação dos trabalhadores do antigo SEF". No entanto, afirma que desconhece os termos da proposta que será apresentada. Para Bruno Pereira, do sindicato dos oficiais da PSP, a falha no plano foi do Governo. “O Governo teve mais do que tempo para permitir condições à PSP, que está, ela própria, amarrada em termos de orçamento e recursos humanos. Muita coisa ficou por fazer por parte do Governo, ou pouco foi feito. Mais do que atribuir competências, deve criar condições para as conseguirmos assegurar, de forma plena, sem isso impactar com o restante serviço, porque a PSP não trabalha apenas na fronteira”, diz ao DN.Já Paulo Jorge Santos, presidente da Associação Sindical dos Profissionais da Polícia (ASPP/PSP), destaca ao DN que “não sabe qual será a decisão da direção nacional”. Ao mesmo tempo, reconhece que a PSP ainda não pode assumir este compromisso acordado em 2023. “Sabemos que a PSP não tem ainda capacidade total para todos os serviços”, resume o líder sindical. Paulo Santos ainda vê com preocupação a situação dos últimos dias, especialmente no Aeroporto de Lisboa, com desgaste não só para os passageiros, mas também para os polícias. “Os polícias estão em burnout”, referiu ao DN. “Está provado que a estrutura está sobrelotada. Apesar de todas as boxes estarem completas de pessoal e de todos os RAPID a funcionarem, a fila era, ainda assim, interminável”, relata..Aeroportos. Novo reforço no controlo das fronteiras começa domingo.Bruno Pereira concorda. “Bem se viu ontem (terça-feira) , com tantas horas de espera, como faltam pessoas”, comenta. No entanto, apesar de reconhecer que o novo sistema agrava a situação, o problema não é novo. “Já no tempo do SEF, nas alturas de pico, ou nos períodos sazonais de pico, havia uma deslocação suplementar de recursos”, recorda. “Tem de haver aqui soluções do ministério [da Administração Interna] para que a PSP consiga dar a resposta que se espera para uma fronteira exigente. Aliás, mais exigente do que nunca. Nunca teve tantos passageiros como hoje, continuamos a manter recordes nos aeroportos portugueses”, avalia Bruno Pereira.O sindicalista vê também possíveis implicações de segurança nos aeroportos. “A divisão aeroportuária, para tudo aquilo que é segurança do aeroporto, é colocada em causa durante alguns períodos de dia para reforçar a fronteira. Portanto, estamos, claramente, tapar de um lado para destapar do outro”, reforça. Tanto Bruno Pereira quanto Paulo Jorge Santos voltam ao que acreditam ser a questão de fundo: a falta de polícias no atual quadro e as condições atuais da legislação, que não são atrativas o suficiente para que exista um maior número de interessados na carreira. .Filas no controlo. "Aeroporto não terá capacidade para processar todos os passageiros no novo regime", diz ASSP/PSP.Esta negociação está a decorrer, com uma última reunião realizada na semana passada e uma próxima marcada para amanhã. Uma das sugestões que será apresentada por Bruno Pereira é o pagamento de horas extraordinárias, mas também aponta a medidas internas da gestora Ana-Aeroportos de Portugal. Uma delas é que os voos de países terceiros não cheguem todos ao mesmo tempo. “Se os voos internacionais fossem todos distribuídos ao longo do dia, a pressão que nós sentimos naquele período, das seis da manhã até o meio-dia, mais ou menos, não existiria, explica.amanda.lima@dn.ptvalentina.marcelino@dn.pt."Facilitação negligente" e "políticas irresponsáveis", as críticas ao Governo PS de ex-inspetores do SEF.Filas no controlo. "Aeroporto não terá capacidade para processar todos os passageiros no novo regime", diz ASSP/PSP