“A batalha do acesso ao aborto na Europa — Quando os direitos não são direitos para toda a gente”. É este o título do mais recente relatório da Amnistia Internacional (AI) sobre o acesso à interrupção de gravidez, e sumariza o conteúdo do documento de 38 páginas, ao qual o DN teve acesso. Apesar de a maioria esmagadora dos 40 países examinados permitir aborto legal em algumas circunstâncias — só Andorra o proíbe em todas —, persistem, até naqueles que têm aquilo a que a Amnistia vê como “legislação positiva”, exigências medicamente injustificadas, recusas de cuidados baseadas em crenças pessoais (objeção de consciência), carência de pessoal treinado, limites gestacionais e custos elevados, com os grupos marginalizados a sofrer maiores restrições.E se, por um lado, o relatório assinala progressos recentes no que respeita ao reconhecimento do direito a abortar — desde o referendo de 2018 na Irlanda, que acabou com a proibição total do aborto no país e deu lugar a uma lei que permite abortar até às 12 semanas “a pedido” e a legalização do aborto até às 12 semanas em San Marino em 2022 (revogando uma lei com 150 anos que proibia a interrupção da gravidez em qualquer circunstância) à consagração do direito ao aborto na Constituição francesa, em 2024, passando por alterações legais que em Espanha, na Noruega e na Dinamarca aumentaram os limites gestacionais para o aborto “a pedido” —, por outro alerta para a grande ofensiva que tem vindo a verificar-se contra esse direito.Há, denuncia a AI, um movimento “transnacional anti-género”, muito bem financiado e que tem vindo a ganhar influência e tração na Europa (e em todo o mundo), o qual inclui instituições religiosas, organizações e think tanks conservadores, e “influenciadores” de redes sociais cujo objetivo é “mudar a sociedade no sentido de restaurar o poder patriarcal, reinventar normas conservadoras, limitar direitos humanos e autonomia e punir quem transgride as normas patriarcais, especialmente as mulheres e pessoas LGBTIQ+, utilizando a moralidade e a religião.” E exemplifica: “Na Croácia, a influência de políticos anti-direito ao aborto no governo, combinada com a crescente aliança entre os grupos anti-aborto e a Igreja Católica, conduziu a várias tentativas de restringir ou interditar o acesso à interrupção da gravidez.” Na Eslováquia, prossegue o relatório, sucedeu o mesmo, com pelo menos 20 projetos de lei anti-aborto apresentados entre 2028 e 2021, e em setembro deste ano o parlamento passou uma série de alterações à Constituição que vão diminuir significativamente a igualdade de género e os direitos sexuais e reprodutivos — o que, considera a AI, faz parte de uma mudança no país no sentido do autoritarismo, algo que já sucedera na Hungria e na Polónia.Estas mudanças, diz a AI, surgem muitas vezes a pretexto de combater o declínio nos nascimentos e embrulhadas na “retórica mentirosa e racista sobre a ‘substituição’ da população branca ‘nativa’ dos países por migrantes”. Foi o que ocorreu, segundo o relatório, na Hungria, quando o país aumentou as barreiras no acesso ao aborto, contraceção e planeamento familiar, e em Itália, quando a primeira-ministra Giorgia Meloni, que chegou ao poder com o slogan “Deus, pátria e família”, conduziu a uma alteração na lei para que os grupos anti-aborto e de “apoio à maternidade” pudessem estar presentes nos centros de aconselhamento obrigatório para quem quer aceder a um aborto legal no país.Têm-se também reforçado os protestos e piquetes anti-aborto, por vezes violentos, junto a locais onde este cuidado de saúde é providenciado, levando até vários países a aprovar leis que restringem estas manifestações, criando zonas de proteção — caso do Reino Unido, Alemanha e Espanha — para certificar que quem quer aceder a esse direito legal não é assediado, intimidado ou agredido. Ao mesmo tempo, garante a AI, profissionais de saúde e defensores do direito ao aborto estão a ser estigmatizados, intimidados, agredidos e sujeitos a processos judiciais injustos.Se, como sublinha a AI, este movimento anti-aborto parece muito bem financiado e organizado, o outro lado queixa-se da falta das duas coisas. É o que diz a ginecologista Silvana Agatone, presidente da Laiga, um grupo de médicos que coordena esforços para garantir o acesso ao aborto legal em Itália. “Aqueles que querem impedir o acesso ao aborto têm estratégias organizadas e financiamento garantido para aplicar a sua agenda. É portanto uma batalha muito difícil. Com outras organizações, criámos um manual “IVG sem mas — aborto com zero obstáculos”, onde reunimos as questões e os obstáculos reportados pelas mulheres, pedindo a advogados para encontrarem soluções legais. Entregamo-lo de cada vez que uma mulher entra em contacto connosco, por exemplo quando um hospital lhe diz que ela não pode fazer um aborto enquanto não se ouvir o bater do coração do feto [exigência que também é feita em vários hospitais portugueses, como a investigação do DN, em 2023, comprovou]. Tentámos criar uma rede com advogados, e para isso tivemos de procurar financiamento. Esse é o verdadeiro desafio para nós, porque é muito difícil conseguirmos financiamento.”.AD e Chega querem “dar as mãos” contra “a esquerda marxista assassina”.Esquerda unida, direita dividida nas alterações à lei do aborto. Todos os projetos chumbados.Aborto. Portugal viola direitos sociais europeus