"Em todos os testes e em todos os exames peço aos alunos para se colocarem de pé e fazerem um pequeno exercício para descontrair. Portanto, peço-vos para se levantarem e relaxarem pois já estão aqui há algum tempo. Já está tudo aquecido? Tudo com energia? Obrigado”. E foi assim que o professor Pedro Dionísio colocou as pessoas que encheram o Grande Auditório do ISCTE no dia 6 de maio de pé a mexer os braços durante alguns momentos ao mesmo tempo que se ouviam aplausos.Ao iniciar desta forma a sua última aula este professor catedrático com 50 anos de ligação ao ensino resumiu em poucos minutos uma carreira onde, como o confessa, desafiou e desafiou-se.Para muitos o nome “Pedro Dionísio” pouco poderá dizer, mas a pessoa que encheu o auditório ISCTE – Instituto Universitário de Lisboa (originalmente, Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa, daí a sua sigla) tem uma história de vida preenchida e liderou, por exemplo, a organização do cordão humano que a 8 de setembro de 1999 levou cerca de 300 mil pessoas a ligar a sede da ONU, em Lisboa, e as embaixadas da China, França, Rússia, Reino Unidos e Estados Unidos da América (membros permanentes do Conselho de Segurança), para exigir a liberdade e a autodeterminação de Timor Leste.Um episódio da vida do professor a que voltaremos mais à frente, pois, para já, devemos conhecer a pessoa que os alunos definiram, numa das páginas do livro que lhe foi oferecido no dia da última aula, como “um exemplo”, “disponível”, “dedicado”,”mentor”, “inspirador”, “paixão” e “frontal”.Palavras que podem ser a definição do docente que fala com entusiasmo sobre a sua vida desde a recordação de, aos 3 anos, vender rifas até às causas que defendeu – Timor não foi a única.Um “produto” do ISCTE e uma limitação sem razãoA sua vida universitária, da qual não esconde o desalento por ter de deixar de dar aulas aos 70 anos, está praticamente toda ligada ao ISCTE.“Sou um produto daqui [entrou em 1973]. Estive um ano na Católica, mas não era propriamente o meu estilo. Inscrevi-me em Economia e acabei por fazer Sociologia”, explica o professor catedrático que completou licenciaturas em Sociologia e Gestão.“A partir do 2.º ano comecei a trabalhar, fiz oito anos a trabalhar e a estudar. Depois fiz um doutoramento na L’École des Hautes Études Commerciales e quando acabei o doutoramento voltei para cá. Ainda estive uns anos como convidado, porque tinha uma atividade empresarial até, que a determinada altura, decidi apostar na carreira universitária”, acrescenta.Portanto, uma vida académica cheia que terminou a 6 de maio. Ou talvez não... graças à ligação ao ISCTE Executive Education. “No ISCTE não posso dar aulas por ter 70 anos, mas aqui posso pois este é um projeto de ligação com empresas, tem um estatuto diferente. Isto não faz sentido. Antigamente as pessoas com 70 anos já andavam ‘com os pés para a cova’, mas agora não. Continuo ainda ligado a várias coisas no ISCTE”, onde foi diretor e coordenador de departamento em várias ocasiões, sendo presidente da associação de antigos alunos – Alumni Clube Iscte.O segredo da vitalidade e o “fazer coisas para se divertir”Pelo que já se leu, a vida de Pedro Dionísio tem sido intensa. E para a manter – como quer continuar a fazer, ao ponto de já ter participado em duas provas de natação em águas abertas – tem um segredo: os alunos são a sua “droga”. “No final das aulas muitas vezes dizem-me: 'Epá você tem muita energia.' E eu respondo: ‘É que eu tomo uma droga.’ Fica tudo em silêncio e depois explico: ‘A droga são os alunos, eles têm 20 anos e isso obriga a revitalizar-nos. Rejuvenesce-nos, eles puxam por nós”, explica.No intervalo das aulas e das causas que abraça, Pedro Dionísio foi coautor de diversos livros. Tem editados 17, entre eles o Mercator da Língua Portuguesa — Teoria e prática do Marketing, que já teve 18 edições ou, como prefere, versões. “Gosto mais de falar em versões, pois só alterámos uma coisa ou outra. Vendemos 140 mil exemplares, o que é um sucesso para o nosso mercado.”O leque de temas sobre os quais Pedro Dionísio trabalha inclui o desporto. Tendo feito, por exemplo, um estudo que apoiou a candidatura de Lisboa a Capital Europeia do Desporto em 2021 e escrito o livro Casos de Sucesso em Marketing Desportivo. “Faço coisas para me divertir. Costumo dizer: ‘Se não nos divertimos, quem se diverte por nós?’ Temos de viver a vida com um aspeto positivo e olhar sempre para o copo meio cheio. Sou tipicamente uma pessoa insatisfeita consigo própria”, frisa. “Não tenho problema nenhum que me confrontem, não é insultar-me, mas sim debater.”E assim voltamos aos projetos que liderou, como a criação, em 2008, do Management & Marketing FutureCast Lab, que se tornou no primeiro laboratório europeu a estudar tendências de Marketing, ao qual, sublinha, estiveram associadas 20 grandes organizações. .Causas sociais, Timor e UcrâniaFora das salas de aula, Pedro Dionísio esteve envolvido em diversas iniciativas, sendo as mais mediáticas as relacionadas com Timor-Leste e a Ucrânia.Comecemos pela iniciativa mais antiga: a que esteve ligada à antiga colónia portuguesa. “Durante muitos anos ouvimos falar de Timor. Acompanhava a situação e houve a história do cemitério [a 12 de novembro de 1991 um tiroteio no cemitério de Santa Cruz, em Díli, terminou com a morte de 271 pessoas e 278 feridos após disparos das forças de segurança da Indonésia] e depois o referendo [30 de agosto de 1999], com a independência a ganhar com mais de 70% dos votos. Para mim, foi um ponto fechado. Pensei: 'Tenho de fazer alguma coisa, sou da área de Marketing e estou habituado a apoiar empresas. Tenho capacidade para organizar algumas coisas. Tenho de fazer alguma coisa.”“Fui ao Espaço Timor, falei com a Associação dos Direitos do Povo Maubere, falei com o antigo presidente dos Escuteiros, liguei para a CNN, em Atlanta, onde me disseram que era com a RTP”, recorda, explicando que, no caso da televisão pública, até pediu a uma amiga que vivia no mesmo prédio do então presidente da empresa para esta lhe ir bater à porta e pedir ajuda e um helicóptero para se filmar o cordão humano. “Falei com uma série de pessoas, apanhei o Marcelo [atual Presidente da República] na rua, não o conhecia só de o ver na televisão, nunca tinha falado com ele, mas pedi-lhe para falar com a Embaixada dos EUA. Cheguei a falar para quatro rádios ao mesmo tempo. O segredo foi as pessoas quererem colaborar e o país estar mobilizado. Era a favor da paz. Os jornais diziam que estiveram 300 mil pessoas na rua e isso foi conseguido em 48 horas”, salienta, contando mais um episódio relacionado com a iniciativa. “A determinada altura dizem-me que não podia contar com o helicóptero, pois não podia levantar por causa dos aviões. Fui a uma lista telefónica expliquei à pessoa que atendeu, não sei quem foi, o que se passava e pedi para desviar os aviões e isso aconteceu.” Já a tentativa para criar um momento como este a favor da Ucrânia não correu tão bem, reconhece. “A envolvência das pessoas foi diferente”, reconheceu.Voltemos atrás, a 2020 e ao período da pandemia devido à covid-19. Aí ficou ligado a dois projetos: Sinais Vitais, em que foram efetuados, com a colaboração da Confederação Empresarial de Portugal (CIP), estudos sobre o estado das empresas; e o programa 3 Minutos a Inspirar Portugal, uma série de filmes para RTP que teve como objetivo mostrar que existiam, de Norte a Sul, organizações que não fecharam, mas tinham-se reinventado.Ainda antes destas datas, em 2013, esteve envolvido na organização de um cordão humano contra possível instalação de um terminal de contentores na Trafaria (Almada). E, claro não podemos esquecer, todo o apoio que dá ao futebol – recentemente esteve na Alemanha a seguir os jogos da Liga das Nações que a seleção A venceu. Além de outras ligações desportivas como, por exemplo, o tempo em que jogou râguebi no Benfica.Perante uma vida tão preenchida, o que faz Pedro Dionísio ficar sem palavras? Talvez pouca coisa, ou então uma pergunta como esta: um dos seus livros fala em casos de sucessos. O Pedro considera-se um caso de sucesso?A seguir houve silêncio e a resposta: “Esta ‘mexeu’. Acho que o ser humano é multifacetado, portanto quando diz isso assim, do ponto de vista como professor, pelas causas, como marido, como cidadão, diria que há áreas onde o meu desempenho é melhor que outras. Acho que do ponto de vista pessoal, se olhar para trás, acho que me devo sentir satisfeito. Há áreas onde podia fazer mais e melhor, mas, sobretudo, quero continuar a fazer.”