Muitos polinizadores dependem do néctar como alimento. Se as plantas produzirem menos, os insetos passam fome. SAMSON ACOCA-PIDOLLE VIA THE NEW YORK TIMES
Muitos polinizadores dependem do néctar como alimento. Se as plantas produzirem menos, os insetos passam fome. SAMSON ACOCA-PIDOLLE VIA THE NEW YORK TIMES

As flores estão a evoluir para terem menos sexo

À medida que o número de abelhas e outros polinizadores diminui, as violetas-dos-campos adaptam-se fertilizando as suas próprias sementes, descobriu um novo estudo.
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Todas as primaveras, biliões de flores reproduzem-se com a ajuda de abelhas e outros animais. Atraem os polinizadores para as suas flores com cores garridas e néctar. Ao deslocarem-se de flor em flor, os animais levam consigo o pólen, capaz de fertilizar as sementes de outras plantas.

Um novo estudo sugere que os humanos estão a alterar rapidamente este ritual anual da primavera. À medida que os pesticidas tóxicos e o desaparecimento dos habitats foram reduzindo as populações de abelhas e outros polinizadores, algumas flores evoluíram para fertilizar mais frequentemente as suas próprias sementes, em vez das de outras plantas.

Os cientistas mostraram-se surpreendidos com a rapidez das mudanças, que ocorreram em apenas 20 gerações. “Trata-se de uma rápida evolução”, afirmou Pierre-Olivier Cheptou, ecologista evolutivo da Universidade de Montpellier, em França, que liderou a investigação.

Cheptou sentiu-se motivado para realizar o estudo quando se tornou claro que as abelhas e outros polinizadores estavam a sofrer um declínio drástico. Questionou-se se as flores que dependem dos polinizadores para se reproduzirem encontrariam outra forma de o fazer.

O estudo centrou-se numa planta herbácea chamada violeta-dos-campos, cujas flores brancas, amarelas e roxas são comuns nos campos e nas bermas das estradas em toda a Europa.

As violetas-dos-campos recorrem normalmente a abelhas para se reproduzirem sexualmente. Contudo, também são capazes de utilizar o seu próprio pólen para fertilizarem as suas sementes, um processo designado por autopolinização.

A autopolinização é mais prática do que o sexo, uma vez que a flor não tem de esperar pela visita de uma abelha. Porém, uma flor que se autopoliniza apenas pode utilizar os seus próprios genes para produzir novas sementes.

A reprodução sexual permite que as flores cruzem o seu ADN, criando novas combinações que as podem tornar mais bem preparadas para doenças, secas e outros desafios que as gerações futuras possam enfrentar.

Para acompanhar a evolução das violetas-dos-campos nas últimas décadas, Cheptou e os seus colegas tiraram partido de uma reserva de sementes que os Conservatórios Nacionais de Botânica de França recolheram nos anos 90 e no início dos anos 2000.

Os investigadores compararam estas flores antigas com as novas flores do meio rural francês. Após terem cultivado as sementes novas e antigas lado a lado no laboratório, em condições idênticas, descobriram que a autopolinização aumentou 27% desde a década de 1990.

Os investigadores compararam também a anatomia das plantas. Embora as novas violetas-dos-campos não tenham sofrido alterações no seu tamanho geral, as suas flores diminuíram 10% e produziram menos 20% de néctar.

Os investigadores suspeitaram que estas alterações tornaram as novas violetas-dos-campos menos apelativas para as abelhas. Para testar essa hipótese, colocaram colmeias de abelhas dentro de recintos com violetas-dos-campos antigas e novas. De facto, as abelhas visitaram mais as plantas antigas do que as novas.

Segundo Cheptou, com o declínio das populações de abelhas, o custo da produção de néctar e de flores grandes e atraentes pode ter-se tornado um fardo para as flores. Em vez de investirem energia para atraírem os polinizadores, especulou, as violetas-dos-campos estão a ter mais sucesso ao direcioná-la para o crescimento e resistência a doenças.

Os investigadores suspeitam que muitas outras flores enfrentam o mesmo desafio à sua sobrevivência e podem também estar a evoluir na mesma direção. “Não há razão para pensar que outras plantas não tenham evoluído”, disse Cheptou.

Se isso se confirmar, as plantas podem estar a piorar uma situação que já era difícil para os insetos polinizadores. Muitos polinizadores dependem do néctar como alimento; se as plantas produzirem menos, os insetos passam fome.

Os polinizadores e as flores podem estar presos numa espiral descendente. A diminuição do néctar fará diminuir ainda mais as populações de insetos, tornando a reprodução sexual ainda menos compensadora para as plantas.

A espiral não será má apenas para os insetos, avisou Cheptou. Se algumas plantas acabarem por desistir completamente da reprodução sexual, é pouco provável que consigam recuperar essa capacidade.

A longo prazo, as limitações genéticas da autopolinização podem colocar as plantas em risco de extinção. “Não serão capazes de se adaptar, pelo que a extinção será mais provável”, disse Cheptou.

Os resultados foram “impressionantes, embora desanimadores”, disse Susan Mazer, botânica da Universidade da Califórnia, em Santa Bárbara, que não esteve envolvida na investigação.

Mazer afirmou que a espiral pode até ser pior do que a investigação de Cheptou sugeria. Além do declínio dos polinizadores, as plantas com flores estão a enfrentar outros desafios que podem estar a levá-las a abandonar a reprodução sexual.

O aquecimento global, por exemplo, está a acelerar o crescimento das flores. Pode estar a diminuir o período antes de as flores murcharem, durante o qual conseguem oferecer néctar aos polinizadores.

No entanto, Sasha Bishop, bióloga evolutiva da Universidade de Michigan, que não participou no estudo, afirmou que algumas flores podem responder ao declínio dos polinizadores de forma oposta.

Num estudo sobre as glórias-da-manhã no sul dos Estados Unidos, a investigadora e os seus colegas descobriram que, entre 2003 e 2012, as flores tornaram-se maiores, não mais pequenas. Os cientistas encaram esta mudança como uma estratégia para continuar a atrair as abelhas à medida que estas se tornam menos comuns.

“Podem investir na autopolinização ou na atração de polinizadores”, disse Bishop. “Ambos os resultados são perfeitamente razoáveis”.

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