Diretor nacional da PJ, Luís Neves
Diretor nacional da PJ, Luís NevesLeonardo Negrão

Diretor nacional da PJ: contra factos não há argumentos. Cinco pontos sobre a audição de Luís Neves

O diretor nacional da PJ entregou aos deputados um documento de 59 páginas com análises longas, de 20 e 30 anos, à evolução da criminalidade. Porque sobre “perceções” há argumentos, mas não factos.
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1- “Combater o discurso de ódio é uma missão de todos”

Quando, na conferência que comemorou os 160 anos do Diário de Notícias, o diretor nacional da PJ desconstruiu as teses que associam um aumento de crime violento ao aumento da imigração, estava também a fazer prevenção criminal contra os crimes de ódio. Porque os discursos que estigmatizam certas comunidades de estrangeiros alimentam extremismos à direita à esquerda.

Do discurso incendiado passa-se à ação e os chamados “crimes de resultado”, como os homicídios, as agressões, entre outros, assumem-se como a expressão física das palavras extremadas. Estes crimes são potenciados nas redes sociais e através de fake news.

Fala-se de “perceções de insegurança, mas não temos nenhum estudo científico validado relativamente a essa matéria. Essa é a grande questão. Se falamos em transparência e verdade é não adequarmos os dados a uma narrativa de cada um, mas ter dados seguros. Foi isso que procurei fazer

Fala-se de “perceções de insegurança, mas não temos nenhum estudo científico validado relativamente a essa matéria. Essa é a grande questão. Se falamos em transparência e verdade é não adequarmos os dados a uma narrativa de cada um, mas ter dados seguros. Foi isso que procurei fazer”, assinalou Luís Neves.

Logo na abertura da audição na Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, por requerimento da Iniciativa Liberal, que pediu "esclarecimentos sobre o real estado da criminalidade em Portugal", o diretor nacional da PJ enfatizou: “Combater o discurso de ódio é uma missão de todos”, enfatizou Luís Neves.

Quando olhamos para o gráfico sobre a evolução dos crimes contra a identidade cultural / identidade pessoal, que incluem os crimes de ódio, um dado que consta do documento entregue aos deputados, é abissal o crescimento desta categoria criminal: um aumento de 9075% entre 2011 e 2023. De 4 crimes registados passou para 367.

"Temos muitas fake news, muita desinformação, muito racismo, que são a base dos crimes de ódio. (...)

Na sua intervenção final

2- Criminalidade e imigração

O diretor da PJ separou as águas: "um imigrante é estrangeiro, mas um estrangeiro não é necessariamente um imigrante. As cadeias têm muitos estrangeiros presos que não são imigrantes. A esmagadora maioria usou o território nacional para cometer crimes, boa parte mulas da droga, mulheres pobres da América latina. As cadeias femininas estão cheias destas mulheres".

Tal como o DN já tinha noticiado, levou aos deputados os registos de detidos da PJ distinguindo nacionais de estrangeiros.

É possível observar que o número de reclusos não acompanha o aumento do número de estrangeiros residentes em Portugal, registando-se, inclusive, uma descida de 28,08% dos reclusos estrangeiros

Esses dados demonstram uma evidente tendência: "É possível observar que o número de reclusos não acompanha o aumento do número de estrangeiros residentes em Portugal, registando-se, inclusive, uma descida de 28,08% dos reclusos estrangeiros em 2023, face a 2013, enquanto que o número de estrangeiros residentes em Portugal aumentou 160%", conclui a PJ na análise feita para os deputados.

Leonardo Negrão

Se em 2009 a percentagem de detidos por população estrangeira era de 0,122%, em 2023 foi de 0,045%.

Por outro lado, "apesar de se observar um ligeiro aumento da percentagem de reclusos estrangeiros entre 2021 e 2023, comparando os valores de 2013 com os de 2023 observa-se uma diminuição de 1,8%".

Assinalou ainda que “os tribunais portugueses, numa similitude entre um nacional e um estrangeiro, prendem tendencialmente mais um estrangeiro, pela questão do perigo de fuga. Não quer dizer que depois essa pessoa seja condenada, porque há uma presunção de inocência, ou que, sendo condenada, seja condenada a uma prisão efetiva”.

3- Quem são os 120 reclusos estrangeiros de "outros países"?

Foi um número revelado pelo diretor da PJ na Conferência do DN que causou alguma controvérsia devido a ter sido descontextualizado e truncado por alguma comunicação social.

Luís Neves referiu que entre a população de detidos em Portugal existiam cerca de 120 estrangeiros de "outros países", para se referir aos que não estão discriminados pela respetiva origem (como da Europa, África, etc.) no relatório dos Serviços Prisionais.

O diretor da PJ esclareceu, à margem da conferência, que se referia a “nacionalidades e origens das pessoas que estão mais em foco” e que são “de tal forma insignificantes [tendo em conta o número de ocorrências] que nem aparecem” especificadas.

Essas outras nacionalidades são: Afeganistão, Austrália, Bangladesh, China, Índia, Irão, Iraque, Israel, Nepal, Palestina, Paquistão, Síria, Tailândia, Uzbequistão.

4- A evolução da criminalidade em 30 anos

Para a PJ são estas as conclusões relevantes para o período de 1993 a 2023 (30 anos):

- os números relativos à criminalidade total participada se têm mantido estáveis, com um pico registado em 2008. Contudo, e quando seccionado o gráfico geral, observa-se um aumento significativo do crime de 1993 a 2008 (41%) seguido de uma diminuição entre 2009 e 2023 (-13%). Apesar dessa diminuição, destaca-se um aumento de 24% entre 2020 (ano de pandemia) e 2023. Contudo, os números absolutos de 2023 apenas encontram eco no ano de 2001.

Leonardo Negrão

- Quando analisados os grandes grupos de crimes, ao longo dos 30 anos verificam-se aumentos nos crimes contra as pessoas (32%), contra o Estado (201%), contra a vida em sociedade (86%) e contra a identidade cultural/integridade pessoal (9075%).

Nos crimes contra o património e na legislação avulsa verifica-se uma diminuição de (-25%) e (-45%), respetivamente.

- Destacados os seguintes crimes:

• Abuso sexual regista um aumento significativo (123%) entre 1998, data do primeiro registo, e 2023;

• Ofensa à integridade física voluntária grave regista uma diminuição significativa (-40%) entre 1993 e 2023;

• Homicídio voluntário consumado apresenta uma forte diminuição (-79%) entre 1993 e 2023;

• Branqueamento de vantagens de proveniência ilícita apresenta um aumento significativo (420%) entre 2005, data do primeiro registo, e 2023;

• Analisando o total de roubos, observa-se um aumento (61%), sendo que, quando observado apenas desde 2010, observa-se uma diminuição bastante marcada (-56%).

• Extorsão (crime em que a extorsão por via informática tem particular incidência) apresenta um aumento muito significativo (1553%) entre 1993 e 2023;

• Crimes informáticos apresentam um aumento exponencial (21399%);

• Crimes relacionados com tráfico de estupefacientes regista um aumento significativo (37%);

• Crimes de auxílio à imigração ilegal e tráfico de pessoas apresentam um aumento significativo, de (114%) e (585%), respetivamente.

Na audição, Luís Neves sublinhou que o aumento de crimes relacionados com imigração ilegal, tráfico de seres humanos e tráfico de droga, se devem "à maior proatividade policial".

A PJ salienta a diminuição, desde 2008, dos crimes contra a propriedade e um crescimento bastante marcado de crimes como o abuso sexual, branqueamento de vantagens de proveniência ilícita, extorsão, crimes informáticos e crimes de auxílio à imigração ilegal e tráfico de pessoas.

5- Sobre as nacionalidades dos suspeitos

O diretor da PJ revelou que "metade dos países europeus não publicam dados sobre a nacionalidade dos suspeitos.

A PJ conhece a nacionalidade de todos os seus detidos, mas não consegue ainda distinguir os que são imigrantes, com título de residência no nosso país, e os estrangeiros em geral. Só com esta distinção será possível analisar em rigor a relação entre a imigração e a criminalidade.

"A PJ conhece a nacionalidade de todos os nossos detidos, mas não partilhamos [esses dados] porque não nos tem sido permitido partilhar", explicou Luís Neves a propósito da questão da introdução da nacionalidade no Relatório Anual de Segurança Interna (RASI), recentemente aprovada.

Lembrou que no RASI "o que é registado são os suspeitos indicados na participação dos crimes", o que não quer dizer que no decorrer das investigações isso seja confirmado ou venham a ser condenados em tribunal.

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