Fabien Cousteau: “Queremos ligar uma rede de estações subaquáticas internacionais e uma delas pode não ser muito longe daqui”

Fabien Cousteau: “Queremos ligar uma rede de estações subaquáticas internacionais e uma delas pode não ser muito longe daqui”

Neto de Jacques-Yves Cousteau, pioneiro da exploração subaquática, Fabien dedica-se a reforçar o legado oceânico do apelido Cousteau e falou ao DN sobre o seu grande projeto em curso: a estação Proteus.
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Com o projeto Proteus, Fabien Cousteau pretende criar no fundo dos mares uma rede de estações subaquáticas internacionais onde os cientistas possam viver e trabalhar durante largas temporadas, como já acontece no espaço, com a Estação Espacial Internacional. A primeira deve surgir em 2026 nas águas de Curaçau. Mas a costa portuguesa pode ser candidata a uma das futuras localizações, um “segredo” destapado pelo explorador durante a sua apresentação na Glex Summit, a cimeira dos exploradores mundiais que decorreu na ilha Terceira. 

Enquanto “meio mundo” discute a exploração do espaço e um futuro da humanidade em estações espaciais, o Fabien acredita que deveríamos equacionar viver em estações subaquáticas no fundo dos mares. Porquê?
Sim, como uma das abordagens. Repare, a NASA andou 30 anos após a chegada à Lua a enviar robots para o espaço para chegar à conclusão que a tecnologia é fantástica, os robots são ótimos e a inteligência artificial também, mas não há nada que substitua o ser humano. E por isso quer voltar a enviar para lá humanos com a missão Artemis. Na exploração oceânica moderna, desde 1943 tem havido muitas abordagens: mergulho, veículos operados remotamente, veículos autónomos, descida em submersível… Todas estas ferramentas são maravilhosas, mas todas têm vantagens e desvantagens. E se olharmos para esta panóplia de instrumentos falta um muito valioso na caixa de ferramentas da exploração oceânica, algo que nenhuma das outras nos dá e que é tempo ilimitado no fundo do mar, especialmente para os seres humanos com tecnologias avançadas. É possível descer num submersível científico, se formos muito resistentes, oito horas, talvez, até 10 horas, se estivermos num submarino de alto desempenho, mas nessa altura temos fome, estamos cansados, precisamos de ir à casa de banho, todas estas coisas, por isso temos de voltar à superfície, além de que as baterias são limitadas. Com outras tecnologias, é a falta de natureza tátil, a falta do elemento humano que as torna limitativas. Por isso poder viver e trabalhar numa estação subaquática, da mesma forma que já podemos fazer há anos no espaço, na Estação Espacial Internacional [ISS, na sigla em inglês], dar-nos-á uma perspetiva e uma visão que nenhuma dessas outras ferramentas nos pode dar. E dá-nos a capacidade não só de analisar a biologia e a mecânica do funcionamento dos sistemas subaquáticos, mas também de conhecer e descobrir novas espécies, novos produtos químicos, os genomas… Amostragem que, de outra forma, estaria potencialmente muito corrompida quando a trazemos do seu ambiente nativo para um ambiente estranho, ou seja, o ar, e depois congelamos as amostras durante meses, anos ou mais. Inevitavelmente, perde-se muita dessa informação. Por isso um habitat subaquático é uma verdadeira extensão da compreensão do nosso planeta, para podermos tomar melhores decisões.

Poderíamos dizer que o projeto Proteus é o seu Conshelf [projeto do avô, Jacques Cousteau, nos anos 60], a sua contribuição para o legado oceânico da família Cousteau?
Sim, Proteus foi inspirado, entre outras coisas, pela série de habitats subaquáticos Conshelf. E, em grande parte, a narrativa de Proteus é diretamente inspirada por Conshelf. Só que hoje, em 2024, estamos a olhar para as abordagens tecnológicas mais avançadas para chegar ao máximo de pessoas, o que inclui transmissão em direto e todo o tipo de novas plataformas, novas formas experimentais de ligar as pessoas. E isto é de extrema importância, porque a ciência, as descobertas, a recolha de dados e tudo isso é extraordinariamente importante, mas se não falarmos sobre isto e não fizermos com que as pessoas compreendam, pessoas que provavelmente nunca terão a oportunidade de se tornarem aquanautas ou nunca olharão para debaixo do verniz azul da superfície do mar, como podemos esperar que elas concordem com a razão pela qual devem mudar o seu comportamento? Porque é que devem considerar o oceano como parte do seu sistema de suporte de vida? Como vão perceber que a respiração tem a ver com os oceanos? Que a temperatura tem a ver com os oceanos? O que é que o oceano tem a ver com os preços dos alimentos no seu prato? Como é que o oceano pode ser fonte da mais recente e melhor biotecnologia que traz cura para o cancro? Tudo isso é importante, mas se não conseguirmos comunicá-lo ao público em geral, então estamos a perder metade da imagem. O storytelling é fundamental. E não me interpretem mal, porque eu gosto do espaço, adoro sonhar, e tudo isso, mas numa escala pragmática, euro por euro, o retorno do investimento na exploração dos oceanos é mil vezes maior para a humanidade. Proteus não só é a estação de investigação mais avançada, de natureza modular - e por isso atualizável, tal como a ISS -, mas também é uma plataforma de transmissão que permite conectar os residentes de Proteus, sejam eles professores, cientistas, engenheiros, etc., que viverão e trabalharão neste ambiente louco e extremo, com os seus alunos ou a especialistas de todo o mundo, pessoas que possam estar a fazer biomedicina ou de outra área qualquer e que venham a beneficiar das descobertas feitas na Proteus para o seu trabalho. Isto é o mais fascinante. 

E como está o desenvolvimento da Proteus? Quando teremos a primeira estação subaquática internacional em Curaçau? 
É a pergunta que faço todos os dias à minha equipa: quando é que isto irá acontecer? Estamos a projetar para o final de 2026, início de 2027, o mais tardar, a nossa primeira missão. 

O Fabien vai nessa primeira missão? 
Sim, nunca pediria a alguém para fazer o que eu próprio não estou disposto a fazer. Por isso eu vou liderar a primeira missão e depois disso é convosco (risos). Já fizemos a avaliação do impacto ambiental e estamos agora na fase da avaliação de engenharia e perceber também o que está lá em baixo. Quão duro é o chão, como asseguraremos que o habitat é estável, etc. Curaçau, não sei se conhece, é como os Açores, é um pináculo no meio do oceano. Portanto é um local potencialmente muito complicado para construir debaixo de água. Todas estas avaliações são necessárias antes de começarmos a construir para garantir que minimizamos o nosso impacto no fundo do oceano e maximizamos as oportunidades. Temos cerca de dois anos para nos aprontarmos, mas em menos de seis meses, provavelmente, já poderemos mostrar as apresentações finais do projeto Proteus.

Na sua apresentação aqui, na Glex Summit, na ilha Terceira, mostrou um mapa com algumas possíveis localizações futuras de novas estações subaquáticas Proteus. E uma estava muito perto da costa portuguesa. É realmente uma possibilidade futura? O que há sobre isso?
Não posso confirmar nem desmentir nada... (risos).  Sim, fiz uma sugestão pouco subtil durante a minha apresentação. Originalmente, a ideia do Proteus era uma estrutura muito abrangente debaixo de água, uma grande ISS do oceano, mas à medida que nos aventurámos na nossa viagem, depois de a termos anunciado durante a covid, apercebemo-nos de que éramos solicitados por vários países, vários grupos, que gostariam de ter uma estação destas no seu ecossistema. E assim percebemos que a importância do projeto era muito maior do que apenas fazer um habitat subaquático, que poderíamos ligar uma rede destes habitats. Portanto estamos a avaliar, como mostrei no mapa, alguns outros pontos estratégicos onde poderemos implementar habitats para criar esta rede subaquática. Ainda é muito cedo para o dizer, mas uma dessas futuras estações pode não ser muito longe daqui.

Mas já houve ou há contactos com o Estado português ou algumas instituições?
Tem de envolver vários níveis. Tudo tem de estar alinhado, certo? As finanças têm de estar alinhadas, porque, como empresa de bem social, temos de fazer contas para ter a certeza de que faz sentido. A ciência e o desejo por esse tipo de conhecimento têm de funcionar, a engenharia também tem de funcionar. Tem de haver infraestruturas terrestres suficientes e talento pessoal específico que façam sentido a nível local, porque queremos poder beneficiar a comunidade local tanto quanto possível. Como empresa de bem social, é muito importante para mim que o projeto traga um benefício não só para o mundo mas também para a comunidade local. 

Que soluções podemos encontrar nos oceanos para os problemas que enfrentamos hoje em terra?
O nosso meio terrestre é um quase nada no universo. Estamos focados em terra, como seres humanos, porque é onde vivemos, mas o meio terrestre é apenas uma superfície. Vemos o que se passa neste meio porque somos criaturas terrestres. Vemos o lixo, o desaparecimento de alguns animais, os impactos das alterações climáticas, mas no oceano, porque está distante da nossa vista e nenhum humano lá vive, a maioria do impacto humano não está quantificado, porque não é sequer visto, percecionado. Isso acontece, em grande parte, porque explorámos apenas cerca de 5% do nosso oceano até à data e também por esta ideia errada, que foi alimentada durante décadas, de que o oceano é um recurso inesgotável, para onde podemos deitar fora as coisas que não queremos ver em terra e sobre as quais, longe da vista, não temos de nos preocupar. Essa abordagem conduziu aos problemas atuais. E, de repente, estamos a acordar com uma ressaca. E começamos a ficar em pânico. São muitas as más notícias, muitas. E, claro, quanto mais fundo formos, mais más notícias. Há também o outro lado da moeda, um despertar que dá esperança, e uma esperança realista. Porque, à medida que estas gerações crescem, a sua mentalidade proativa tem de ser alimentada pela descoberta, por histórias de inovação e pelo impacto positivo que elas estão a ter em diferentes comunidades. E só o podemos fazer se formos lá e o virmos por nós próprios. Filmar, explicar, discutir as coisas. Olhem para esta comunidade, vejam o que está a acontecer aqui. Olhem para esta área marinha protegida, está a voltar - e os Açores têm uma área marinha protegida mesmo à porta de casa. Estas são histórias que dão esperança aos seres humanos. Temos de explicar isto de uma forma muito sensata, empoderadora, mostrando que as nossas decisões têm determinado impacto. E que esse impacto pode ser positivo, dependendo de nós. Não custa mais agirmos de uma forma ou de outra. Se pensarmos na nossa ligação com o oceano, de repente podemos tomar uma melhor decisão, e se tomarmos uma melhor decisão, mais justa para o nosso sistema de suporte de vida, não só nos iremos sentir bem, o que é um retorno emocional, como também alcançaremos um benefício tangível. Se você ou o seu vizinho, a sua família, a sua comunidade, o seu governo, começarem a fazer a mesma coisa, de repente está a encher o cesto da ação positiva muito rapidamente. E temos visto um ressurgimento saudável nas comunidades que fazem isso.

Claro que ser neto de alguém como Jacques-Yves Cousteau, que ainda para mais o fez ter a primeira experiência de mergulho aos quatro anos, terá tido uma grande influência, mas quando é que se apercebeu de que os oceanos seriam de facto a sua causa?
Sempre fui curioso e apaixonado pelo oceano, porque fui exposto a ele desde muito novo. Enquanto crescia, estava rodeado de alguns dos melhores professores possíveis, os pioneiros de ontem, os que estavam a fazer experiências com coisas que desconhecíamos, a filmar pela primeira vez novas espécies e a ir para os locais mais extremos do planeta. Essa era a minha sala de aula. Quando ia para a escola a sério, era um péssimo aluno, porque já sonhava com a próxima expedição. Mas tentei outras coisas. Entrei no mundo dos negócios e estudei Economia Ambiental no tempo em que ninguém sabia o que isso significava. E utilizando as ferramentas que aprendi no exterior, fora da minha bolha, regressei ao mundo de exploração dos oceanos e disse: “Ouçam, podemos fazer isto e ganhar a vida com isso.” E este processo de pensamento e esta dedicação vão para projetos como o Proteus, onde podemos fazer isto para um bem maior, mas não há razões para não aproveitarmos estas inovações para criar negócios com benefícios tangíveis para as pessoas. Porque, afinal de contas, os seres humanos são autopreservacionistas. Não quero dizer que sejamos criaturas egoístas, mas pensamos em nós primeiro, na família depois, talvez na nossa comunidade e depois, sim, no resto do mundo. Por isso, como chegamos às pessoas? Em último recurso, temos de focar a mensagem nos impactos que as coisas têm na vida de cada um de nós. 

Passou 31 dias debaixo de água, na Missão 31, e diz que não queria voltar à superfície. Porquê? O que retirou dessa experiência?
Foi tão importante por várias razões! Como, por exemplo, testar a psicologia e a fisiologia do ser humano sob condições extremas e de isolamento. E isso também tem aplicações práticas na exploração espacial, por exemplo. O que eu descobri é que numa pequena comunidade a viver debaixo de água e a trabalhar arduamente todos os dias, com 10 a 12 horas de mergulho por dia, tornamo-nos muito próximos e unidos. Tanto que uns 10 dias depois começámos a ficar irritados pelo simples facto de alguém da equipa de apoio mergulhar para se assegurar de que estava tudo bem, e esse tipo de coisas. É muito interessante o processo de adaptação psicológica nestas circunstâncias. E imagino que no espaço ocorra o mesmo.  Além disso, quanto mais tempo passamos naquele ambiente, mais os animais se acostumam à nossa presença e começamos a ser mais um elemento natural da “vizinhança”, e não uma ameaça. Ao final de um tempo eles ignoram-nos e vão às suas vidas, e isso dá-nos a possibilidade de efetuarmos observações e interações muito interessantes, pois tornamo-nos quase família. É muito entusiasmante.  Há sempre algo interessante a acontecer. Uma novela autêntica diante dos nossos olhos. Não precisamos dos dramas das redes sociais ali. Por isso o meu estado emocional ao fim desses 31 dias foi como o de uma grande mudança na tua vida, como mudar de casa ou de país pela primeira vez, por exemplo. Tive que abdicar desse local a que me habituei como sendo a minha casa durante aqueles 31 dias e trocar aquele maravilhoso caleidoscópio de vida subaquática para voltar à superfície e a este ambiente atmosférico vazio, onde tens por vezes um pássaro ou outro a passar. Foi um despertar violento e eu só queria voltar para lá para baixo. 

Reconhece esta frase: “The Sea, once it casts its spell, holds one in its net of wonder forever”?
Sim, é uma das citações famosas do meu avô.

Aplica-se a si também?
É exatamente assim. É uma forma bastante romântica de explicar o que acontece. Há uma ligação muito emocional. A frustração que eu tive com o scuba diving (mergulho) é que quando as coisas começavam a ficar interessantes, quando eu começava a habituar-me àquele mundo quase alienígena subaquático, era quando tinha de voltar à superfície. Portanto, sim, quanto mais tempo passo lá em baixo mais essa citação se aplica. 

O jornalista viajou para a Terceira a convite da Glex Summit.

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