Foi a ver o “pessoal dos helicópteros” a sair e a chegar de missões de busca e salvamento da Base Aérea n.º4, nas Lajes, ilha Terceira, que o Sargento-chefe Vítor Casimiro soube o que iria fazer da sua vida. Corria o ano de 2006, então com 31 anos e acabado de se formar na Força Aérea, este natural de uma aldeia perto de Bragança dava início a sua carreira de recuperador-salvador, que, 19 anos volvidos, fez com que atingisse um marco histórico na Força Aérea Portuguesa: 3 mil horas de voo no EH-101 Merlin, da Esquadra 752 - “Fénix”. O registo foi alcançado numa ação de busca na ilha do Pico, uma das 538 missões operacionais que já fez, contando com 272 evacuações aeromédicas e 105 missões de busca e salvamento, divididos entre os Açores, a Madeira e Portugal Continental. “Atingir este marco é um feito incrível e marcante na vida de qualquer um. E na minha, pessoalmente, deixa-me muito orgulhoso. São muitas horas dentro de um helicóptero, onde se vivem muitas emoções diariamente, e nem sempre as coisas correm como nós desejamos, mas o mais importante é nunca desistirmos e o nosso papel é ajudar quem precisa e voltar para casa em segurança”, confidenciou.As muitas mensagens que tem recebido, à conta do marco atingido, deixam-no “envergonhado”, pois recorda que “isto é o nosso papel. Nós deixamos de ter noção daquilo que fazemos, porque isto torna-se tão normal”. Colocado definitivamente nos Açores desde janeiro, Vítor Casimiro tem uma ligação quase umbilical à Região, sentindo-se já “um pouco açoriano”. Depois de ter tirado o “exigente” curso de recuperador-salvador, ficou destacado na Base Aérea número 6, no Montijo, porque a esquadra 752 que existia na Base Aérea Número 4, nas Lajes, tinha sido desativada com a substituição dos antigos helicópteros Puma, que viria a ser substituída pela Esquadra 751, com os atuais EH-101 Merlin.“Mas sempre fizemos destacamentos nos Açores: éramos 12 elementos, e fazíamos destacamentos de 15 dias na Região, depois voltávamos e íamos para a Madeira”. .O mar dos Açores é, contudo, um dos mais desafiantes que o Sargento-chefe já se encontrou na sua extensa carreira de uma profissão que é, física e psicologicamente, muito exigente. Classifica o mar açoriano como “o cenário ideal para encontrarmos diariamente esse tipo de condições climatéricas, muitas vezes marginais, principalmente quando executamos este tipo de missões. Claro que tem que se estar bem fisicamente, sempre, mas isso aprendemos desde que nos colocamos nesta posição de querer sermos recuperadores-salvadores”. Nas 3 mil horas de voo a bordo do EH-101 Merlin, muitas são as histórias que Vítor Casimiro recolheu. As más, diz, “são todas aquelas que infelizmente não deu para chegar a tempo para ajudar quem precisava”. Das boas, recorda-se de duas, em particular. Uma, em 2008, que ao abordar o pesqueiro que requereu ajuda, partiu o pé. “Percebi que isso tinha acontecido, mas eu tinha que sair dali e, já que tinha que sair dali, eu não ia sair sozinho. Então usei o equipamento de salvamento, coloquei-o no pescador e viemos os dois para cima. Para mim, isso foi um momento mau, mas ao mesmo tempo gratificante por ter conseguido fazer esse salvamento”, reconta. Ficou os seis meses seguintes parado, fruto da cirurgia e da fisioterapia necessária para debelar o pé partido.A outra, ocorreu a 300 milhas das Flores, já no limite de atuação do EH-101 Merlin, no resgate ao veleiro Kolibri, onde seguiam a bordo quatro noruegueses. O ano era 2015 e pela frente a equipa de busca e resgate enfrentava condições dantescas.“Fomos contactados, porque havia vários veleiros a pedir ajuda, devido a um forte temporal que se abateu sobre a Região. Só que nós temos o limite: apesar do alcance do nosso helicóptero ser muito grande, com esta aeronave nós vamos às 400 milhas desde o ponto de terra. Fomos a este, mas sabíamos que ia ser um dia complicado”.Levantaram voo de manhã e após uma paragem para reabastecimento de combustível “e tirar tudo o que não precisávamos” na ilha das Flores, partiram para o local onde se encontrava o veleiro, já identificado pelo avião C-295M.“Quando lá chegamos aquilo era só... só se via espuma branca. O veleiro era branco, ainda mais difícil foi identificá-lo. Estamos a falar de 10 metros de ondulação, que, pelo reporte dos tripulantes, já tinha estado maior, e ventos na ordem dos 90km/h”.O veleiro já tinha virado por duas vezes, mas a tripulação tinha conseguido recolocá-la na posição correta. “O cenário é... Nós muitas vezes não temos noção do perigo que estamos a correr. Mas estamos conscientes, porque treinamos para isto”.A ondulação “fora do normal” tornava a abordagem ao veleiro impossível, por representar uma situação “extremamente perigosa” para o recuperador-salvador. A solução passou por pendurar-se no cabo, descer e pedir aos tripulantes para, à vez, saltarem para a água. Um a um, eram içados até ao helicóptero, sãos e salvos.“Estas pessoas que andam no mar têm noção de que há alguém que os pode ajudar e deixou-me muito orgulhoso perceber o quanto confiaram em mim para se atirarem ao mar, com ondas de 10 metros, sabendo que iriam ser recuperados. Porque eu acredito que se não fosse o helicóptero, nunca mais conseguiriam salvar-se”.Missões bem sucedidas que são como “medalhas”, mas que o Sargento-chefe sublinha que são fruto de um trabalho coletivo. “O Vítor Casimiro não trabalha sozinho: nós somos cinco elementos e se um falhar, todos falham. Ninguém trabalha aqui sozinho dentro desta tripulação”. Uma equipa que, além do recuperador-salvador, é composta por pilotos, operador de guincho, médicos e enfermeiros. Um curso que leva ao extremo Além de resgatar pessoas no meio do Atlântico, o Sargento-chefe Vítor Casimiro há 12 anos que ensina os próximos recuperadores-salvadores. Como instrutor tático, reconhece que a profissão é muito apelativa, mas também muito exigente para os formandos.“Sempre tivemos muita gente a querer enveredar por isto. Infelizmente, os testes físicos são muito exigentes, assim como o curso, o que faz com que as pessoas acabem por ir desistindo. Não porque não tenham gosto em ser recuperador-salvador, mas por se aperceberem que são levados, muitas vezes, no limite. Temos que preparar as pessoas para esta realidade. Eles têm que saber qual é o limite deles. E durante o curso isso acontece”. Apesar de todos os desafios e exigências, sublinha que as próximas gerações estão asseguradas..O resgate do Kolibri.Foi em maio de 2015 que o Sargento-chefe Vítor Casimiro e a sua equipa enfrentaram uma das mais desafiantes operações de busca e salvamento no mar dos Açores. Ondas de 10 metros e ventos na ordem dos 90 km/h fizeram naufragar cinco veleiros, entre eles o Kolibri. A bordo, quatro noruegueses, que só foram resgatados graças à mestria da tripulação a bordo do EH-101 Merlin, do Esquadrão-752 “Fénix”. O veleiro virou por duas vezes e estava sem mastro (foto 1). O recuperador-salvador fez a leitura das condições (foto 2) e pediu aos tripulantes da embarcação que, à vez, saltassem para a água, onde viriam a ser resgatado por Vítor Casimiro (foto 3). Os quatro tripulantes foram salvos com vida (foto 4). .(Texto originalmente publicado no Açoriano Oriental)