Desde outubro que a paisagem de final de noite em frente à Câmara do Porto se pinta com as cores da Palestina adornadas pelos tradicionais Kufiya, os típicos lenços desse território que o antigo líder Yasser Arafat popularizou como símbolo da resistência palestiniana. Ali, todas as noites, desde a escalada de conflito que se seguiu ao ataque do Hamas em território israelita a 7 de outubro, montam-se vigílias pela libertação da Palestina face ao que apontam ser uma ocupação “não dos últimos três meses, mas pelo menos de há 75 anos”. São apenas um exemplo das muitas “ações de resistência” organizadas pelo Coletivo pela Libertação da Palestina, nascido em maio passado e protagonista, nos últimos tempos, de várias iniciativas mais controversas do que estas vigílias noturnas. Como o foram os cartazes desfilados na última manifestação pela habitação, também na Invicta, com frases que levantaram inflamadas acusações de antissemitismo..Antes disso, os elementos deste coletivo já tinham deixado a sua marca visível (literalmente) de forma mais “radical” - apontam-lhes os críticos e assumem os próprios - em ações e locais tão distintos como a Câmara Municipal de Lisboa, a loja da Zara na meca do comércio portuense (rua de Santa Catarina) e as instalações das empresas Navigator e Steconfer, todos eles já pichados a tinta vermelho sangue devido ao que estes ativistas alegam serem ligações ao Estado de Israel e a um regime que apelidam de sionista. .Quem é e o que defende então o Coletivo pela Libertação da Palestina? Comecemos pela carta de princípios fixada pelo movimento na sua conta na rede social Instagram e na qual se pode ler então que defendem “a solidariedade incondicional com a autodeterminação palestiniana e a resistência contra uma ocupação colonial que se iniciou antes de 1948 e se mantém até aos dias de hoje”, consideram “Palestina toda a Palestina Histórica, ‘do rio ao mar’”, não reconhecem “as fronteiras que o estado sionista toma como suas”, entendem “a luta por uma Palestina livre tem como uma luta interseccional e sem fronteiras”, querem “descolonizar ações e pensamentos”, recusando-se a “que sejam outras pessoas” que não as palestinianas “a apontar os caminhos para a sua autodeterminação”, e assumem-se “radicais” por... quererem “ir à raiz do que levou à criação e manutenção desta ocupação”..Para lá das ações e slogans mais contundentes que ganharam projeção mediática, o coletivo, cuja atividade se tem feito notar mais em Lisboa e Porto mas está também presente em outras cidades, desmultiplica-se em iniciativas para divulgar a causa, a história e a cultura palestinas. Além das manifestações, marchas, protestos, vigílias e apelos a boicotes de instituições e empresas israelitas, o Coletivo pela Libertação da Palestina tem organizado e promovido serões de poesia palestina, tertúlias, mostras de cinema, concertos e artes performativas. .“Confundir sionismo com judaísmo é um erro”.Contactados pelo DN, alguns dos seus membros - o coletivo conta com várias dezenas de associados, entre eles alguns palestinianos a viver em Portugal -, como o jornalista Ricardo Esteves Ribeiro ou a médica humanista Ana Paula Cruz, optaram por não prestar declarações nesta altura, para “não aumentar o ruído” de uma polémica que consideram “fabricada” intencionalmente para “descredibilizar” a causa da resistência palestina. Uma decisão tomada em consenso pelos membros do coletivo, comunicam ao DN. O que é, aliás, outro ponto da sua carta de princípios: “Organizamo-nos de forma horizontal, evitando hierarquias, autoritarismos e centralismos. Decidimos por consenso e somos solidariamente responsáveis pelas decisões do coletivo.”.E remeteram para um comunicado que fizeram chegar às redações ao início da noite, no qual reagem às críticas de antissemitismo suscitadas pelos cartazes mostrados na manifestação pela habitação no Porto (ver fotos), que levaram mesmo o socialista Francisco Assis a colar-lhes o rótulo de “uma certa extrema-esquerda imbecil e semianalfabeta”: “Qualquer crítica, ataque, combate contra o sionismo é, na sua essência, [catalogada como] antissemita, anti-judeu. Basta ouvir Benjamin Netanyahu, ou tantos outros líderes do projeto colonial sionista, para entender que a acusação é utilizada para descredibilizar toda e qualquer ação de solidariedade com o povo palestiniano. Contudo, o argumento é perigoso e desinformado: confundir sionismo e judaísmo, sionistas e judeus. É um erro.”.Com críticas a vários órgãos de comunicação social por veicularem essa “ideia errada” de antissemitismo, inclusive ao Diário de Notícias e a uma crónica da jornalista Fernanda Câncio, os ativistas do Coletivo pela Libertação da Palestina referem que só podem “ler o foco dado a este caso como uma procura ativa de deslegitimar a mobilização solidária com o povo palestiniano em Portugal, intimidando ativistas com um sentimento de medo, fruto de um juízo de reprovação em praça pública.”.Já para a direção da Comunidade Israelita do Porto (CIP/CJP), ouvida pelo DN a propósito das mensagens exibidas nos cartazes em questão, “desfilar por horas, numa manifestação organizada, na cidade portuguesa com a maior comunidade judaica e muitos empresários judeus laboriosos, exibindo mensagens como ‘não queremos ser inquilinos de sionistas assassinos’, não é um problema de ‘cartazes’ e de ‘panos’, pelos quais a responsabilidade é individual, mas sim um problema de discriminação e incitamento ao ódio e à violência, contra o qual a polícia deveria ter agido de imediato.”.Para a CIP/CJP, trata-se de antissemitismo o facto de “num país com uma população de 10 milhões de pessoas e cerca de 5000 judeus (0,05% do total da população), grande parte deles chegados na última década, a minoria judaica já começar a ser acusada de pôr em risco direitos fundamentais dos portugueses, como o direito à habitação.”