ERS apontou erros graves na referenciação de grávidas para urgências
ERS apontou erros graves na referenciação de grávidas para urgênciasArquivo

Da troca de doentes em Vila Real à recusa em atender grávida no Barreiro: regulador de Saúde aponta falhas graves

No 3.º trimestre de 2025, a ERS decidiu sobre vários casos de falhas graves em unidades de saúde, incluindo recusas de atendimento em urgências do SNS, erros de identificação de utentes e lapsos em procedimentos clínicos.
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Uma grávida com cinco semanas de gestação e sinais de aborto espontâneo viu recusado atendimento de urgência no Hospital do Barreiro e no de Santa Maria. Uma mulher de 32 anos que cumpria todos os requisitos legais para o procedimento viu ser-lhe recusada a esterilização voluntária (laqueação de trompas) no Hospital Nossa Senhora da Graça, em Tomar. Um doente com insuficiência respiratória foi erradamente identificado e tratado como outro paciente com Doença de Parkinson no hospital de São Pedro, em Vila Real.

Estes são apenas três casos que sobressaem entre as deliberações da Entidade Reguladora da Saúde (ERS) emanadas no 3.º trimestre de 2025, divulgadas esta quinta-feira, 13 de novembro, no site da ERS, entre os quais se encontram falhas em procedimentos como a remoção de cateteres ou os sistemáticos erros de referenciação de grávidas para urgências que, depois, recusam recebê-las. Casos em que o regulador aponta falhas graves às instituições ou organismos de saúde em causa, emitindo recomendações ou aplicando mesmo multas pesadas.

Grávida recusada em dois hospitais públicos

A Entidade Reguladora da Saúde emitiu uma instrução à Unidade Local de Saúde do Arco Ribeirinho (ULSAR), E.P.E., e uma recomendação ao Instituto Nacional de Emergência Médica (INEM, I.P.), na sequência de um caso em que uma mulher grávida foi recusada em dois hospitais públicos. O episódio ocorreu a 1 de fevereiro de 2024 e envolveu uma utente de 29 anos, com cinco semanas de gestação e sinais de aborto espontâneo, que não foi atendida no Hospital do Barreiro nem no Hospital de Santa Maria, só recebendo assistência quatro horas depois, no Hospital de Cascais.

Após averiguações, a ERS concluiu que houve recusa efetiva e injustificada de atendimento por parte de vários profissionais da ULS do Arco Ribeirinho (ULSAR), a que pertence o Hospital do Barreiro, que se encontrava apenas em nível 1 de contingência, o que não implicava o encerramento da urgência de Ginecologia e Obstetrícia.

A entidade refere ainda que o Centro de Orientação de Doentes Urgentes (CODU) “fez diligências constantes” para garantir o atendimento, mas a ULSAR “impediu o acesso da utente aos cuidados de saúde necessários”, contrariando as regras em vigor.

A ERS considerou que a atuação da ULSAR configura uma “contraordenação por rejeição infundada de utentes”, punível com coima “entre 1.500 e 44.891 euros”, tendo instaurado o respetivo processo contraordenacional.

A investigação concluiu também que a referenciação posterior efetuada pelo CODU para o Hospital de Santa Maria não era adequada, o que levou a uma “quebra do nível assistencial devido”.

Na deliberação, datada de 24 de julho de 2025, a ERS determinou que a ULS do Arco Ribeirinho deve assegurar o cumprimento efetivo das Redes de Referenciação em vigor, adotar normas internas que garantam o acesso tempestivo aos cuidados e promover a formação e informação dos profissionais de saúde sobre boas práticas.

Ao INEM foi recomendada a reforçada articulação e coordenação com os serviços de urgência hospitalares, garantindo uma referenciação adequada e eficiente dos doentes.

Referenciações erradas a grávidas sobre urgências de obstetrícia

A ERS emitiu também uma recomendação à SPMS — Serviços Partilhados do Ministério da Saúde, E.P.E., após ter analisado várias reclamações relacionadas com falhas na referenciação de grávidas para serviços de urgência hospitalar de obstetrícia. A deliberação, datada de 28 de agosto de 2025, aponta para deficiências na comunicação e atualização de informação entre os sistemas do SNS e os hospitais, que resultaram em recusas de atendimento a utentes grávidas.

Uma das situações analisadas envolveu uma mulher com cerca de cinco semanas de gestação, que em janeiro de 2024 foi enviada pelo SNS24 para o Hospital Professor Doutor Fernando Fonseca (Amadora-Sintra), onde lhe foi negado atendimento. O hospital justificou a recusa com base em orientações internas que limitavam a admissão a grávidas com mais de 22 semanas, mas a ERS verificou que essas restrições já não se aplicavam, segundo uma deliberação da Direção Executiva do SNS de dezembro de 2023.

Casos semelhantes ocorreram também nos hospitais de Setúbal, Garcia de Orta e São Francisco Xavier, onde utentes referenciadas pelo SNS24 encontraram serviços encerrados ou em funcionamento condicionado.

A ERS concluiu que as falhas resultaram, em parte, da dificuldade de operacionalizar as regras de referenciação e da fragilidade dos sistemas de informação então em uso (SIIP), que já foram substituídos pelo Sistema de Dados Mestre (SDM@SNS).

A entidade reconheceu avanços recentes, como a criação da Linha SNS Grávida, mas alertou para o facto de que continuam a registar-se encerramentos temporários e constrangimentos nos serviços de urgência de obstetrícia, gerando alarme social e riscos para a segurança das utentes.

Por isso, a ERS recomendou à SPMS que reforce a articulação com os hospitais do SNS, especialmente na área da ginecologia e obstetrícia, garantindo a integração e atualização imediata de qualquer alteração, temporária ou permanente, na disponibilidade dos serviços. O objetivo é assegurar uma referenciação correta, eficaz e em tempo útil das grávidas e restantes utentes que recorrem às linhas e plataformas digitais do Serviço Nacional de Saúde.

Laqueação de trompas rejeitada em Tomar

Foi também emitida uma instrução à Unidade Local de Saúde do Médio Tejo (ULS-MT), E.P.E., depois de a ERS confirmar que o Hospital Nossa Senhora da Graça, em Tomar, recusou injustificadamente realizar uma cirurgia de esterilização voluntária (laqueação de trompas) a uma mulher de 32 anos. A decisão, datada de 11 de setembro de 2025, conclui que a utente “reunia todos os requisitos legais para o procedimento, tendo manifestado de forma livre e informada a sua vontade”, mas viu o seu pedido cancelado sem fundamento clínico ou legal.

De acordo com a investigação da ERS, a recusa foi decidida pela diretora do serviço de Ginecologia e Obstetrícia do hospital, que cancelou a inscrição da utente na lista de espera cirúrgica por esta ter “apenas um filho com menos de um ano” e não apresentar contraindicações para outros métodos contracetivos.

A entidade reguladora considerou que esta justificação “violou o direito de acesso da utente a cuidados de saúde, previsto na Lei de Bases da Saúde e na legislação sobre a esterilização voluntária”, dado que não existiam motivos médicos ou legais para impedir a realização da cirurgia.

A atuação do hospital levou a utente a ter de repetir todo o processo de referenciação, exames e consentimentos num outro estabelecimento, o que, segundo a ERS, configurou uma “violação dos princípios de tempestividade e continuidade dos cuidados de saúde”. Por este motivo, foi instaurado um processo contraordenacional à ULS-MT, ao abrigo dos Estatutos da ERS.

Na sequência do processo, a ERS reconheceu que a ULS-MT entretanto adotou medidas corretivas, mas determinou que a unidade deve “garantir permanentemente o direito de acesso a este tipo de cuidados”, “assegurar que as normas internas são do conhecimento e cumprimento efetivo dos profissionais de saúde”, e” promover a divulgação de boas práticas e formação contínua nesta área sensível dos direitos reprodutivos”.

Doentes trocados em Vila Real

A ERS emitiu uma instrução também à Unidade Local de Saúde de Trás-os-Montes e Alto Douro (ULSTMAD), E.P.E., depois de confirmar que ocorreu uma troca de identidade entre dois utentes no Hospital de São Pedro, em Vila Real. O caso, analisado na deliberação de 4 de setembro de 2025, teve origem numa reclamação apresentada pela filha de um doente com insuficiência respiratória, que foi erroneamente identificado e tratado como outro paciente com Parkinson.

Segundo a queixosa, o pai deu entrada no hospital a 28 de fevereiro de 2025 e, devido a um erro administrativo, recebeu alta a 3 de março, sendo transportado para um lar. Só então se percebeu que tinha sido libertado o doente errado, o que obrigou o novo internamento do verdadeiro paciente. A unidade hospitalar reconheceu o lapso, explicando que ambos os doentes tinham o mesmo nome, idade e localidade de residência, o que contribuiu para a confusão.

Após investigação, a ERS concluiu que houve “incumprimento dos deveres da ULS de garantir a segurança e qualidade dos cuidados prestados”, nomeadamente no que respeita à “identificação inequívoca dos utentes”. A entidade considerou que o erro revelou fragilidades nos procedimentos internos e na formação das equipas envolvidas.

Como consequência, a ERS determinou que a ULSTMAD deve “rever e atualizar a sua norma interna sobre identificação correta dos doentes”, “implementar ações de formação e sensibilização junto das equipas de urgência” e “garantir que todos os profissionais conhecem e aplicam os procedimentos estabelecidos”. A unidade terá ainda de apresentar “provas da implementação de um manual de acolhimento para novos profissionais” e de uma “instrução de serviço sobre identificação positiva dos utentes”, assegurando a prevenção de futuros incidentes semelhantes.

Utente foi para casa com cateter ainda colocado

Outra instrução da ERS foi dirigida à Unidade Local de Saúde de Santa Maria (ULS Santa Maria), E.P.E., após o regulador apurar que um utente recebeu alta hospitalar sem que lhe tivesse sido removido o cateter venoso periférico utilizado durante os cuidados de saúde. A deliberação, datada de 10 de julho de 2025, conclui que houve uma falha nos procedimentos internos de segurança e qualidade dos cuidados prestados. 

De acordo com a reclamação apresentada, o erro foi detetado após a saída do utente da unidade de saúde. A própria ULS Santa Maria reconheceu o “procedimento incorreto”, explicando que a situação ocorreu durante a transferência do doente, quando “uma enfermeira que não era responsável pelo caso ajudou na mobilização e não confirmou se o cateter tinha sido retirado”. O incidente foi discutido em reunião de equipa, para evitar repetições, segundo informou a instituição.

 A ERS considerou, contudo, que a atuação da unidade “não garantiu plenamente o direito dos utentes a cuidados seguros e adequados”, destacando a necessidade de “reforçar o cumprimento dos procedimentos de verificação e registo clínico”. A entidade também sublinhou a importância de uma cultura de segurança que previna a ocorrência de incidentes semelhantes.

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