Desconfinar, sim. Mas só com teletrabalho, venda ao postigo e sem reuniões familiares

Portugal é agora o país com o mais baixo R(t) da Europa. Ou seja, com menor índice de transmissibilidade da doença. Os especialistas disseram ontem no Infarmed que se pode preparar o desconfinamento, mas com restrições e controlo nas fronteiras.
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António Costa ouviu esta segunda-feira seis especialistas durante a habitual reunião no Infarmed entre peritos na área da Saúde Pública e o poder político - André Peralta da Direção-Geral da Saúde; Baltazar Nunes, do Instituto Nacional de Saúde Ricardo Jorge; João Paulo Gomes, também do INSA; Henrique Barros, do Instituto Superior de Saúde Pública da Universidade do Porto (ISPUP); Óscar Felgueiras do ISPUP e da Administração Regional de Saúde do Norte (ARSN) e Raquel Duarte, pneumologista, professora no ISPUP e também da ARSN - e, no final, disse ter "uma base científica mais sólida para tomar decisões".

Na quarta-feira, o primeiro-ministro vai reunir com os partidos políticos para discutir o desconfinamento e a hipótese de os novos estados de emergência serem encurtados no tempo.

Na quinta, o país deve saber quais as decisões e as medidas tomadas. Tudo indica que o desconfinamento começará pelo setor do ensino, com a abertura dos infantários e das creches, mas mantendo-se o teletrabalho, a venda ao postigo para cafés e restaurantes e sem reuniões familiares. Pelo menos, até à Páscoa.

Ao longo de duas horas e meia, os presentes na reunião ouviram os especialistas dizer que Portugal era agora o país da Europa com o mais baixo R(t), de acordo com os dados dos últimos cinco dias, 0,74, e que o R(t) está abaixo de 1 em todas as regiões do continente, mas acima de 1 nas regiões autónomas.

André Peralta Santos, da Direção-Geral da Saúde (DGS), referiu que a atual incidência da doença a 14 dias por 100 mil habitantes é de 141 casos, registando que há uma melhora da incidência a nível nacional, embora as regiões mais afetadas continuem a ser as de Lisboa e Vale do Tejo, Alentejo e Centro, com incidência superior a 120 casos por cem mil habitantes. E, apesar de o processo de vacinação já estar a decorrer, o padrão de maior incidência mantém-se nos grupos etários acima dos 80 e dos 60 anos. Baltazar Nunes alertou para o facto de começar a haver maior tendência para a mobilidade, o que pode querer significar ser necessário manter um controlo muito ativo nas fronteiras e nos aeroportos, segundo defendeu o investigador do INSA João Paulo Gomes. Tudo para evitar-se a introdução de novas variantes do SARS-CoV-2 no país.

O especialista relembrou que atualmente 65% dos casos são da variante do Reino Unido, embora haja casos também das variantes da África do Sul e do Brasil, que estão mais controlados. O que é preocupante, devendo evitar-se o que aconteceu na primeira fase da pandemia, quando no país circularam 277 variantes do vírus.

João Paulo Gomes referiu na reunião de ontem ser preciso haver a noção de que "todos os países estão a desconfinar e que estas variantes continuam a circular", além de que "novas variantes surgirão, potencialmente tão ou mais gravosas do que aquelas com as quais nós nos estamos a deparar, porque a população em todo o mundo vai ganhando imunidade.".

O especialista do INSA explicou ainda ser "normal" os vírus continuarem a adaptar-se e que as mutações que surjam sejam "melhor adaptadas" para lidar com o sistema imunitário das pessoas, o que, na sua opinião, sublinhou, "é preocupante" e, portanto, sugere "uma atenção redobrada durante todo o processo de desconfinamento e nesta próxima era para com os países que estejam um pouco mais desleixados ao nível de monitorização de variantes de interesse clínico e epidemiológico".

Ou seja, o país pode começar a pensar em desconfinar, mas com muitas restrições e com rastreio apertado. Do lado dos peritos em Saúde Pública, epidemiologistas e pneumologistas, parece não haver dúvidas, o país deve desconfinar de forma a manter controlada a doença. E esta só estará assim se conseguirmos que a taxa de incidência a 14 dias permaneça abaixo dos 60 casos por 100 mil habitantes; com um R(t) menor ou próximo de 1 e com uma percentagem de casos positivos abaixo dos 4%.

Fatores aos quais se acrescenta ainda outros critérios: que o atraso entre testes e notificação não ultrapasse as 24 horas e que esteja limitado apenas a 10% dos casos; que 90% dos casos sejam colocados em isolamento e que os rastreios sejam feitos em 24 horas; que a taxa de ocupação em cuidados intensivos fique abaixo de 85% da capacidade, nas 255 camas, e que se mantenha a vigilância das variantes.

Se for possível assegurar todos estes critérios, os especialistas consideram haver espaço para a reabertura do país mediante cinco níveis. A pneumologista Raquel Duarte, da ARSN e professora no ISPUP, defendeu que perante os números atuais é possível reabrir os estabelecimentos do pré-escolar e primários, embora mantendo as medidas que já estavam em vigor como o uso de máscara e o distanciamento.

Em relação à área laboral, foi defendido a reabertura de algum trabalho presencial, o que não tem contacto com o público, mas sublinhou que o teletrabalho deve continuar a ser regras, as empresas deviam continuar a dar primazia a esta forma de produção e, no caso se poder ser presencial, deve ser de acordo com um sistema de rotatividade, em espelho, e com horários desfasados, pois esta é a forma de evitar maiores contactos.

Raquel Duarte defendeu ainda que a aplicação de algumas destas medidas deve ser assumida a nível nacional, mas que outras devem sê-lo concelho a concelho, tendo em conta a evolução da doença em cada um, devendo as restrições adotadas ou medidas de reabertura ser avaliadas de 15 em 15 dias.

Quanto ao comércio, os especialistas não se mostraram a favor que a reabertura seja para já, uma vez que é um dos setores em que o risco de transmissão é mais elevado, não só por facilitar a aglomeração de pessoas como também por promover uma maior mobilidade. Por enquanto este deve manter-se com venda ao postigo, com o cumprimento de horário reduzido, só devendo abrir de todo e com serviço de esplanada quando se atingir o nível 3. Também só neste nível será possível permitir a "associação a outras seis pessoas do conjunto sociofamiliar", mas com máscara.

De acordo com a proposta dos especialistas em Saúde Pública, é preciso manter restrições de funcionamento nos horários, até às 21.00 durante a semana e até às 13.00 ao fim de semana. Deve manter-se recolher obrigatório, deve dar-se prioridade ao transporte individual e evitar horas de ponta nos transportes públicos.

Raquel Duarte explicou na reunião do Infarmed que o objetivo que esteve na base da formulação da proposta que levaram "foi priorizar as medidas de forma a refletir os critérios epidemiológicos, mas também os impactos sociais económicos e mentais". Para elaborar este plano, os especialistas reviram a literatura existente, as medidas implementadas nos diferentes países, tendo em conta o seu efeito epidemiológico e os seus impactos, a nível económico, social e mental e a potencial adesão da população.

No final, a ministra da Saúde, Marta Temido, relembrou que ainda estamos perante três ameaças. Por um lado, o facto de o risco de transmissão que "está novamente a subir", com a maior tendência para a mobilidade, por outro o facto de a prevalência atual em relação a novas variantes, como a Do Reino Unido, ser superior a 60%. E, por fim, o decréscimo da adesão da população portuguesa às medidas de confinamento. No entanto, reconhece que se mantém uma "tendência decrescente da pandemia".

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