Bruno Sena Martins era desde 2011 investigador no CES. Em abril de 2023, na sequência da publicação de um artigo sobre o CES numa colectânea internacional sobre assédio sexual na academia no qual era, com Boaventura de Sousa Santos, uma das três figuras principais, auto-suspendeu-se de todas as funções. Tinha anunciado a 17 de março o seu regresso ao CES.
Bruno Sena Martins era desde 2011 investigador no CES. Em abril de 2023, na sequência da publicação de um artigo sobre o CES numa colectânea internacional sobre assédio sexual na academia no qual era, com Boaventura de Sousa Santos, uma das três figuras principais, auto-suspendeu-se de todas as funções. Tinha anunciado a 17 de março o seu regresso ao CES. DR

Bruno Sena Martins sai do CES após novas denúncias de violência sexual

Direção do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra comunicou, esta sexta-feira, que decidiu, de mútuo acordo com o antropólogo Bruno Sena Martins, "terminar a relação laboral existente".
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"A Direção do Centro de Estudos Sociais (CES) e o investigador Bruno Sena Martins decidiram esta sexta-feira terminar, por mútuo acordo, a relação laboral existente e o vínculo entre o Investigador Associado e a instituição, com efeito imediato. As duas partes entendem não estarem reunidas as condições adequadas para a continuação do seu trabalho de investigação de uma forma serena e produtiva", lê-se no comunicado da direção do centro académico, enviado ao DN.

"A Direção do CES continua a reconhecer como válidas e relevantes as conclusões e recomendações contidas no relatório da Comissão Independente, estando comprometida com o desenvolvimento e implementação de uma política eficaz de prevenção e combate a todas as formas de assédio e abuso", prossegue o texto, que conclui: "Mantemo-nos focados no futuro e na consolidação de um ambiente de investigação dinâmico, de qualidade, e assente nos princípios do Estado de Direito, da liberdade, integridade, ética e responsabilidade científicas."

Esta decisão surge um dia após o DN noticiar, esta quarta-feira, duas novas denúncias de violência sexual contra o antropólogo, que era investigador do CES desde 2011.

Bruno Sena Martins era desde 2011 investigador no CES. Em abril de 2023, na sequência da publicação de um artigo sobre o CES numa colectânea internacional sobre assédio sexual na academia no qual era, com Boaventura de Sousa Santos, uma das três figuras principais, auto-suspendeu-se de todas as funções. Tinha anunciado a 17 de março o seu regresso ao CES.
Novas acusações de violência sexual contra investigador do CES

As denúncias dizem respeito a factos alegadamente ocorridos em 2017, com duas académicas de nacionalidade estrangeira, Andrea Vásquez, peruana, e Helen Barbosa dos Santos, brasileira, e seguem-se à acusação de violação que lhe foi feita pela norte-americana Miye Nadya Tom. Acusação essa que, repetida ao DN esta quarta-feira, constava do artigo The walls spoke when no one else would, publicado em março de 2023 numa coletânea sobre assédio sexual na academia (Sexual Misconduct in Academia, Routledge), o qual desencadeou um escândalo internacional que levou à auto-suspensão de Bruno Sena Martins, designado no artigo como "O Aprendiz", e do sociólogo Boaventura de Sousa Santos, fundador do CES e diretor do mesmo entre 1978 e 2019, que no artigo era apodado de "Professor Estrela".

Andrea acusa Bruno Sena Martins (BSM) de, em junho de 2017, durante um curso de verão do CES no qual os alunos e professores ficavam no mesmo hotel, a ter agredido sexualmente uma noite após o jantar e quando ela estava embriagada, tendo-a depois levado para o quarto dele, de onde ela diz ter conseguido fugir. “O Bruno sentou-se ao pé de mim e começou a tocar-me. Não me beijou ou algo assim, pôs a mão dele dentro dos meus calções. Eu estava consciente mas era como se não fosse capaz de controlar o meu corpo, não conseguia reagir", contou a académica peruana ao DN. "Pôs os dedos dentro de mim."

Já Helen, que combinara com BSM, por via de um amigo comum, ficar, com uma amiga, em casa dele para ir assistir a uma aula magistral de Boaventura de Sousa Santos em maio de 2017, acusa o antropólogo de, numa saída noturna, lhe ter posto na mão na perna e depois, quando em casa dele,  ter entrado no quarto onde ela e a amiga se preparavam para dormir. "Perguntou se podia entrar, e entrou. Estávamos na cama, e ele deitou-se e foi aí o abuso. Me agarrou muito forte por trás e pegou os meus peitos. Dei um grito, e quando gritei ele se deu conta e saiu do quarto." O relato de Helen é corroborado pela amiga que estava com ela e que falou com o DN. Helen tem também mensagens de BSM, enviadas via Facebook no dia seguinte, a pedir desculpa e a dizer que não se lembra de nada.

Na tarde de quarta-feira, o diretor do CES, Tiago Santos Pereira, tinha enviado um email aos membros do centro no qual esclarecia que "até à data de hoje" a direção não tinha "conhecimento destas denúncias" e que, "considerando os relatos agora conhecidos, estava "a avaliar as medidas a tomar, sobre as quais dará notícias em breve".

De facto, como referido pelo DN, nem Andrea nem Helen foram ouvidas pela Comissão Independente nomeada pelo CES (a primeira enviou uma carta à comissão a informar ter sido vítima de violência sexual perpetrada por BSM e pedindo anonimato, não recebendo resposta ou qualquer contacto subsequente; Helen não tinha até agora denunciado o seu caso) ou pela Comissão Prévia de Inquérito, a qual recebeu a incumbência de verificar sobre a existência de bases para inquéritos disciplinares. Também Miye não prestou depoimento a qualquer dessas comissões.

"Falta a reparação em relação às vítimas"

"Trata-se de um processo que só pecou pela demora", diz ao DN, em reação ao comunicado sobre a saída de BSM do CES, a investigadora sénior da instituição Catarina Martins. "Creio que o CES está a dar o exemplo de como se deve tratar questões não só de assédio como, neste caso, de violação." Considera porém que não se deve ficar por aqui: "Falta ainda uma dimensão de reparação em relação às vítimas, que o CES deveria assumir, inclusivamente porque, como sabemos, da parte de direções anteriores houve ações do próprio CES sobre as vítimas, e também sabemos que há ainda melhorias a fazer no CES porque há ainda resquícios de estruturas de poder que podem conduzir a más práticas. Deve haver agora um investimento na reparação das vítimas e o aprofundar de uma democracia que não permita que estes abusos tornem a acontecer. O caso de Bruno Sena Martins e de Boaventura de Sousa Santos, com a dimensão que adquire, e a ação do CES, têm de ser exemplares para que noutras instituições se possa proceder de forma a a proteger as vítimas e para que não haja vítimas."

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Todos sabiam?

Também o Coletivo de Vítimas do CES, grupo de mulheres criado na sequência da publicação, em 2023, do artigo que acusava Boaventura de Sousa Santos e Sena Martins, aplaude a saída do antropólogo mas quer mais: "Este é um resultado importante para a segurança das mulheres que continuam a trabalhar e a estudar no Centro de Estudos Sociais. Entendemos, no entanto, que um processo justo exigiria que o CES percorresse um caminho muito mais exigente, assumindo responsabilidade institucional por aquilo que aconteceu com as vítimas e responsabilizando os agressores pela violência que exerceram enquanto membros da instituição."

E prosseguem: "Continuamos a lamentar a violação do nosso direito à informação por parte da instituição, que encerrou um processo de apuração prévia e ilibou a pessoa que agora cessa contrato na sequência de uma reportagem, sem nos dar a conhecer resultados e conclusões e sem nos permitir questionar a falta de responsabilização de agressores pelos factos que denunciámos. Não há transformação real ou outro futuro sem o reconhecimento completo da verdade".

Recorde-se que a 17 de março Bruno Sena Martins tinha anunciado, em declarações à agência Lusa, o fim da suspensão e o seu regresso ao CES, informando que a direção do CES o informara de que se concluíra, no que lhe dizia respeito, pela inexistência de “fundamento para um processo disciplinar, nem no plano laboral, nem estatutário”. “Plenamente convicto da lisura das minhas ações e certo da minha integridade pessoal e funcional, não esperava outro desfecho”, comentava o antropólogo.

Estas declarações seguiram-se a uma comunicação, publicada a 26 de janeiro no site do CES, na qual se informava de que “na sequência do encerramento do processo prévio de inquérito que não resultou na abertura de quaisquer processos disciplinares”, Bruno Sena Martins tinha levantado "a suspensão do exercício de cargos de responsabilidade e/ou representação institucional” a que se obrigara desde abril de 2023.

O Coletivo diz ainda: "Lamentamos, ainda, o silenciamento, a vergonha e a descredibilizaçao que as vítimas passaram, que resulta também da ausência de uma reflexão sobre a falha institucional na proteção das denunciantes. Entendemos que a Universidade de Coimbra também se deveria pronunciar e assumir uma política de tolerância zero a violações de direitos humanos que ocorrem com estudantes matrículadas na Universidade. No momento, pela proteção e segurança das mulheres, reiteramos que a decisão é importante, mas insuficiente. A prevenção do assédio sexual e moral deve ser uma prioridade em todas as universidades e estabelecimentos de ensino do mundo. Sem justiça, verdade e apuração real de responsabilidades, não se pode falar em reparação ou compromisso com a luta contra o assédio. Seguimos com a nossa luta".

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