Diretor do Centro de Investigação em Ambiente e Sustentabilidade da NOVA FCT e presidente da associação ZERO, Francisco Ferreira é uma das vozes mais atentas à evolução do clima em Portugal. Com base nos dados mais recentes do IPCC e do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente, o especialista descreve um cenário preocupante — de secas prolongadas, cheias mais intensas e um litoral em risco — e defende a passagem imediata à ação. Parece cada vez mais evidente que os fenómenos meteorológicos — tempestades, ondas de calor, chuvas intensas — estão a tornar-se mais frequentes e violentos. O que explica esta intensificação e o que podemos esperar nas próximas décadas? Temos uma avaliação científica feita pelo Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas (IPCC) — estamos a falar de mais de três mil cientistas à escala mundial — que, no sexto relatório, apresentado há poucos anos, nos indica aquilo que são os diferentes cenários em termos de impacto das alterações climáticas. E temos dois relatórios muito recentes, um da passada semana e outro de há 15 dias, feitos pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (UNEP/PNUMA): o primeiro sobre as necessidades de adaptação e o segundo sobre mitigação. De facto, no que diz respeito à temperatura, estamos no caminho de um aumento de 2,5 graus. Ora, nós sabemos que um aumento de 1,5 a 2 graus de aquecimento em relação à era pré-industrial significa um enorme agravamento das consequências para o clima. Agora imagine-se 2,5 graus: as consequências serão muito mais violentas. Em que é que elas se traduzem? Na frequência e na violência dos eventos meteorológicos extremos. Porquê? Por exemplo, temos agora uma menor diferença de temperaturas entre os polos e o equador. Como tal, a circulação atmosférica tem revelado que as grandes tempestades se deslocam mais devagar do que há alguns anos. Portanto, há uma atmosfera mais quente, um oceano mais quente, ou seja, há maior capacidade de evaporação e de retenção de água na atmosfera. Como o avanço da tempestade é mais lento, os prejuízos são muito maiores. Depois, também, se temos um aquecimento global, haverá uma maior frequência de desvios e aumentos de temperatura ao longo de vários dias, agravando as ondas de calor. .(...) No que diz respeito à temperatura, estamos no caminho de um aumento de 2,5 graus. Ora, nós sabemos que um aumento de 1,5 a 2 graus de aquecimento em relação à era pré-industrial significa um enorme agravamento das consequências para o clima. Agora imagine-se 2,5 graus: as consequências serão muito mais violentas."Francisco Ferreira. Quais são hoje os sinais mais visíveis das alterações climáticas em Portugal? Temperatura média, secas, incêndios, litoral? Na temperatura, podemos identificar muito claramente uma tendência de aumento. Na precipitação, quando comparamos os dados atuais com o último período de 30 anos, notámos que a sequência de anos abaixo da média é cada vez mais significativa, o que significa que não conseguimos recuperar das secas que vamos tendo ao longo dos anos anteriores. Nos incêndios, por associação a vento intenso, a ondas de calor, a ciclos alterados do clima que geram uma explosão de vegetação em alturas em que não seria suposto isso acontecer — por exemplo, se chove muito antes do verão. Para além do ordenamento do território e de um tipo de floresta propício a mega incêndios, a verdade é que temos condições meteorológicas que favorecem a escala destes incêndios. Quais são as nossas maiores vulnerabilidades? A mais dramática é a subida do nível do mar. É muito lenta, mas verdadeiramente preocupante. Temos 67% da nossa costa em risco, e neste momento já existe impacto significativo quando tempestades no oceano retiram grande parte dessa areia. Tempestades essas que estão a intensificar-se, causando impacto dramático e significativo no litoral. Depois, as cheias e, também, as ondas de calor: as cheias do ponto de vista dos prejuízos causados às infraestruturas; as ondas de calor, pela sua influência na saúde humana, sobretudo em populações mais vulneráveis, provocando o aumento da mortalidade prematura. Isto no curto prazo. No longo prazo, temos as secas, com impactos na atividade agrícola, no consumo humano, na economia e no turismo, e temos os incêndios florestais. Para além disso, devemos considerar pragas agrícolas e espécies invasoras que são favorecidas pelo clima — aspetos já todos eles visíveis. Daí a importância de pensarmos na adaptação às alterações climáticas. .A mais dramática é a subida do nível do mar. É muito lenta, mas verdadeiramente preocupante. Temos 67% da nossa costa em risco, e neste momento já existe impacto significativo quando tempestades no oceano retiram grande parte dessa areiaFrancisco Ferreira. Portugal está a aquecer mais depressa do que a média europeia? Portugal e o Mediterrâneo estão a sofrer um impacto superior ao resto da Europa. Isso tem a ver com a dinâmica meteorológica, com a extensa zona costeira e, portanto, nos modelos, Portugal apresenta uma vulnerabilidade maior em termos de consequências. Há algum ponto de não retorno que já tenhamos ultrapassado no contexto português? A nível planetário, temos vários limites ultrapassados. Diria que, no caso português, ainda não ultrapassámos esses limites, mas temos de passar das palavras à ação no que diz respeito à adaptação climática. Estamos agora em consulta pública da Estratégia Nacional de Adaptação Climática; já temos o planeamento para reduzirmos 55% das nossas emissões entre 2005 e 2030, mas precisamos de avançar realmente e passar à prática: nos avisos às populações, nos planos municipais e regionais de ação climática. E cá está — não é só planeamento. Temos de decidir que obras é preciso fazer, porque tudo o que fizermos agora sairá seguramente mais barato do que as intervenções para fazer face aos prejuízos futuros. A prevenção de cheias em Lisboa deve alastrar-se a todos os concelhos. São urgentes soluções ligadas à natureza, que não exigem necessariamente grandes investimentos nem movimentações artificiais dispendiosas. Temos de seguir um caminho de compatibilização e integração das várias valências na preservação do clima, respeitando a biodiversidade e a paisagem, e fazendo investimentos que trabalhem na prevenção. .Clima: Emissões na UE diminuíram 2,5% em 2024, diz a Agência Europeia.José Carlos Ferreira. “Crise da habitação levou os autarcas a esquecer a mobilidade ou o ambiente”