Entre quarta-feira da semana passada e esta segunda-feira, 18 de agosto, Portugal enfrentou 545 incêndios rurais, que tiveram como resultado uma área ardida de 84.511 hectares, de acordo com os dados disponíveis no portal do Sistema de Gestão Integrada de Fogos Rurais (SGIFR). Esta segunda-feira, depois de uma reunião com o comando da Proteção Civil, em Carnaxide, o primeiro-ministro, Luís Montenegro, garantiu que mantém “uma confiança total” no dispositivo montado de combate aos incêndios, e apelou a que “todos continuem a ter noção de que há uma cadeia de comando”. Entretanto, um incêndio que começara na quarta-feira da semana passada no Piódão, em Arganil, chegou à Covilhã, o que levou o responsável pela autarquia local a falar em “fogo descontrolado”.“O nosso dispositivo está a 100% no terreno, disponível, não obstante estes 24 dias seguidos de severidade meteorológica, como não há registo no nosso país”, disse Luís Montenegro depois da reunião com a Proteção Civil.O chefe do Governo lembrou que estão “todos muito esgotados, são dias e dias de sofrimento, de terror em muitos casos”, mas deixou um apelo ao “discernimento” de todos no sentido de respeitar quem está no terreno, “sejam eles as forças da autoridade, as Forças Armadas” ou os próprios bombeiros.“É necessário que todos continuem a ter noção de que há uma cadeia de comando e de que há também forças que estão consecutivamente a serem chamadas para operações em vários locais, ao mesmo tempo, com períodos de descanso que se vão acumulando que, naturalmente, precisam de ter a compreensão e o respeito de todos”, apelou.Um dia antes, a ministra da Administração Interna, Maria Lúcia Amaral, já tinha anunciado que a situação de alerta decretada devido aos incêndios já tinha sido prolongada até hoje, argumentando que “ainda persistem dificuldades e condições muito desfavoráveis”.Ainda esta segunda-feira, 18 de agosto, Montenegro, questionado pelos jornalistas sobre se se arrependia de não ter acionado o Mecanismo Europeu de Proteção Civil mais cedo, explicou que há “regras de funcionamento”, que o Governo seguiu. Referindo “critérios técnicos e operacionais”, o primeiro-ministro garantiu que, “no final”, será verificado “se isso teve o enquadramento devido”.“Mas nós seremos escrutinados, como é normal numa democracia”, destacou, prometendo que também responderá “perante os portugueses, perante a Assembleia da República”, “com sentido de responsabilidade”.O Chega, o segundo partido mais representado no Parlamento, entretanto também avançou com um pedido de “reunião de urgência do Plenário da Assembleia da República” com a presença do primeiro-ministro e da ministra da Administração Interna, “sobre a situação calamitosa dos incêndios”.O partido liderado por André Ventura argumenta que “a magnitude desta crise exige uma resposta política imediata, bem como a avaliação urgente das medidas já tomadas e das que se revelem necessárias para garantir a protecção das populações e do território”.A Conferência de Líderes vai decidir amanhã, de forma extraordinária, se esta proposta avançará.“Fogo está muito descontrolado”Um bombeiro da Covilhã, de 44 anos, acabou por morrer na sequência de um acidente de viação, que aconteceu no domingo, enquanto se deslocava durante o combate a um incêndio. Um outro bombeiro ficou ferido com gravidade, tendo sido assistido nos Hospitais Universitários de Coimbra.O Governo, numa nota da ministra da Administração Interna, reagiu com “profundo pesar e consternação” à morte do bombeiro, que, de acordo com a Liga dos Bombeiros de Portugal, é a 257.ª vítima mortal entre os soldados da paz desde 1980.O presidente da Câmara da Covilhã, Vítor Pereira, acabou por falar esta segunda-feira em descontrolo do incêndio, que entretanto já passou para o Fundão, e em “desmoralização” por parte dos bombeiros - uma das causas que atribui à parca contenção do fogo -, também por terem perdido o camarada.Em declarações à Lusa, o autarca disse que “é quase impossível combater este fogo. Pelo que vi ontem [domingo] à noite, um fogo com aquela intensidade e fúria é um autêntico inferno.”Para além do ânimo dos bombeiros, o incêndio ganhou estas proporções porque “o fumo impede a visibilidade e até para se fazer o reconhecimento [por meio aéreo] está muito difícil”, observou Vítor Pereira.“O maior incêndio de sempre”O DN conversou com o investigador em incêndios rurais Paulo Fernandes, da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, que explicou que, “na zona do incêndio que veio de Arganil, há um índice de perigo - FWI [índice utilizado para classificar o risco de incêndio] - que está na casa dos 60 e que já é considerado muito extremo. Quer dizer, não é extremo, é realmente bastante extremo”, completa.Ainda esta semana haverá uma trégua de dois dias no que diz respeito à humidade e à temperatura, explica o investigador, referindo os dias 21 e 22 de agosto, mas depois as coisas vão piorar.De acordo com a análise de Paulo Fernandes, tratam-se de “frentes de chamas muito extensas, sem meios, e portanto o fogo continua a propagar-se”.“O problema é que o incêndio está-se a dirigir para o Fundão, para a Covilhã, para o Sul, porque o vento também tem períodos mais do Norte, outros mais do Oeste, e aí há muitíssimo para arder. Há áreas que não ardem há 20 anos, ou que arderam em 2017, que já estão maduras. Este incêndio que tem realmente um potencial grande”, avisa.Com o incêndio a continuar, continua Paulo Fernandes, este poderá encontrar área de terreno agrícola, como vinhas, que é exatamente o que aconteceu no incêndio de Trancoso, que neste momento é o segundo maior em termos de área ardida - 49 mil hectares. Em relação ao que está em primeiro lugar, esse estatuto cabe ao incêndio que em 2017 consumiu 57 mil hectares na Lousã.“Mas eu acho que este de Piódão, garantidamente - posso estar um bocadinho enganado -, mas vai ser o maior de sempre”, prevê.Paulo Fernandes diz temer estar a ser “pessimista”, mas continua a fazer a análise aos incêndios ativos em Portugal, estendendo a sua perspetiva às causas, principalmente no que diz respeito ao que começou em Piódão.“Causado por raios”, explica, acrescentando “as estatísticas também mostram que estes são os maiores”.Questionado sobre a forma como concluiu que a origem do incêndio foi um raio, tendo em conta que os dados do SGIFR não o apontam, Paulo Fernandes explica que viu “as análises que fizeram da coincidência entre a hora da trovoada e a hora da ignição, que foi por volta das 5 da manhã, num sítio lá no alto da serra, inacessível”.“E há testemunhas, há observações dos vigias das torres de detecção, que viram os raios acertar, provocando fogos simultâneos”, conclui..Santa Comba da Vilariça cercada pelo fogo e sem bombeiros. "As populações têm sido heróicas", diz Montenegro.Incêndios de Arganil e Lousã. Um retrato do dia em que “parece que o Diabo andou por ali”