Na visão do académico, não há preparação da arquitetura em Portugal para este novo cenário climático.
Na visão do académico, não há preparação da arquitetura em Portugal para este novo cenário climático.Foto: Gerardo Santos

António Lopes: "Os edifícios em Portugal não estão a ser desenhados para suportar extremos térmicos"

"Os centros das cidades estão-se a levar por esta moda de grande compactação e de cores muito escuras, e sobretudo muito impermeabilizadas", analisa o investigador.
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As novas construções em Portugal não estão a levar em conta os extremos térmicos, em especial as ondas de calor cada vez mais frequentes no país. A avaliação é do professor António Lopes, especialista em climatologia urbana, investigador e professor no Instituto de Geografia e Ordenamento do Território da Universidade de Lisboa (IGOT).

Na visão do académico, não há preparação da arquitetura em Portugal para este novo cenário climático. "O que é que se está a fazer em Portugal, ou melhor como é que estamos a preparar? Estamos a preparar muito mal, porque a escola bioclimática, portanto, das boas normas, das boas práticas com o clima e adaptação aos climas locais, está-se a perder", pontua.

E o que tem lugar? A estética. "Os centros das cidades estão-se a levar por esta moda de grande compactação e de cores muito escuras, e sobretudo muito impermeabilizadas. Portanto, nós não estamos a adaptar as cidades para o calor. Estamos a adaptar as cidades a uma estética", reflete.

António Lopes detalha como é esta estética. "Estão-se a usar muito dos envidraçados. Os envidraçados e as cores escuras são típicas do Norte da Europa, de regiões frias, que precisam de um balaço radiativo maior para tomar calor, para não terem que gastar tanta energia no inverno, sobretudo. São projetos já feitos e pura e simplesmente aqui aplicados sem qualquer critério, e que são muito maus para o calor", detalha.

Segundo o investigador, mesmo nos países nórdicos este perfil de construção começa a ser debatido - porque ninguém está imune às alterações climáticas. "Mesmo nos países do Norte da Europa, começam a questionar se é a melhor solução, porque lá também se começa a ter mais calor", conta. De acordo com o docente, esta é uma discussão em várias zonas da Europa, mas ainda pouco debatida em Portugal.

Ilhas de calor potencializadas

Ao mesmo tempo, esta estética obriga a ter potentes ar condicionados no interior, com um efeito cá fora.  "O ar-frio fica dentro dos edifícios e o calor dissipa-se, porque aquilo produz muito calor. Aliás, se nós estivermos no meio de uma rua, ao pé de um ar-condicionado, a saída de um ar-condicionado, o calor é tremendo. Porque se arrefece o interior e isso faz aquecer as ruas, naquele efeito que a gente chama das ilhas de calor", explica.

A situação é piorada pela falta de espaços verdes. "Uma das causas do aparecimento deste calor é não ter espaços verdes, estar tudo impermeabilizado. Portanto, as superfícies muito escuras absorvem o calor todo. Não conseguem dissipar o calor. O calor fica no meio da cidade, mas são mal ventiladas. Aumenta-se muito a densidade dos edifícios, com torres muito altas. E fica tudo muito, muito quente, faz o efeito de ilha de calor", contextualiza.

De acordo com o especialista, as cidades em Portugal não estão a ser preparadas para este calor. "Nós não estamos a procurar arrefecer a cidade, antes pelo contrário", resume. António Lopes cita o caso da Austrália, que está a adaptar a legislação neste sentido. "Quem construir edifícios desta natureza não tem, por exemplo, benefícios fiscais e terem taxas que eles próprios terão que suportar", conta.

Ao nível de arquitetura também há mudanças em estudo. "Inclusivamente estão a testar já novas formas de revestimento para conseguirem refletir a energia e não absorverem, para não provocar esses efeitos de ilhas de calor", detalha.

Apesar de Lisboa estar a "começar a pensar" no plano, "estamos no início do processo, e, portanto, ainda estamos muito longe do que outras cidades já conseguiram".

amanda.lima@dn.pt

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