A GNR e a Polícia Judiciária (PJ) detiveram esta terça-feira, 28 de outubro, dois suspeitos de terem estado envolvidos no abalroamento de uma embarcação da GNR, com recurso a uma lancha, causando a morte de um militar da Guarda.Ao que tudo indica, os dois suspeitos já estavam referenciados por tráfico de droga em Espanha. Após a detenção, foram entregues à PJ para serem interrogados. Os suspeitos foram detidos quando tentavam atravessar uma ponte, num carro de matrícula espanhola, a caminho do país vizinho. Teriam na sua posse "avultadas quantias de dinheiro".Na origem das detenções está a intersecção a uma lancha rápida, na zona de Alcoutim, detetada pela GNR na noite de segunda-feira, pelas 23h15, através do seu sistema de gestão costeira. Quando foram intercetados, os suspeitos abalroaram a embarcação da Guarda, provocando a morte do militar e ferimentos noutros três operacionais. Esta lancha seria depois encontrada cerca de quatro quilómetros mais à frente, abandonada e em chamas. Os suspeitos colocaram-se em fuga, tendo dois deles sido agora detidos.Ouvido pelo DN, Luís Matos, militar da GNR e coordenador da região sul da Associação de Profissionais da Guarda (APG), refere que “colocar mais meios humanos” à disposição da Guarda Nacional Republicana (GNR) poderia “ajudar” a que situações como a da noite de segunda-feira, em Alcoutim, se tornassem “menos gravosas”.Segundo disse Carlos Canatário, porta-voz da GNR ao DN, “não há informação” sobre a origem e o destino desta lancha rápida. No entanto, o modus operandi associado ao tráfico de droga levanta duas hipóteses: “Normalmente, quando se trata de cocaína, estas lanchas vêm da América do Sul, fazendo a trasfega no Atlântico. Se for tráfico de haxixe, serão provenientes do norte de África, passando o produto estupefaciente de uma embarcação maior, no Mediterrâneo, para estas lanchas que depois tentam entrar na Europa por esta via.” Questionado sobre o assunto, o responsável não quis adiantar nenhuma possibilidade sobre o que terá acontecido aos estupefacientes neste caso.Antes de se colocarem em fuga, os suspeitos terão ficado encalhados na margem do rio, com a lancha a incendiar-se pouco depois. Será isto uma suspeita de fogo posto? Luís Matos, da APG e colega de Pedro Manata Silva na Unidade de Controlo Costeiro e de Fronteiras de Olhão, não descarta essa possibilidade: “Não consigo responder a isso, mas normalmente, nestes casos, as embarcações vêm de alto mar, fazem o desembarque [da droga] tanto no Guadiana como no rio Pedras, em Espanha, queimam a lancha e depois escapam”.Segundo o militar da GNR, este tipo de situações poderia ser mais acautelada se houvesse maior cooperação e meios ao dispor da guarda. “Este é um tipo de serviço que não se costuma ver e tal só acontece quando há uma grande apreensão ou, como neste caso, um acidente. O trabalho é sempre feito em cooperação com o lado espanhol e a Guardia Civil. Ontem [segunda-feira], assim que foi enviado o alerta, colocaram um helicóptero no ar. Algo que não se verificou do nosso lado. A GNR não tem aeronaves e não vi uma que fosse da Força Aérea a vir em auxílio”, critica Luís Matos, que acrescenta que a embarcação mobilizada pela GNR “ficou completamente destruída e não servirá para nada”.De acordo com o jornal Diario de Huelva, o caso “mobilizou um amplo dispositivo” para o terreno, composto por “35 efetivos e 14 veículos de emergência”.Marcelo promulgou lei horas depois do incidenteHoras depois deste caso, o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa promulgou um diploma que regula o uso de lanchas rápidas para o combate ao tráfico de droga.Ao mexer nesta área - cuja legislação vigorava desde 1990, estipulando apenas regras de circulação -, este diploma passa a prever uma moldura penal entre um e quatro anos de prisão a “quem transportar, importar ou exportar” lanchas rápidas ou nelas “entrar ou sair do território nacional” sem autorização da Autoridade Tributária e Aduaneira. Além disso, quem quiser construir ou modificar embarcações de alta velocidade terá de submeter os projetos à Direção-Geral de Recursos Naturais, Segurança e Serviços e Marítimos. Se tal não for feito, pode incorrer-se numa pena de prisão até dois anos. A mesma moldura penal é aplicável aos tripulantes que transportem numa destas embarcações mais combustível do que o permitido, bem como se tentarem ‘camuflá-las’ junto dos radares com recurso a tintas ou dispositivos eletrónicos.As coimas são também agravadas até um máximo de 25 mil euros para pessoas individuais. No caso de serem pessoas coletivas, esse montante poderá ir até 100 mil euros.Interceção e abandono de cada vez mais comunsNo entender da APG, mexer na lei pode não ser suficiente. Luís Matos exemplifica que “Espanha também mudou a lei e basta olhar para o caso deles”. Segundo o militar da Unidade de Controlo Costeiro e de Fronteiras de Olhão, “continua a haver interceções todos os dias” em águas espanholas. Por isso, a solução é só uma: “Deem-nos mais meios para combater esta questão.”Ainda assim, as interceções a este tipo de lanchas rápidas, cujo fabrico tem um baixo custo associado têm vindo a tornar-se frequentes. Por exemplo, em fevereiro de 2024, dois agentes da Guardia Civil morreram após terem visto o seu barco-patrulha ser abalroado por uma destas embarcações. Segundo noticiou a agência Efe na altura, cerca de seis barcos de traficantes de droga refugiaram-se de uma tempestade no porto de Barbate, na zona de Cádis, no sul de Espanha. Quando abordados pelas autoridades daquele país, os criminosos abalroaram o navio da Guardia Civil, passando por cima e vitimando os operacionais.Além disso, nos últimos tempos o número de lanchas abandonadas a dar à costa em Portugal tem aumentado. Em junho deste ano, por exemplo, as autoridades encontraram uma destas embarcações na Trafaria, em plena foz do Tejo, contendo fatos de mergulho a bordo.Meses mais tarde, em agosto, a Autoridade Marítima Nacional (ANM) intercetou dois semi-rígidos junto à Ponte Vasco da Gama, com 22 toneladas de combustível a bordo. Após a perseguição feita com apoio dos fuzileiros, as embarcações foram apreendidas.Os tripulantes - oito, no total, de nacionalidades espanhola e colombiana - foram detidos. Uma vez ouvidos em tribunal, foram constituídos arguidos, tendo saído em liberdade.Lanchas são “quase artesanais”A lancha intercetada no Guadiana é semelhante a outras destinadas ao tráfico de droga. Segundo as fontes da GNR ouvidas pelo DN, o perfil é claro: são embarcações de fabrico “quase artesanal”, com um custo de produção “baixo”. São construídas como semi-rígidos, levam ainda “três ou quatro motores, de 350 cavalos de potência cada um”, o que lhes permite fazer grandes distâncias e chegar a outras embarcações em alto mar. Apesar de serem facilmente construídas, estas lanchas “são robustas” e destinam-se “apenas a esta função”. Por isso, os traficantes “não têm problema” em desfazer-se das embarcações, caso seja necessário..Militar da GNR morre em colisão com lancha no Guadiana. Ministra garante "compromisso solene" do Governo para apanhar autores do crime .Marcelo promulga diploma que regula uso de lanchas rápidas