Papa regressa entre um breve encontro com Vance, apelos à paz e um banho de multidão
"Caros irmãos e irmãs, boa Páscoa”, lançou o papa Francisco da varanda da basílica de São Pedro à multidão reunida para a bênção urbi et orbi (à cidade e ao mundo). De cadeira de rodas, mas sem o tubo para o oxigénio no nariz, o chefe da Igreja Católica, de 88 anos, interrompeu os dois meses de descanso absoluto impostos pelos médicos para recuperar da pneumonia bilateral que o obrigou a passar mais de um mês internado para se juntar às celebrações pascais, num dia em que já arranjara tempo para um breve encontro com o vice-presidente dos EUA, JD Vance, e no qual ainda surpreendeu os fiéis com um inesperado banho de multidão, percorrendo a praça no seu papamóvel, enquanto ia abençoando crianças.
Visivelmente cansado e ainda com dificuldades em se expressar, apesar das melhorias nas suas capacidades respiratórias, o Papa delegou a leitura da sua homilia a um colaborador. No texto, Francisco apela ao respeito pela “liberdade de pensamento e de expressão” e exorta os líderes mundiais a “não cederem à lógica do medo que mantém prisioneiro”. Do Iémen à Ucrânia, do Sudão à Síria, o papa focou-se no desarmamento, um dos temas do seu pontificado. Sobre a guerra na Faixa de Gaza, denunciou “uma situação humanitária dramática”, sem deixar de avisar para o “clima de antissemitismo crescente que se espalha pelo mundo”. E deixou o apelo: “cessem o fogo, que os reféns sejam libertados e a preciosa ajuda chegue à população esfomeada que aspira a um futuro de paz”.
Este foi o único evento público da semana da Páscoa em que o Papa participou - apesar de na quinta-feira ter ido a uma prisão no centro de Roma para um encontro com os reclusos. Nos 38 dias que passou no hospital Gemelli, o Papa argentino terá estado por duas vezes à beira da morte. E desde que teve alta, a 23 de março, tem limitado a agenda pública, tendo continuado a trabalhar a partir da residência. Foi a primeira vez desde que foi eleito em 2013 que o Papa esteve ausente da grande maioria das celebrações pascais, entre elas a Via Sacra, que se realizou na sexta-feira no Coliseu de Roma.
Facto raro, este ano os cristãos das diferentes confissões celebraram a Páscoa na mesma data, por uma coincidência dos calendários gregoriano, seguido por católicos e protestantes, e juliano, seguido pelos ortodoxos.
O conceito de ordo amoris
O “encontro privado” entre JD Vance e o papa Francisco terá durado apenas “alguns minutos” e acontecido “pouco depois das 11h30 [menos uma hora em Lisboa]” na residência de Santa Marta, onde Francisco vive, anunciou o Vaticano. Este breve encontro surge depois de o papa não ter poupado críticas à política migratória da Administração do presidente Donald Trump.
Criado como evangélico, mas não praticante, há muito que JD Vance namorava a ideia de se converter ao catolicismo, quando deu o passo, em 2019. Segundo o New York Times, o que terá atraído o agora vice-presidente dos EUA para a fé católica terão sido não só as ideias teológicas mas “os seus ensinamentos em relação à família e à ordem social e o seu desejo de instilar virtude na sociedade moderna”.
Em fevereiro, dias antes de ser internado, o Papa criticou os planos da Administração americana para deportar em massa imigrantes ilegais, acusando-a de privar estas pessoas da sua dignidade. Ao que Vance respondeu que a posição do governo Trumpo é legítima, acrescentando: “Basta pesquisar ordo amoris no Google”. Em entrevista há dias ao DN, Austen Ivereigh, biógrafo do papa, lembrou que Francisco “corrigiu o que tinha dito J.D. Vance sobre ordo amoris”, referindo-se ao conceito atribuído a Santo Agostinho e desenvolvido por São Tomás de Aquino segundo o qual “a prioridade é que tu ames a tua família, depois o teu vizinho, depois a tua comunidade, depois os teus concidadãos e, só então, o resto do mundo”. Numa carta aos bispos americanos, o papa esclareceu: “O verdadeiro ordo amoris que é preciso promover é o que descobrimos meditando constantemente na parábola do bom samaritano, isto é, meditando no amor que constrói uma fraternidade aberta a todos sem exceção”.