Qual deveria ter sido a resposta dos sistemas de segurança do elevador da Glória mediante a rutura de um cabo? O sistema estava preparado para detetar e reagir ao aumento da velocidade? Há na verdade um sistema automático de frenagem ou é necessário intervenção humana? A resposta não é cabal. O presidente da Carris, à pergunta “tem o elevador algum sistema de segurança de redundância que seja acionado automaticamente em caso de inconsciência do guarda freios”, foi evasivo. “Temos alguns sistemas de segurança”, começou por dizer Pedro Bogas salientando que a “ferrovia ligeira e especialmente com 100 anos”, não obedece à lógica do sistema ferroviário, em geral, prometendo “detalhar todas estas questões, de forma muito precisa”, nas conclusões do inquérito. João Carlos Quaresma foi quadro técnico da Carris ao longo de 26 anos, de 1976 a 2002, cinco dos quais nas funções de diretor técnico, responsável pela manutenção de toda a frota da empresa, diz que o elevador da Glória dispõe de um sistema de travagem por ar comprido (o ar é produzido por um compressor, armazenado em reservatórios, provocando a “ descida de um calço, que faz atrito com o carril”) sistema esse que implica a intervenção humana. “É o sistema que existia quando eu era o responsável e não me parece que tenha sido alterado ou acrescentado. É um sistema que tem de ser acionado pelo guarda-freio, pressionando um manípulo, sem isso não funcionará”, diz, lembrando que o elevador da Glória “não tem propriamente um piloto automático. São dinossauros tecnológicos”. Para o especialista, a reação do condutor tem de ser imediata. “O que não é fácil. Ao contrário dos condutores de autocarros, os guarda-freios vivem numa rotina. Ali nunca nada acontece. Foi a completa surpresa”. O cabo maldito “O cabo pode ter sido o último elemento critico de um sistema que entrou em colapso”, diz ao DN Carlos Neves. Para o presidente do Colégio de Engenharia Mecânica da Ordem dos Engenheiros “pode ter-se tratado de uma rutura ou de um desengate do cabo das roldanas”, diz, sendo certo que o cabo de tração, único, falhou, comprometendo a engrenagem. Com estrutura metálica muito resistente, o elevador funciona com dois vagões interligados que se deslocam simultaneamente em direções opostas, cruzando-se a meio do percurso, em sistema de contrapeso. Esse sistema de contrapeso é suportado por um único cabo, com roldanas em cada terminal, formado por filamentos de aço sujeitos a forte torção. O que pode levar à rutura de um cabo? “Um fenómeno extremo e muito intenso. Desde um corte intencional a um excesso brutal de carga. Os materiais podem romper por fenómenos de intensidade rápidos. Ou, então, em consequência de fenómenos progressivos”, explica Carlos Neves. A chamada fadiga dos materiais que leva a desgaste prolongado e consequência perda de resistência. Sabotagem, seria um cenário possível? O especialista em engenharia mecânica não acredita. “Em abstrato não pode excluir-se, mas não é de todo a causa provável”. Tragédia ainda maior “Imaginemos que o vagão não descarrilava e seguia o carril, entrando a toda a força pela Praça dos Restauradores adentro? A tragédia poderia ser maior” lembra Carlos Neves. O elevador da Glória estava sujeito a inspeções e reparações gerais, a última em 2022, intermédias anuais (2024) e técnicas detalhadas (maio de 2025). “Um equipamento com mais de 100 anos fala. É preciso perceber e interpretar a mensagem, por conhecimento empírico, por observação, ou indo mais além. Falta-nos saber como é que a Carris tem vindo a interpretar esses relatórios de manutenção”. Carlos Neves aconselha que se olhe para o relatório do incidente de 2018, um descarrilamento do mesmo ascensor. E lança perguntas: “Até que ponto um sistema projetado há 140 anos está dimensionado para o uso atual com um fluxo de três milhões de passageiros por ano? Há sensores de carga? Será que 42 passageiros correspondem sempre ao peso ideal?”