Estado resolveu pagar mais 153 milhões do que o suposto com os testes à covid-19
André Rolo / Global Imagens

Estado resolveu pagar mais 153 milhões do que o suposto com os testes à covid-19

Auditoria aos processos de testagem e rastreio implementados em Portugal revela que a tutela foi além dos preços técnicos recomendados na comparticipação dos testes de diagnóstico durante a pandemia.
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A não adoção dos preços técnicos propostos e a  demora nas atualizações dos preços levaram o Estado a gastar mais 153,4 milhões de euros do que o recomendado com os testes de diagnóstico da covid-19, entre março de 2020 e abril de 2022. A conclusão é de uma auditoria efetuada pelo Tribunal de Contas aos processos de testagem e ao rastreio de contactos implementados em Portugal, pelas autoridades públicas, durante esse período da pandemia, e cujo relatório final, divulgado ontem, aponta várias críticas.

“O processo de formação dos preços dos testes de diagnóstico da covid-19 comparticipados pelo SNS, tanto para os testes de amplificação de ácidos nucleicos (TAAN) como para os testes rápidos de antigénio (TRAg), nem sempre teve subjacente uma adequada fundamentação do respetivo valor, resultando num acréscimo da despesa pública associada à testagem estimado em 153,4 milhões de euros”, lê-se nas conclusões do relatório.

Esse montante foi apurado pela auditoria do Tribunal de Contas relacionando o preço técnico recomendado pelo Instituto Nacional Ricardo Jorge (INSA) e o preço efetivamente fixado pelo Governo em diferentes fases ao longo desse período de cerca de dois anos. E divide-se em duas parcelas: uma relativa aos chamados testes de amplificação de ácidos nucleicos (TAAN), a mais significativa, na qual o Estado terá gastado mais 97 milhões de euros do que o recomendado; e outra referente aos testes rápidos de antigénio (TRAg), só mais tarde implementados - a comparticipação deste tipo de testes realizados por autodecisão do utente só foi concretizada a partir de julho de 2021 -, que teve um impacto estimado em 56,4 milhões de euros na despesa adicional do SNS face ao preço técnico recomendado. 

O relatório lembra que entre 1 de março de 2020 e 30 de abril de 2022 foram realizados um total de 37,9 milhões de testes de diagnóstico da covid-19. Destes, 51,2% (19,4 milhões) respeitaram a testes TAAN, também conhecidos por testes PCR, e 48,8% (18,5 milhões) a testes TRAg. 

Quanto aos PCR, a auditoria do Tribunal de Contas regista que o preço compreensivo a pagar pelas administrações regionais de saúde (ARS) e unidades locais de saúde (ULS) aos prestadores convencionados sofreu sucessivas atualizações ao longo do período analisado. Nesses cerca de dois anos foram fixados cinco preços distintos, partindo de um preço inicial de 87,95 euros e culminando no preço final de 30 euros por teste.

O valor mais alto entre os países analisados

E se o primeiro preço fixado pela tutela, a 18 de março de 2020, no início da pandemia, respeitava o preço recomendado, esses 87,95 euros  eram, segundo a auditoria do Tribunal de Contas, o mais elevado preço da amostra de um conjunto de dez países analisados (oito europeus, mais Austrália e Israel). 
Em contraponto com os 87,95 euros garantidos pelo Estado português aos prestadores por cada teste TAAN,  a Bélgica pagava apenas 46,81 euros, quase metade. “O preço adotado em Portugal era, a título ilustrativo, superior em 49,1% ao definido na Alemanha e 62,9% ao praticado em França”, sublinha o relatório.

A partir desse valor inicial, todas as atualizações feitas aos preços dos testes PCR foram feitas acima da tabela recomendada pelo INSA. A 2 de junho de 2020, foi proposta uma revisão em baixa para 69,05 euros por teste, mas foi mantido em vigor o valor de 87,95. 

A 25 de julho e a 21 de agosto, foram feitas novas propostas que o preço por teste descesse para os 50,21 euros. Mas a tutela estendeu a validade do valor inicial até 26 de setembro de 2020, data em que o preço fixado baixou para 65 euros - “acima dos preços técnicos propostos em agosto e início de setembro: superior em 14,79 euros (+29,5%) face à primeira alternativa apresentada (50,21) e um acréscimo de 8,79 euros (+15,6%) face à segunda alternativa avançada (56,21).

A atualização seguinte chegou a 7 de junho de 2021 e, mais uma vez, ficou acima do montante técnico recomendado: 40 euros, face aos 35,77. Não obstante, esse preço ainda foi corrigido em alta três semanas depois, a 1 de julho do mesmo ano, para 45 euros/teste.

O preço dos testes TAAN só voltaria a ser atualizado em 1 de março de 2022, para 30 euros, acima dos 25,08 que tinham sido propostos em... outubro de 2021.

À semelhança do sucedido com os testes PCR, também em relação aos testes rápidos antigénio se verificou um desvio entre o preço decorrente do custeio apurado pelo INSA (um preço médio de 8,38 euros e posteriormente de 7,80) e aqueles que vieram a ser os preços fixados pelo Governo: inicialmente de 10 euros, depois revisto para 15, seguindo-se redução de novo para os iniciais 10.

Ao nível da capacidade laboratorial, o relatório realça que, apesar do reforço que existiu no SNS para diagnóstico da covid-19, “foram os laboratórios do setor privado que mais contribuíram para o aumento dessa capacidade”. A larga maioria dos testes  - 28,1 milhões, correspondentes a 74,1% do total - foi realizada por prestadores privados.

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