"Aqui estamos nós, em Guimarães. Conheceis esta avenida? Para quem é de Guimarães sabe qual é, é a muralha. Temos aqui este monte da merda aqui, desta rua deles, onde estes filhos da pu** andam aí a fazer a pu** da reza deles, tenho aqui uma tabuleta e o 1143 sempre a marcar presença e até fazem vénia, estes filhos da pu**”. O vídeo foi gravado em agosto deste ano em frente ao único mini-mercado de produtos orientais em Guimarães. A gravação foi partilhada no chat do grupo no Telegram por João Peixoto, líder do núcleo do grupo 1143 na cidade e membro do Chega - concorreu às autárquicas de 2021 e tem diversas fotos ao lado de André Ventura nas redes sociais..João e outros membros do grupo na região norte são acusados de “espalhar o terror” contra imigrantes e ativistas na cidade desde janeiro, de acordo com várias fontes - algumas preferem o anonimato por questões de segurança. O 1143 realiza há meses uma forte mobilização para uma manifestação de rua neste sábado, na cidade, com autocarros a sair de diversos ponros do país com integrantes do grupo..Nos últimos meses, a Polícia de Segurança Pública (PSP) já recebeu queixas de pessoas que foram assediadas e ameaçadas pelo militante e outros integrantes do 1143. No mesmo chat onde publicou o vídeo a chamar os imigrantes de “filhos da pu**”, João gabou-se de ter fixado um autocolante à porta da casa de um ativista que usa as redes sociais para denunciar os atos do grupo 1143. “Faz mais vídeos armado em burro. Se diz que sabe onde moramos agora fica a saber que eu também sei onde mora”, escreveu aos membros do núcleo de Guimarães, que conta atualmente com 125 membros. .O ativista que teve o autocolante fixado à porta de casa registou queixa na Polícia de Segurança Pública (PSP), mas não foi o único à recorrer aos polícias em busca de segurança. .Foto: DR.“Centro do ódio” .Luís Lisboa, 45 anos, é outro dos alvos. No dia em que o DN esteve em Guimarães, este licenciado em Humanidades e produtos culturais havia acabado de sair da esquadra, onde foi denunciar intimidações e ameaças feitas por João Peixoto, pelo telemóvel, na noite anterior. “Ligou de um número privado e ameaçou não só a mim, mas também ao meu filho de oito anos”, conta ao DN. .As ameaças não pararam. No momento em que estava a registar a queixa, recebeu uma nova chamada do militante, que se identificou. O próprio polícia foi testemunha da ameaça, “que ficou devidamente registada”, de acordo com Lisboa. .Luís Lisboa, nascido e criado em Guimarães, conta que, nos últimos meses, os imigrantes e aqueles que os defendem passaram a ser intimidados. De acordo com ativistas e simpatizantes unidos na luta contra a ideologia neonazi, intitulado Guimarães pela Liberdade, a calma cidade de 52 mil habitantes passou a ser “o centro do ódio, com a pretensão dos neonazis do Grupo 1143”. Em janeiro, quando algumas dezenas de muçulmanos rezavaam ao ar livre próximo ao castelo, os ataques começaram..O núcleo do 1143 liderado por João Peixoto tem vindo a fazer um esforço para imprimir, literalmente, a marca do grupo pela cidade. O DN viu vários autocolantes ou partes deles pela cidade, já que muitos são arrancados por ativistas contrários. Um dos locais preferenciais para instalação dos autocolantes propaganda é a única loja de produtos orientais de Guimarães. O local também recebeu uma pintura com tinta com a marca stencil do 1143 na parede. O dono do estabelecimento tentou apagar, mas a marca ainda é visível. .O DN conversou com o proprietário do mini-mercado, que prefere não ter o nome revelado “porque ele fica bravo quando converso sobre o assunto”, diz, referindo-se à João Peixoto. O imigrante afirma não saber por que se tornou um alvo. “Eu não sei o que lhes fiz. Eles estão sempre muito irritados comigo”, lamenta o cidadão, que mora em Portugal há sete anos, fala português e gera alguns empregos no seu estabelecimento..Natural do Bangladesh, e de religião muçulmana, define-se como um cidadão que cumpre os seus deveres com o país e não “tem problemas com ninguém”. Repete diversas vezes não perceber por que se tornou um alvo do grupo, mas garante não ter medo. “Medo eu não tenho, acho que são silly people”, define em inglês, sem encontrar no português uma expressão que defina os seus sentimentos. O imigrante ainda sublinha não desejar mal a essas pessoas e que a religião que professa “é da paz”. .Foto: Amanda Lima.Carta aberta.O grupo Guimarães pela Liberdade divulgou uma carta em que pede a não realização da manifestação neste sábado e lista várias das ações intimidatórias do 1143 na cidade. “Acreditamos que a manifestação neonazi que pretendem realizar não deve acontecer e pedimos um posicionamento público de todos os agentes políticos e das nossas instituições democráticas. Não podemos permitir que instrumentalizem a cidade de Guimarães e a tornem no centro do ódio para legitimar e normalizar ideologias racistas”, escreveram. Mas não houve resposta ao apelo. .O grupo 1143 está confiante numa grande mobilização neste sábado, com, pelo menos, 300 pessoas. Os militantes já estiveram juntos no passado domingo em Lisboa, onde marcharam lado a lado com o Chega. O protesto deste sábado em Guimarães está autorizado pelas autoridades e a PSP já definiu o percurso. Não haverá uma contramanifestação, mas sim, um arraial do Guimarães pela Liberdade num outro ponto da cidade, à semelhança do que aconteceu domingo em Lisboa. “A nossa posição é zero confusão, não incitamos, apoiamos ou iremos assistir quem participar em atos de violência que possam por em risco os participantes do arraial, entre os quais crianças”, diz ao DN uma integrante do coletivo..João Peixoto diz que não quer “causar medo nas pessoas”.O líder do 1143 aceitou responder a perguntas do DN. Sobre o vídeo que abre este texto, diz que não se recorda se o gravou ou não - além de alegar que também pode ser falso. “Simplesmente existem vários vídeos que pessoas editaram em computadores e que não correspondem à verdade”, disse. Questionado se já teve desentendimentos com pessoas relacionadas com o mini-mercado, afirma que não: “Nunca tive nenhum desentendimento com nenhum, nunca falei para nenhum. Eu posso dizer-lhe, eu respeito quem me respeita.” .Sobre os autocolantes, admite tê-lo colocado em vários pontos da cidade, mas diz que isto “não é um ato de racismo nem crime”. Sobre a colagem de um deles à porta de um ativista, confirma que o fez por um motivo. “Porque contactou a empresa onde eu trabalho a tratar-me mal”, diz. Quanto às ameaças ao ativista Luís Lisboa, admite as chamadas, mas garante que não o ameaçou, nem ao filho. “Eu também apresentei uma queixa contra esse senhor na PSP de Guimarães, por difamação e por expor a minha vida pessoal nas redes sociais. Eu simplesmente lhe perguntei se ele gostava que também publicasse a vida dele nas redes sociais, mas é mentira que ameacei o filho”, explica. .Em relação à acusação de “espalhar terror” pela cidade, João Peixoto afirma: “Eu não quero que as pessoas tenham medo da mim, eu nunca ameacei ninguém, eu conheço muita gente brasileira, nunca tratei mal, tenho amigos de extrema-esquerda e mantemos a política fora da amizade. Eu não quero que as pessoas tenham medo, eu só quero que as pessoas compreendam que nós estamos a lutar, que é contra a imigração ilegal que prejudica a todos, estamos a lutar por um país melhor, pela proteção da nacionalidade portuguesa”, relata. Sobre o ato deste sábado, diz que será “pacífica, escoltados pela PSP” - esperam contramanifestações, mas que estão “no direito”, apesar de “o 1143 nunca ter feito uma contramanifestação”..amanda.lima@dn.pt