A promessa é sempre sedutora e mostrada da forma mais realista possível: os anúncios nas redes sociais e grupos em apps de conversa indicam um emprego garantido em Portugal, ordenado, hospedagem, dinheiro para o passaporte e bilhete aéreo. Além dos supostos benefícios, a mensagem é acompanhada de outros relatos em vídeos de brasileiras que já estão felizes em Portugal, após este recrutamento à distância. Mas a realidade é outra: são chamarizes para vítimas do crime de tráfico sexual de mulheres em Portugal. Este é o modus operandi identificado num estudo realizado pela investigadora Iara Lemos, mestranda em Estudo sobre Mulheres, Gênero e Cidadania pela Universidade de Lisboa. Um livro, intitulado O Silêncio das Gaiolas, com alguns dos relatos da investigação também será publicado em breve.Lemos identificou pelo menos 12 vítimas deste crime no ano passado - as que conseguiram literalmente fugir dos aliciadores e pedir ajuda. “São muitas mais vítimas, é difícil chegar ao número total pela dinâmica do crime”, começa por dizer ao DN. Há ainda outra particularidade: todas são do estado brasileiro de Goiás, localizado perto da capital Brasília, porque o estudo de Lemos é concentrado nas vítimas deste estado. “Muitas pessoas pensam que São Paulo, por ser maior, é o estado com mais mulheres traficadas, mas é Goiás, por ter mulheres muito bonitas e ser uma região de muita desigualdade social”, explica Iara Lemos. .As falsas promessas são exatamente o que estas mulheres procuram: trabalhar na Europa e ter uma melhor condição de vida. “Eles dizem que a pessoa vai para Portugal, vai ter condições de comprar uma casa, de ter uma estrutura melhor para os seus filhos aqui no Brasil e que cuidam de tudo”, pontua.Estas redes operam no país e em Espanha, com maior atuação na Grande Lisboa e também na região de Braga, perto da fronteira. “São muitas redes diferentes, com atuações parecidas, algumas até conversam entre si, mas espalhadas, o que também dificulta a atuação policial”, detalha. Os aliciadores são portugueses e de outras nacionalidades europeias, mas também brasileiros, de acordo com a investigação. Uma das primeiras atitudes dos criminosos na chegada das vítimas é a retirada do passaporte. “Sem passaporte ela já fica refém”, cita a investigadora.Depois, vem a cobrança por tudo: pelo passaporte pago previamente pelos criminosos, pelo bilhete aéreo, transporte, hospedagem, tudo é motivo para formar uma dívida sem fim. “É 10 mil de passagem, mais 10 mil de hospedagem, ou seja, você já vai ter que pagar no mínimo 20 mil para conseguir sair. A cada dia de trabalho, a dívida só aumenta, e não o contrário. São mulheres que são obrigadas a fazerem programas atrás de programas sem que tenham condições de sair do lugar em que elas estão colocadas”, detalha. Segundo a investigadora, os casos que identificou ilustram exatamente a atual definição de tráfico de pessoas para fins sexuais, dentro da chamada “escravidão moderna”.As maneiras de fuga são várias, especialmente pedir ajuda por bilhetes ou tentar ir em locais públicos, como supermercados, e depois fugir. “Mas é muito difícil, porque estas mulheres estão sob vigilância dos aliciadores durante 24 horas por dia”, pontua. De acordo com a investigadora, o facto de as vítimas entrarem no país como turistas e depois estarem em situação de ilegalidade documental também é uma dificuldade a mais para fugir. Na época do antigo Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) o relatório anual trazia dados sobre este crime, mas desde a criação da Agência para Integração, Migração e Asilo (AIMA) os números não estão no relatório. Já o RASI 2024 indica que foram sinalizados pelo menos 26 casos em 2023. Por isso, recomenda que Portugal tenha estruturas especializadas para que as vítimas não sejam tratadas como criminosas nestes casos, além de mais cooperação policial entre Portugal e o Brasil. Além disso, tem outra conclusão que considera essencial. “É importante também que as vítimas não sejam julgadas, porque este é também um impeditivo para que procurem ajuda”.amanda.lima@dn.pt.Consulado do Brasil em Lisboa chama atenção para o risco de tráfico humano. Portugal tem casos.Quarenta mulheres brasileiras libertadas em Espanha em operação contra exploração sexual