"Este Governo não faz alterações em função de ideologia. Aquilo que o Governo faz é avaliar as políticas e depois de avaliarmos tomaremos a decisão política, com base nessa avaliação.”As palavras são de 24 de outubro de 2024, e proferiu-as o então e atual titular da pasta da Educação, o economista e académico Fernando Alexandre, na sequência do anúncio, por parte de Luís Montenegro no congresso do PSD, de que uma das grandes prioridades do seu Governo era alterar a disciplina de Cidadania, libertando-a das "amarras ideológicas e de fação". Fernando Alexandre, citado pela Lusa, assegurava assim que “qualquer alteração teria por base o estudo encomendado a um grupo de investigadores”: “Nós estamos num processo de avaliação dos resultados das aprendizagens essenciais de todas as disciplinas e aquilo que nós vamos fazer é depois dessa avaliação, tomar uma decisão. Anunciei isso em setembro e mantém-se”.Sucede que, de acordo com a própria empresa contratada pelo Estado — a consultora Quaternaire —, esse “processo de avaliação” ainda não tinha arrancado. Isso mesmo assumia a própria empresa na sua página de Facebook a 18 de outubro de 2024, sete dias antes do anúncio do ministro, ao anunciar ter ganhado o “concurso público para a Avaliação da Autonomia e Flexibilidade Curricular no âmbito do Programa Temático Demografia, Qualificações e Inclusão (PESSOAS2030)”, avaliação na qual, certificava, analisaria as “profundas transformações promovidas a partir do Decreto-Lei 55/2018 [que estabelece o currículo dos ensinos básico e secundário e os princípios orientadores da avaliação das aprendizagens] e os seus efeitos na gestão curricular, na promoção do trabalho interdisciplinar e das Aprendizagens Essenciais, desenvolvimento de competências críticas e fortalecimento da autoestima dos alunos.” . Para tal, explicava a Quaternaire, iria “analisar dados e estatísticas educativas para mapear a evolução do sucesso escolar e identificar tendências que estão a transformar a educação em Portugal”, “realizar entrevistas e grupos focais com equipas de coordenação e outras entidades” de modo a “discutir as metas e a implementação do decreto”, e “visitar as 810 escolas distribuídas pelo continente, nas quais serão aplicados questionários a professores, alunos e pais”. Contava ainda “realizar estudos de caso que aprofundarão as práticas através de visitas a escolas selecionadas”. “Fique atento para mais atualizações sobre este trabalho!”, concluía a empresa. Porém, não só a Quaternaire não fez qualquer atualização posterior como o DN não logrou vislumbrar, quer na comunicação do ministério quer nas propostas de alteração da disciplina de Cidadania e Desenvolvimento colocadas há dias em consulta pública, qualquer referência à análise da Quaternaire. Na verdade, só depois de muita insistência o ministério acedeu finalmente a responder à pergunta que o DN fez logo em outubro de 2024 — quem são os “peritos externos” referidos por Fernando Alexandre — e repetiu agora, a 23 de julho.“A avaliação externa está a cargo da Quaternaire que entregou um relatório intercalar sobre a dimensão das aprendizagens essenciais. O relatório final será entregue até ao final do ano” -- foi assim, laconicamente, que respondeu, este domingo 27 de julho, o gabinete do ministro, sem reagir ao subsequente pedido de esclarecimento sobre o conteúdo de tal “relatório intercalar”.“Foram consultados documentos”Ora, se este relatório foi reputado pelo ministro como fundamental — “qualquer alteração terá por base o estudo encomendado a um grupo de investigadores” — para a tomada de qualquer decisão política, por que será que nada dela se sabe publicamente? Atente-se aliás a que a primeira resposta do ministério às perguntas do DN, a 25 de julho, não só respondeu ao que não fora perguntado — quem elaborou as propostas em discussão pública — como se notabiliza por não fazer, nas fontes indicadas para as propostas, qualquer menção à análise da Quaternaire.“A proposta de Aprendizagens Essenciais (AE) de Cidadania e Desenvolvimento, para as diferentes dimensões, foram elaboradas pela equipa de colaboradores da Direção-Geral da Educação (DGE), com base em diferentes processos de recolha e análise de informação”, informa o ministério.E prossegue: “Foram consultados documentos internacionais de referência, nomeadamente do Conselho da Europa, da UNESCO, da União Europeia e da OCDE e os referenciais de Educação para a Cidadania, que são documentos orientadores não prescritivos que visam enquadrar a dimensão pedagógica, que foram publicados e elaborados pela DGE, resultaram de parcerias com outras entidades públicas, bem como entidades da sociedade civil.”E conclui: “A DGE recebeu ainda contributos resultantes do trabalho de acompanhamento da ação dos Coordenadores das Estratégias de Educação para a Cidadania da Escola, através de encontros regionais, que se realizaram ao longo de diferentes anos de implementação do Decreto-Lei 55/2018 e da Estratégia Nacional de Educação para a Cidadania(ENEC) e cujo relatórios estão disponíveis no sítio Web da DGE.”Como se constata, nem uma vírgula sobre a avaliação sem a qual o ministro garantira nada se poder decidir.Avaliação foi pedida por outro ministério Além de acesso às conclusões do “relatório intercalar”, o DN requereu ao ministério da Educação, com igual insucesso, que indicasse o caderno de encargos do contrato adjudicado à Quaternaire. Curiosamente, como se verifica consultando o único contrato da Quaternaire no Portal Base dizendo respeito a "Aquisição de Serviços de para a Realização d Avaliação Autonomia e Flexibilidade Curricular, para o Programa Demografia, Qualificações e Inclusão (PESSOAS2030)", este, datado de 1 de outubro de 2024, no valor de 132 577 euros (um total de 163 069 euros com IVA) e com prazo de execução de 365 dias, tem como entidade adjudicante o ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social.Não foi porém possível consultar as “peças do procedimento” — o link não abriu — ao qual concorreram duas outras entidades, a saber, a Bizfuture Services e o ISCTE (Instituto Universitário de Lisboa).O contrato especifica a existência de um relatório inicial, um relatório intermédio, um relatório final preliminar e um relatório final. Presume-se que aquilo a que o ministério da Educação denomina de “relatório intercalar” será o “relatório intermédio”..Cidadania. Ex-ministro João Costa acusa Governo de ceder a agenda de “direita conservadora”.Ministério da Educação garante que sexualidade não sai da disciplina de Cidadania e Desenvolvimento