António Araújo: “Tenho vindo a ser pressionado por múltiplos dirigentes de partidos para me candidatar à Câmara do Porto”

Depois de vários anos a tratar da saúde dos portuenses, o médico António Araújo quer tratar agora da saúde de um Porto que considera estar “doente”. Crítico da gestão de Rui Moreira na autarquia, o diretor do Serviço de Oncologia do Hospital/ULS de Santo António lidera o movimento cívico “Porto com Porto”, que se apresentou há pouco mais de um mês com o objetivo de repensar a cidade e encontrar soluções para os seus problemas, dos quais destaca a segurança, a mobilidade e o urbanismo. Como caderno de encargos, promete entregar na autarquia 50 propostas para melhorar o Porto a 20 anos, até 2045..A um ano das Eleições Autárquicas, com Rui Moreira em final de prazo por limite de mandatos, a iniciativa de António Araújo é também apontada por várias figuras locais como posicionamento estratégico num tabuleiro político ainda em aberto..Ao DN, o médico - que fez parte do Conselho Estratégico Nacional do PSD na altura da presidência de Rui Rio - revela que tem sido pressionado a avançar com uma candidatura à Câmara do Porto por figuras de partidos de centro-direita (PSD, CDS e Iniciativa Liberal). Sublinha que não é esse, para já, o objetivo do movimento, mas também não fecha portas: “Todas as opções estão em aberto. A seu tempo, iremos ver.”.E com o nome do seu irmão, Fernando Araújo, ex-diretor do SNS, também cogitado para a corrida autárquica por alguns setores do PS (tal como o do seu ex-colega de escola Manuel Pizarro), podemos até arriscar-nos a ter um duelo de irmãos pela Câmara do Porto? António Araújo garante que o tema ainda não chegou às reuniões familiares: “Tenho uma excelente relação com o meu irmão.” Depois de uma vida ligada à Medicina, que diagnóstico o levou a querer intervir na cidade do Porto? Primeiro, o facto de ter chegado ao cume da minha atividade profissional. Sempre vivi no Porto, nasci no Porto, cresci no Porto, vivi grande parte da minha vida no Porto e, portanto, muito daquilo que eu sou devo-o à cidade e acho que está na altura de, de alguma forma, retribuir aquilo que a cidade me permitiu fazer. E isso começou por se traduzir na criação de um movimento cívico que pense nos problemas da cidade e que pense em encontrar soluções. A outra vertente tem a ver com, neste momento, a cidade estar muito doente e, realmente, quando a cidade está doente, se calhar precisa de um médico para encontrar a melhor terapêutica. E o Porto está, de facto, doente a vários níveis. .Mas o que é que o preocupa, então, em relação ao estado da cidade, além daquilo que é do senso comum e que se ouve na maior parte das queixas das pessoas, que tem a ver com o excesso de turismo e a dificuldade em viver na cidade. Esse é um diagnóstico correto e é relativamente consensual. Eu diria que o primeiro problema, a primeira preocupação dos portuenses, é a segurança, neste momento. A cidade está insegura..Sente-se inseguro no Porto, hoje em dia? Eu, como saio pouco à noite e os meus percursos são mais ou menos os mesmos, não. Mas vivo numa zona de grande insegurança, perto da Pasteleira, que é um centro de tráfico de droga a céu aberto durante o dia, por exemplo. E isso faz com que os cidadãos sintam realmente essa insegurança. Nós hoje assistimos a violência grave na cidade, em níveis que não sentia há uns anos. O segundo grande problema é a desertificação da cidade por portuenses, por cidadãos do Porto. Nós, há uma dúzia de anos, queixávamo-nos de que a cidade estava muito deserta, mas havia portuenses na cidade. Hoje temos a cidade muito cheia, mas temos a cidade muito cheia de turismo..O manifesto do seu movimento “Porto com Porto” fala da descaracterização da cidade. Falta alma, agora, ao Porto?.Nós pretendemos que o movimento espelhe a alma do portuense, para mantermos a identidade do Porto. O turismo, que foi uma alavanca muito grande para o desenvolvimento, para a modernização da cidade, realmente veio descaracterizá-la muito. E essa descaracterização é visível a todos os níveis. Hoje, na maior parte dos restaurantes, por exemplo, sinto-me um verdadeiro turista. Como é que é possível que um portuense se sinta turista na sua própria cidade? É sinal de que essa cidade está muito descaracterizada..Como sabe, não é um fenómeno exclusivo do Porto. Há queixas do género em várias cidades na Europa. Que medidas concretas pode o Porto adotar? Nós temos uma ideia, por exemplo, que iremos propor, que é aumentar a taxa turística. Quando comparamos com cidades iguais, com o mesmo índice de turismo, a taxa turística no Porto é muito inferior. Mesmo assim, de um ano para o outro, nestes últimos dois anos, quase duplicou a taxa turística. Eu penso que nesta altura anda na casa dos 14 milhões, mais coisa, menos coisa. Se nós pudermos aumentar, imagine, para 5 euros a taxa turística, poderemos aumentar o retorno financeiro para a câmara para a casa dos 36 a 40 milhões. E esse retorno financeiro deveria servir para, de alguma forma, colmatar as dificuldades que os portuenses sentem na sua cidade. Diminuir impostos que a cidade cobra aos portuenses, por exemplo, quando procuram a primeira casa. Faria todo sentido aproveitar todo este aumento de turismo para realmente trazer algum bem à população..E acha que isso seria suficiente para combater a distorção do mercado de habitação? Não, claro que não. Mas, pelo menos, o portuense ia sentir que esse aumento de turismo ia trazer-lhe algum benefício diretamente. Depois, o turismo tem muitas outras facetas. Por exemplo, veja-se a questão do alojamento local. Hoje em dia, há ruas em que praticamente todas as casas seguidas são alojamento local..Defende maior restrição nas regras do alojamento local? É preciso haver alguma racionalização nas regras. Os portuenses têm de ter espaço para viver, têm de ter casas que possam habitar. A autarquia deveria, por exemplo, limitar o número de alojamentos locais por rua, ou por zona. De forma a deixar casas para os portuenses..É muito crítico da atuação de Rui Moreira na Câmara do Porto. Em que é que ele tem falhado, em concreto, como presidente da autarquia? O que nós notamos em Rui Moreira é que esteve calado nos últimos anos, face a uma série de grandes problemas, e nos últimos dois meses ou três tem vindo a público, múltiplas vezes, queixando-se ora da falta de segurança, da falta de cumprimento da Metro do Porto, da falta de regras para o alojamento local… Acho que o dr Rui Moreira, neste momento, tem tido uma atitude em que se quer desresponsabilizar destes problemas, que foram aumentando na cidade e em que ele, por questões múltiplas, provavelmente até por algum tipo de situação menos importante para a cidade do Porto, foi olhando para o lado, ignorando estes problemas e, agora que está na fase final de mandato, acordou para eles. .Que nota daria aos mandatos de Rui Moreira enquanto autarca no Porto? Sabe que eu, sendo professor do ICBAS, tenho muito costume de dar notas 0 a 20. Mas nunca é fácil classificar alguém. Na questão do dr. Rui Moreira, aquilo que se verificou é que ele começou muito bem no seu primeiro mandato e ao longo do segundo e agora do terceiro tem vindo a perder força. E tem vindo a perder preponderância na cidade. Hoje em dia a cidade é muito crítica da atuação do dr. Rui Moreira. E é muito crítica porque ele foi-se alienando progressivamente dos problemas da cidade. E foi-se isolando cada vez mais nele mesmo. E isto não pode acontecer. Um outro aspeto: o Porto, nos últimos três mandatos, perdeu todos os grandes eventos de nível mundial que pudessem caracterizar a cidade. Falamos do Circuito Automóvel da Boavista, do Red Bull Air Race... Hoje em dia, tirando a Festa de São João, o que é que caracteriza a cidade do Porto em termos europeus ou mundiais? Nada. E nós precisamos de encontrar um evento que seja icónico para a cidade. O Porto, neste momento, não tem nenhum..Voltando ao Movimento “Porto com Porto” e à sua vontade de ajudar a pensar o futuro da cidade, nunca equacionou este tipo de intervenção cívica enquadrado no âmbito de um partido político? A militância partidária nunca o cativou? Eu sempre fui independente e tenho-me como independente. Nunca pensei em ligar-me a um partido, nem acho que seja necessário, para termos uma atividade cívica intensa e ativa, estar ligado a um partido. Qualquer cidadão comum pode e deve, no seu dia a dia, ter uma intervenção cívica, a todos os níveis da sociedade, incluindo da sua cidade. Mas relativamente à questão partidária, eu pertenci e fui o responsável do setor da saúde do Conselho Estratégico Nacional do PSD, na altura da presidência do dr. Rui Rio, e nem aí senti necessidade de me filiar no partido, porque o partido recebeu-me sempre de braços abertos. Não só o dr. Rui Rio, mas todo o PSD. Portanto, volto a dizer que não sinto necessidade de me filiar num partido para exercer a ação cívica. .Mas é adquirido que é essa a família política com que se identifica mais, a do PSD? Como independente, o meu lugar é realmente no centro-direita. Para responder já a uma pergunta que, com certeza, me vai fazer, eu tenho vindo a ser muito pressionado por múltiplos dirigentes de múltiplos partidos - PSD, CDS, Iniciativa Liberal - para me candidatar à Câmara de Porto. Portanto, eu não sou exclusivamente do PSD em termos políticos, eu sou um independente que se enquadra na área do PSD, mas que professa algumas ideias de outros partidos que se situam no centro-direita, no espetro político do centro-direita..Portanto, já lhe foi expressa diretamente essa vontade por parte de algumas forças políticas, para que possa formalizar uma candidatura autárquica na sequência deste movimento? Tem havido alguma pressão de vários dirigentes desses partidos políticos. No entanto, neste momento, aquilo que nos interessa é apenas pensar a cidade, identificar problemas e encontrar soluções. A seu tempo, iremos ver se e quando avançaremos para outro nível de intervenção política. Todas as opções estão em aberto. .A opção está em aberto, mas dependerá exatamente do quê, no seu caso? De haver um compromisso oficial por parte de um desses partidos? Não, não, de todo. Isso dependerá apenas do meu sentir e da minha vontade, depois de pesar os prós e os contras de uma decisão dessas. Irei ouvir, com certeza, as pessoas que me são próximas, para depois decidir o que fazer. Mas não tem rigorosamente nada a ver com a existência ou não de apoio de um determinado partido ou de outro..Nessa corrida que se perspetiva para a Autarquia do Porto, obviamente, não ignora o facto de também já ter sido lançado o nome do seu irmão, Fernando Araújo, cogitado nas hostes do Partido Socialista. Eu gosto muito do meu irmão, deixe-me dizer. Temos percursos paralelos, sempre nos entreajudámos nas nossas atividades profissionais, e mesmo quando estudávamos. Quando chegámos à idade adulta, divergimos um pouco nas nossas opiniões políticas e cada um seguiu o seu caminho. Mas é uma pessoa de quem eu gosto muito, que prezo muito. Tenho uma relação excelente com o meu irmão. .E essa perspetiva de podermos ter aqui uma corrida de irmãos para a câmara é algo que já abordaram em alguma das reuniões de família? É um tema que, neste momento, não se coloca. Não se coloca porque nem eu, neste momento, estou a correr para lado nenhum, a não ser eventualmente para a minha casa, depois deste almoço, nem sei se o meu irmão estará a correr para outro lado qualquer. .Mas vê o cenário como possível, ou nesse caso algum de vós recuaria perante o outro? Isso são cenários em que nós estamos a especular. Portanto, na especulação tudo é possível..Já falou da sua proximidade com Rui Rio. Não teme ser visto como alguém que vem na sequência do que foi a atuação do Rui Rio na Câmara do Porto? Ou seja, uma via de regresso, digamos assim, aos tempos do Porto de Rui Rio? Não, deixe-me dizer que eu sou amigo do dr. Rui Rio, e isso é conhecido e é público das pessoas. Mas este meu percurso, em termos de movimento cívico, nada tem a ver com o dr. Rui Rio. Este é um movimento cívico independente, liberal, que se pretende inovador para a cidade do Porto, e é completamente apartidário. E, portanto, independentemente das minhas relações de amizade com o dr. Rui Rio, este é um movimento completamente independente, essa questão não se coloca..E acha que ele foi um bom presidente de câmara? O Dr. Rui Rio foi um grande presidente da Câmara do Porto. Não tenho dúvida nenhuma.

António Araújo: “Tenho vindo a ser pressionado por múltiplos dirigentes de partidos para me candidatar à Câmara do Porto”

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