De Gaza à Ucrânia, dos migrantes ao desarmamento. As mensagens do último discurso de Francisco
Numa última mensagem pública neste domingo de Páscoa, que fica como último testamento espiritual do papado do argentino, o Papa Francisco misturou mensagens de alento para os crentes com uma denúncia extensa e direta sobre o cenário global. Assinalou diretamente temas como o agravamento dos atuais conflitos armados - de Israel e Palestina à Ucrânia ou ao Sudão -, a violência contra civis e o desrespeito às liberdades fundamentais, como a liberdade religiosa, de pensamento e de expressão, e reforçou apelos à paz mundial, solidariedade entre os povos e defesa da dignidade humana.
"Gostaria que voltássemos a ter esperança e confiança nos outros", escreveu no seu discurso Urbi et Orbi, lido pelo Monsenhor Diego Ravelli, mestre das Celebrações Litúrgicas Pontifícias, com Francisco ao lado, naquele que foi a sua primeira (e última) aparição aos fiéis na Praça de São Pedro, no Vaticano, depois de dois meses afastado da varanda da basílica devido à pneumonia bilateral que o obrigou inclusive a passar mais de um mês internado.
"Caros irmãos e irmãs, boa Páscoa”, lançou Francisco, antes da leitura do seu discurso, no qual revisitou alguns dos temas pelos quais sempre se bateu publicamente, como a condenação clara da violência contra mulheres, crianças, migrantes e os mais frágeis, e lamentando o “desejo de morte” que domina muitos conflitos atuais.
"Quanto desejo de morte vemos todos os dias em tantos conflitos que ocorrem em diferentes partes do mundo! Quanta violência vemos com frequência também nas famílias, dirigida contra as mulheres ou as crianças! Quanto desprezo se sente por vezes em relação aos mais fracos, marginalizados e migrantes!", escreveu Francisco.
Num dia em que "a partir do Santo Sepulcro, Igreja da Ressurreição, este ano a Páscoa é celebrada no mesmo dia por católicos e ortodoxos", o papa argentino formulou o desejo de que se "irradie sobre toda a Terra Santa e sobre o mundo inteiro a luz da paz", assinalando diretamente a guerra em Gaza, a crise humanitária no Iémen, a violência no Sudão, as tensões no Cáucaso e nos Balcãs, ou o sofrimento dos cristãos perseguidos em várias partes do mundo.
Sobre o conflito em Gaza, expressou preocupação com a situação “humanitária dramática e ignóbil”, pedindo um cessar-fogo imediato, a libertação de reféns e assistência à população. Condenou também o "crescente clima de antissemitismo" e solidarizou-se tanto com cristãos quanto com os povos palestiniano e israelita.
Sobre "a martirizada Ucrânia", pediu às partes envolvidas para "prosseguirem os seus esforços para alcançar uma paz justa e duradoura".
O Papa reforçou que não pode haver paz sem respeito pelas liberdades fundamentais: “Não é possível haver paz onde não há liberdade religiosa ou onde não há liberdade de pensamento nem de expressão, nem respeito pela opinião dos outros”. E também condenou os ataques a escolas, hospitais e agentes humanitários, lembrando que não se tratam de “alvos”, mas de “pessoas com alma e dignidade”.
No seu último discurso, num dia marcado também pela receção ao vice-presidente norte-americano JD Vance, representante da administração Trump cujas políticas migratórias já tinham merecido crítica do Papa, Francisco lançou também um apelo aos responsáveis políticos para que não cedam à lógica do medo, mas usem os recursos disponíveis para ajudar os necessitados, combater a fome e promover iniciativas que favoreçam o desenvolvimento. "Estas são as 'armas' da paz: aquelas que constroem o futuro, em vez de espalhar morte!", escreveu, defendendo um verdadeiro desarmamento global em contraponto com a corrida armamentista em curso. "Não é possível haver paz sem um verdadeiro desarmamento".
Leia aqui o discurso completo: