Mais de 30 por cento de perda de poder de compra nos últimos 20 anos, sistema de avaliação que obriga a ter nota máxima seis anos consecutivos para subir na carreira, situação laboral precária de docentes e investigadores. Estes são alguns dos problemas que o presidente do SNESUP, José Moreira, considera graves e que estão a levar os profissionais ao “ponto de não retorno”..Ao DN, o sindicalista traça um panorama do Ensino Superior (ES) em duas vertentes. No que à ciência produzida pelas instituições diz respeito, é positivo e com um grande impacto dos contributos para a economia. “As nossas empresas têm cada vez mais capacidade técnica, o investimento que foi feito em investigação começou a dar frutos e temos empresas com cada vez mais intensidade tecnológica”. Em situação diferente encontram-se os profissionais, docentes e investigadores, responsáveis por esses contributos. “Para os docentes e investigadores, enquanto trabalhadores, há problemas graves. Houve alguma esperança com este novo Governo, mas continuamos defraudados. Continuamos a ter das carreiras mais diferenciadas, mas também das mais prejudicadas da administração pública”, lamenta. .José Moreira enumera vários problemas, com impacto na vida dos profissionais e consequente “cansaço, desgaste e saturação”. “A primeira questão é a perda de poder de compra, que nos últimos 20 anos já superou os 30%, o que é gravíssimo porque estes profissionais são altamente qualificados. Estamos a perder, em cada 3 remunerações, 1 renumeração”, explica. O presidente do SNESUP acusa os governos anteriores e o atual Ministério da Educação, Ciência e Inovação (MECI) de “fazerem orelhas moucas” à pretensão de ajustar salários face à inflação, ano após ano. .Parte da culpa poderá residir, segundo José Moreira, no facto de a classe não ser tão “reivindicativa ou tão vocal como outros setores”. “Mas há momentos, como este que vivemos agora, em que os docentes e investigadores atingem a saturação e estamos perto de a atingir”, alerta. Pede, por isso, que a tutela olhe para os vencimentos do Ensino Superior “como olha para os das restantes carreiras da função pública”. “Este ano, o nosso aumento (2,3%)será novamente inferior à inflação prevista. A inflação estimada está nos 2,6%. Seguramente, iremos perder novamente poder de compra”, acrescenta..O presidente do SNESUP defende ainda a criação de um sistema de avaliação que permita subidas de carreira efetivas. “Somos a única carreira que, para progredir de escalão, precisa de 6 anos consecutivos com avaliação de nota máxima. Esta situação tem causado graves problemas ao sistema e esta norma tem de ser revogada. Temos de poder progredir com 10 pontos até 2023 e com 8 pontos a partir de 2024, como as restantes carreiras da administração pública”, sustenta. José Moreira diz haver docentes e investigadores que não progridem há muitos anos..Desvalorização da componente letiva e precariedade.Ao DN, José Moreira salienta a existência de uma desvalorização da componente letiva nas instituições de ensino, retirando cada vez mais docentes das salas de aula do ES. “Passamos do 8 para o 80. Em algumas instituições só se valoriza a investigação. Neste momento, a tendência é para desvalorizar a componente de ensino, o que tem repercussões na qualidade de ensino”, alerta. O presidente do SNESUP relembra que “são as famílias, com os seus impostos, que sustentam as instituições” e fazem-no, principalmente, para a formação dos seus filhos. “As instituições têm duas missões e a transmissão do conhecimento é uma delas. Se nada for feito, nos próximos anos o problema vai agravar-se, sobretudo naquelas universidades ou politécnicos que não são consideradas instituições de ponta. Não é saudável, nem é bom para o país”, refere..A precariedade também preocupa José Moreira, que tem vindo a alertar para situações que se arrastam há “20 anos ou mais”. Como o facto de 85% dos investigadores terem contratos precários. Os professores convidados vivem também esse problema laboral, pois estão “a cumprir funções permanentes sem os direitos de um professor de carreira”. “Não é razoável, por exemplo, que cadeiras de formação básica estejam a ser lecionadas por professores convidados. É uma questão que tem de ser debatida e resolvida nos próximos tempos”, afirma..Questionado pelo DN sobre se as greves poderão estar em cima da mesa, José Moreira diz não querer tomar posições de força, mas não descarta essa possibilidade, se essa for a vontade dos associados. “Os docentes e investigadores têm particularidades que os fazem ser pouco reivindicativos. Mas o que sinto é que, neste momento, se pode aproximar a tempestade perfeita. O sistema está prestes a explodir. Houve algumas válvulas de escape, como algumas progressões e concursos internos, mas os problemas de fundo mantêm-se e nos próximos tempos vão ouvir falar mais nos problemas do ES”, salienta..Para o presidente do SNESUP, os problemas tornaram-se “tão prementes que já não haverá capacidade de o sistema aguentar”. “Se não formos ouvidos, os protestos vão aumentar até final do ano letivo. Gostaríamos que as situações de rotura fossem evitadas, pelo bem dos nossos alunos, mas a paz podre está a acabar. É esta a nossa mensagem para a Tutela: é o momento de ouvir dos docentes e investigadores do ES”, conclui. Segundo José Moreira, apesar dos inúmeros pedidos, o sindicato não foi ainda ouvido pelo MECI.