“A quem vamos dirigir-nos para conversar?”, questiona Alam Kazol, líder da comunidade do Bangladesh no Porto, perante o facto de o novo governo ter acabado com a Secretaria de Estado da Igualdade e Migrações. A preocupação de Kazol é a mesma de outros representantes de associações de imigrantes ouvidos pelo DN. Os líderes já estavam apreensivos com o futuro das políticas de imigração e integração em Portugal, especialmente com medo de possíveis retrocessos. .“É mesmo muito mau. Com o Governo anterior ao menos tínhamos oportunidade de reunir com uma pessoa para ouvir os nossos problemas. Não sei como vamos fazer, com quem devemos falar. Eu acho que é muito importante termos um secretário de Estado”, diz Alam Kazol..A opinião é partilhada por Amadou Diallo, da Associação de Apoio a Imigrantes e Refugiados em Portugal (APIRP). “Isso é mau. Não pode ficar assim, temos que tentar falar com o Governo, porque há muito trabalho a ser feito”, explica. Alexandra Gomide, fundadora da associação UAI, com sede em Braga, considera a situação “preocupante”, especialmente pela procura de serviços na área. “Ficamos muito preocupados, porque sabemos do momento muito intenso que o país vive em relação ao assunto imigração. Sabemos que o número de imigrantes tem aumentado. Ainda não sei o que o novo Governo vai fazer, mas, em princípio, pensar no fim da secretaria de Estado, é um pouco assustador para a gente”, argumenta..Pedro Góis, um dos principais especialistas na área das migrações em Portugal, vê a decisão como um “erro” e uma “desvalorização” do tema. “Há aqui uma omissão que me é estranha. Num momento em que a extrema-direita tenta apoderar-se do tema, a melhor maneira de agir é resolver os problemas”, argumenta..“Sem uma ação dedicada, ao menos uma secretaria de Estado, não faço ideia de como vai funcionar, de como o tema será estruturado”, complementa Góis. Outro profissional que também atua na área concorda que “sem uma tutela direta com uma secretaria de Estado não é bom, é um sinal político relevante, onde se torna claro que a temática não é uma prioridade política para o Governo”, pontua..A decisão de extinguir a secretaria das migrações acontece no momento em que o número de imigrantes residentes é o mais alto de sempre - pelo menos 800 mil estrangeiros com título de residência. Ao mesmo tempo, a recém criada Agência para as Migrações e Asilo (AIMA) - em relação à qual o PSD votou contra na altura - está a tentar resolver as pendências herdadas pelo antigo Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF)..Os representantes das associações são unânimes na opinião de que é preciso melhorar o serviço da agência, principalmente na área documental. “Antes víamos as pessoas em processo de regularização com problemas, mas, agora, também temos aqueles que entram no país com visto e não conseguem um agendamento”, conta Alexandra Gomide. .Os imigrantes de Bangladesh e outras comunidades da Ásia que procuram a associação no Porto também reclamam da demora no atendimento e da dificuldade em conseguir contacto. “O telefone ninguém atende, os problemas continuam como antes, quando era o SEF”, recorda Alam Kazol. .Tutela fica na presidência.Ao DN, um porta-voz do governo de Luís Montenegro afirmou que a tutela das Migrações ficará no Ministério da Presidência. O mesmo tinha acontecido no governo de António Costa, no entanto, com uma inédita Secretaria para Integração e Igualdade, que foi chefiada por Cláudia Pereira, com extenso currículo na área. No mandato de 2022 a 2024, a pasta migrou para os Assuntos Parlamentares, mas continuou com uma secretaria de Estado, que também tinha a tutela da igualdade. A então ministra Ana Catarina Mendes também possuía experiência na matéria..No governo de Luís Montenegro, será António Leitão Amaro a decidir. O currículo do ministro não refere nenhuma experiência na área. Nos três mandatos que cumpriu no Parlamento também não há propostas ou trabalhos nas migrações. A pasta tem dois secretários, mas igualmente sem experiência no tema. .Paulo Lopes Macedo, secretário de Estado da presidência do Conselho de Ministros é advogado e docente universitário, com publicações relacionadas em regulação e meio ambiente. Rui Freitas, secretário de Estado adjunto e da presidência, é economista e empresário com passagem pelo setor têxtil e dos media..Os políticos terão, entre os desafios, definir uma estratégia para a AIMA, numa altura em que esta enfrenta críticas e protestos de imigrantes de norte a sul do país (esta sexa-feira aconteceu uma manifestação no balcão da AIMA em Braga), melhorar a integração dos imigrantes, implementar o plano de ensino da língua portuguesa e o Pacto Global das Migrações. O futuro dos títulos da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) e a criação de um sistema eficiente de emissão e renovação dos documentos igualmente figuram a lista de desafios..O programa eleitoral apresentado por Luís Montenegro não tinha nenhuma medida específica para as migrações, mas assinalava a necessidade de “mudar”. No discurso da tomada de posse, o primeiro-ministro voltou a referir que a imigração “tem de ser regulada, atrativa para profissionais qualificados, proativa com os jovens estudantes e capaz de reunir famílias (...). Queremos um país humanista e acolhedor, que não está nem de portas fechadas, nem de portas escancaradas”. Sem uma área dedicada a essas ideias expressas por Montenegro, não fica claro como será executado. .amanda.lima@globalmediagroup.pt