Sociedade
29 janeiro 2022 às 00h37

Apesar da covid-19, Portugal está com menos mortes do que no mesmo período de 2017 a 2019

Desde o dia 1 de janeiro até dia 27, morreram 10 072 pessoas no nosso país, menos 1233 do que no mesmo período entre 2017 e 2019. Deste total, 789 foram notificadas como vítimas da covid-19, mas a equipa da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa diz ser fundamental saber como está a ser feito o registo dos óbitos por SARS-CoV-2, até para escrutinar a gravidade da doença. No entanto, a primeira leitura "é que a infeção não está a impactar a mortalidade geral". "As mortes estão abaixo da média dos anos pré-pandemia".

Há uma semana que o número de mortes por covid-19 oscila diariamente entre os 30 e os 49. Muito menos do que os óbitos que se registavam precisamente há um ano só pela infeção e que oscilavam entre os 221 e os 330 por dia. Nessa altura, o número de mortes por covid foi impactante na mortalidade global. Agora, não.

Por isso mesmo, o professor Carlos Antunes, que integra a equipa da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa que faz a modelação da evolução da doença e também a avaliação à mortalidade geral e por covid no país diz ser fundamental saber como está a ser feito o registo de óbitos das pessoas infetadas, "até para se perceber a verdadeira gravidade da doença", acrescentando: "Repare, se temos todos os dias mais de 40 óbitos provocados pela infeção, é porque a doença mantém alguma gravidade. Mas se dos mais de 40 óbitos só cinco ou seis é que têm como causa de morte a infeção, porque todos os outros morreram devido a outras doenças, independentemente da infeção, então a gravidade é muito reduzida."

O professor esclarece que não está a fazer qualquer afirmação sobre haver erros no registo de óbitos, mas que esta é uma questão que pode ajudar "a escrutinar a gravidade que a doença continua a ter", justificando ainda: "Alguns hospitais já vieram assumir que a maioria dos doentes internados nas alas covid, estão lá, não porque a infeção agravou, mas porque estavam a ser tratados para outras doenças, mas testaram positivo ao SARS-CoV-2". Perante esta situação, Carlos Antunes reforça: "É mesmo preciso saber se na contabilidade das autoridades entram os doentes que morrem por outras doenças, mas que estão infetados. Se é assim, diria que quase todos os óbitos registados nas últimas semanas, e olhando para o perfil dos internados, tiveram como causa de morte outras doenças que não a covid, mas não temos dados", argumenta.

O DN contactou a Direção-Geral da Saúde (DGS) para obter um esclarecimento sobre esta questão e na resposta enviada é afirmado que, "no relatório de situação diária, apenas são reportados os óbitos por covid-19". Ou seja, devido à doença. A DGS sublinha que este é o critério definido pela "OMS para a codificação dos certificados de óbito", que segue desde o início da pandemia. Esclarecendo, por outro lado, que "não são reportados os óbitos de pessoas que, embora infetadas com covid-19, não tenha sido a infeção a causa que levou ao óbito".

Quem está no terreno confirma ao DN que "o registo informático de óbitos permite destrinçar a causa de morte independentemente da infeção. O doente pode estar infetado, mas o médico tem de registar se essa é ou não a causa de morte". A afirmação é do pneumologista Filipe Froes, que desde o início da pandemia trata doentes com covid-19 e que é também coordenador do Gabinete de Crise para a Covid-19 da Ordem dos Médicos. "Não há razão para erros no registo de óbitos. Se me pergunta se podem acontecer, direi que sim. Os aviões também não devem cair e caem", remata.

Voltando aos dados sobre a mortalidade neste primeiro mês do ano, Carlos Antunes diz poder fazer-se já uma primeira leitura - "é que, e apesar de haver mais óbitos agora do que há uns meses, o aumento que se está a registar não é impactante para a mortalidade global". Aliás, sublinha, "neste momento, o país está com o que chamamos um excesso negativo em termos médios relativamente ao mesmo período entre 2017 e 2019. Temos menos mortos do que nesses anos".

Neste janeiro, "a média diária de óbitos tem sido de 360 a 370, quando a média diária no mesmo período, nos anos entre 2017 e 2019, foi de 440, o que quer dizer que estão a morrer menos 40 a 50 pessoas, em média". Como diz, o país está a viver uma situação inversa à da pré-pandemia, colocando mesmo uma nova questão: "Também pode ser devido às restrições a que temos estado submetidos e ao uso de máscara que impeça outras infeções respiratórios que também provocam mortes, como a gripe."

Contudo, esta tese também contraria o que se observou nas vagas anteriores desta pandemia. "A mortalidade por covid-19 empurrava sempre a mortalidade geral para um excesso, agora observamos uma inversão. Há um aumento abrupto de casos e das incidências, mas menos mortes por covid e menos mortes globais", afirma, sublinhando: "Não é o normal para esta época do ano, devido ao frio."

Do dia 1 de janeiro até dia 27, segundo os dados oficiais referidos pelo professor da Faculdade de Ciências, morreram 10 072 pessoas, destes 789 devido à covid-19 - a que se acrescenta os 44 óbitos notificados ontem. Segundo o analista de dados, "em termos médios foram menos 1233 do que no mesmo período nos anos de 2017 a 2019", em que o total ultrapassou os 11 mil. Segundo a análise de Carlos Antunes, este ano nem os picos de frio se refletiram na mortalidade, o que aconteceu em 2021, mesmo com pandemia. "No ano passado, houve uma vaga de frio em janeiro que aumentou a mortalidade não covid - a mortalidade global - mas neste ano isso não se verificou", referiu.

"O que se está a observar, mais ao menos desde o Natal, e comparativamente à média de referência dos anos anteriores, é que há uma queda abrupta da mortalidade geral. Por exemplo, nos dias 2 e 6 de janeiro, foram registados menos de 120 óbitos por dia. Se olharmos para o dia 6 de janeiro dos anos entre 2017 e 2019, a média de óbitos diários foi de 425", continuando: "Outro dia em que se registaram valores bastante anómalos foi o de 10 de janeiro, em que habitualmente morrem mais de 440 pessoas e neste ano morreram 346, houve uma redução de 100 óbitos." Por isso, sublinha, tem de haver uma explicação, seja porque estamos mais em casa ou com restrições.

O pneumologista Filipe Froes explicou ao DN que o Sistema Informático de Certifico de Óbitos (SICO), que tem de ser preenchido por um médico tem, no final, um item que diz: "Aviso covid-19, caso o paciente se encontre infetado ou com suspeita de infeção por favor preencha o campo que diz paciente infetado por SARS-CoV-2 e a causa de morte". Portanto, o médico tem a possibilidade de destrinçar a infeção e a causa de morte, não devendo acontecer erros", embora refira não saber também "como é que a DGS depois trata os dados registados nos óbitos. Mas há uma coisa que me faz confusão, quando divulga dados não apresente taxas de letalidade por 100 mil habitantes, fazendo distinção relativamente às pessoas vacinadas e com reforço e às que não estão vacinadas. Este é o procedimento seguido lá fora".

O médico confirma também que o retrato de hoje nos hospitais nas alas covid-19 é bem diferente do que se tinha há um ano. "Temos um retrato que teve alterações quantitativas, porque o número de doentes internados é menor. É uma situação que resulta da elevada taxa de cobertura vacinal e sobretudo das características desta nova variante. Se não fosse assim, a situação seria muito mais grave. Em relação às alterações qualitativas o que se constata é que o padrão de gravidade é menor, mas, neste momento, a maioria dos doentes entra nos hospitais por ouras patologias, mas após o rastreio laboratorial testa positivo. É uma situação nova."

E exemplifica: "No início da pandemia ou, precisamente há um ano, o que nos aparecia eram quadros muito graves de pneumonia, com extensão bilateral pulmonar, agora já não temos tanto esse quadro. Ainda temos pneumonias, embolias pulmonares ou, no caso das crianças, infeções do sistema nervoso central, mas não com uma gravidade tão grande."

Filipe Froes defende mesmo que a informação sobre os internados deveria ser publicada. "Toda a informação é essencial para fundamentar melhor o conhecimento. O que verificamos é que muitas vezes a informação é dada de forma parcial não permitindo retirar conhecimento nem fundamentar conclusões." No caso dos relatórios sobre as Linhas de Vermelhas da DGS e do INSA, "não se pode dizer que há um intervalo de 3% a 5% de menor risco de mortalidade entre vacinados e não vacinados, tem de mostrar números absolutos e apresentar a taxa de letalidade", reforçando que a informação ajuda ao conhecimento.